Depois de se comprometer com toda a América do Sul que votaria pela candidatura tripla da América do Norte – Estados Unidos, Canadá e México -, o presidente da CBF, Antônio Nunes, votou pela campanha do Marrocos para sediar a Copa do Mundo de 2026 na eleição ocorrida durante o Congresso da Fifa, em Moscou.
Ele achou que o voto era secreto e seu gesto abalou as esperanças da CBF de finalmente tentar mostrar aos demais dirigentes que é uma entidade que quer reconstruir sua credibilidade, depois de escândalos com seus três últimos presidentes.
A decisão causou um profundo mal-estar entre os sul-americanos, que foram cobrar explicações dos dirigentes brasileiros e chegaram a chamar a atitude de “traição”. Já para os norte-americanos, Nunes votou como parte de uma “resposta” de Marco Polo Del Nero. “É ele (Del Nero) quem manda ainda”, disse um dirigente na condição de anonimato. José Maria Marin foi alvo de um julgamento e está preso, enquanto Marco Polo Del Nero caiu por conta das acusações apresentadas pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos.
Nunes é o presidente da CBF desde a queda de Del Nero e ocupa o cargo apenas até que o presidente eleito, Rogério Caboclo, assuma a posição, em abril de 2019. A opção por Nunes foi para evitar dar o cargo a outros dirigentes que estavam amplamente implicados em suspeitas de corrupção.
Ele, porém, teve todos seus poderes esvaziados e os principais assuntos da gestão da CBF foram distribuídos entre Caboclo e outros dirigentes. Nos bastidores, é Del Nero que continua mandando. Mas não foi isso que ocorreu na Fifa.
Pessoas próximas ao coronel explicaram que ele tomou a decisão por ser “o presidente” e que julgava que não precisava consultar ou pedir autorização de seus supostos subordinados. O voto, porém, abriu uma crise diante de acusações de aliados de que não se poderia confiar na palavra da CBF.
Dois dias antes da votação, os sul-americanos se reuniram e definiram, uma vez mais, que chancelariam a candidatura norte-americana. O coronel estava presente à reunião, que foi alvo de polêmica por conta da recusa da entidade sul-americana a permitir que o Marrocos apresentasse sua candidatura.
Nesta quarta-feira, tudo estava combinado para que o voto da CBF fosse para os norte-americanos. Momentos antes de começar o processo, o vice-presidente da entidade, Fernando Sarney, foi até a mesa do Brasil para ter a certeza de que o voto de Nunes seria dado da forma correta.
Mas, assim que o resultado da votação foi anunciado, o presidente da Conmebol, Alejandro Domingues, se dirigiu até Sarney com a notícia. O caos apenas era interrompido por cartolas africanos que vinham até Sarney para o abraçar diante da suposta decisão do Brasil em apoiar o continente.
Constrangido, o brasileiro foi procurar uma explicação com Nunes, que justificou primeiro que havia cometido um erro na hora de votar. Mas, pressionado, acabou justificando que havia tomado a decisão de apoiar o Marrocos.
Quem não sabia de nada disso era Caboclo, o dirigente que havia viajado até Moscou para se apresentar aos cartolas da Fifa como o novo rosto do futebol brasileiro. O tom que adotaria era de profissionalismo, do fim das polêmicas de corrupção e, acima de tudo, que o Brasil cumpriria sua palavra.
Ele receberia, incrédulo, a informação em um telefonema de Sarney. O gesto de Nunes na votação jogou um banho de água fria nessas pretensões de apresentar uma “nova CBF” ao mundo.
Já de volta aos hotéis da Fifa, Sarney foi novamente pressionado a dar uma explicação ao presidente da Conmebol, que sugeria uma “traição”, enquanto os demais também queriam entender a mudança no voto. Ninguém acreditava que havia sido apenas um erro ou uma decisão de uma só pessoa.
Apesar de ser considerado apenas como um presidente de fachada entre os próprios dirigentes, a situação deixa uma saia-justa entre os brasileiros. Nunes, como chefe, não pode ser afastado por tomar uma decisão que justamente cabe ao presidente. Já o medo dos demais é o de que ele acabe demitindo Caboclo ou frustrando os planos de transição.
O constrangimento deve continuar nesta quinta-feira. A Conmebol abrirá sua “casa” em Moscou e dirigentes brasileiros tentam evitar que Nunes vá até a reunião e coletiva de imprensa. O coronel, porém, afirmou que estará presente.
Nunes apenas teve o primeiro contato com os detalhes da candidatura do Marrocos momentos antes da votação, quando o país fez sua última apresentação, minutos antes da votação.
A CBF chegou a pensar em soltar uma nota, explicando que havia ocorrido um erro na hora do voto. Mas foi surpreendida depois que ficou sabendo que o próprio coronel declarou à imprensa de que havia votado pelo Marrocos.
Ao falar com jornalistas, Nunes primeiro tentou esconder seu voto, alegando que era sigiloso. “É segredo”, disse. O problema é que a Fifa já tinha publicado o resultado e que mostrava que o Brasil havia mudado de posição.
Quando foi pressionado diante dessa informação, ele não sabia explicar. “Não sei como estava la. Eu dei para meu colega votar”, justificou. Os demais dirigentes negam e garantem que foi ele quem votou.
Questionado sobre o que pesou mais na votação, ele indicou que seria “a simpatia de uma pessoa por um país”. “Era bom que fosse o Marrocos. Nunca teve Copa lá”, afirmou. Mas lamentou: “Eu era apenas um voto”. O cartola brasileiro insistiu que foi “injusto” dar a Copa pela segunda vez para os EUA e pela terceira vez aos mexicanos. “Nunca teve no Marrocos. Isso não é certo”.
Consultado, um alto representante da delegação norte-americana afirmou que acredita que o voto brasileiro foi uma tentativa de retaliação contra os Estados Unidos por conta da prisão dos cartolas da CBF.
Carlos Cordeiro, presidente da US Soccer, admitiu ter ficado “surpreso” com o voto brasileiro, enquanto o delegado mexicano, Decio Di Maria, espera que o Brasil no final reconheça onde era melhor a Copa ser realizada. Mas, entre os delegados norte-americanos, ninguém acredita em um “engano” por parte do coronel Nunes.
No final do dia, o coronel evitou sair do hotel para uma festa que a Fifa havia organizado e onde estavam praticamente todos os dirigentes. Do outro lado do salão, uma delegação de cartolas marroquinos, ao saber que pela reportagem que Nunes estava a poucos metros deles, fez questão de ir agradecer pelo voto. “Sequer o conhecemos”, explicou o presidente da Federação de Futebol do Marrocos, Fouzi Lekjja, sem ter a mínima noção da crise que se desenrolava.