Como em outras etapas de ajustes fiscais promovidos pelo governo para arrumar as contas públicas, a mensagem que prevaleceu para muitos é que a parte mais salgada da conta deve acabar no colo do próprio cidadão. Conforme anunciado na última segunda-feira pelos ministros Joaquim Levy e Nelson Barbosa, a postergação no reajuste dos servidores, os cortes nos programas PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), Minha Casa, Minha Vida e na área da saúde, além da recriação da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), mostraram que as doses mais amargas do remédio que tem como promessa curar a patologia econômica brasileira ainda estão por vir. Mas se ainda há alguém que pense que os efeitos dessa crise recaem da mesma maneira sobre os mais diversos setores, recomenda-se uma releitura dos acontecimentos recentes.
É fato que os bancos também sofreram impactos nada desprezíveis com a elevação na alíquota da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) de 15% para 20%, além dos próprios efeitos da perda do grau de investimento do país pela agência de classificação de risco Standard & Poor`s, que culminou no rebaixamento em cadeia dos ratings de diversas empresas nacionais. No primeiro caso, nada que um esperado repasse para os correntistas não resolva ao menos parcialmente um problema maior. Ainda vale lembrar a manobra orquestrada para que a medida provisória fosse aprovada com êxito pelos congressistas, como a estratégia de se endurecer o texto inicial para depois afrouxar nas negociações. De qualquer forma, a agência Fitch espera que as instituições financeiras, embora tendam a se ajustar à maior carga fiscal e repassem os custos na concessão de empréstimos, devem sofrer com um provável aumento da inadimplência. Já o downgrade, nada de excepcional que outras companhias mais frágeis não tenham de enfrentar em meio a uma conjuntura mais desfavorável. Ou seja: um cenário ruim à primeira vista, mas que, quando comparado à realidade de tantos outros segmentos, parece o melhor possível.
Mesmo em um ambiente conturbado como o atual, os quatro maiores bancos com ações negociadas no mercado de capitais brasileiro apresentaram expressivos crescimentos de lucro no segundo trimestre deste ano. Na comparação anual, Itaú Unibanco (ITUB4, R$ 5,984 bilhões), Bradesco (BBDC3; BBDC4, R$ 4,473 bilhões), Banco do Brasil (BBAS3, R$ 3,008 bilhões) e Santander Brasil (SANB11, R$ 3,881 bilhões) mostraram respectivos aumentos de 22%, 18%, 6% e 468% em seus lucros líquidos. Mais do que reforçarem a eficiência do setor financeiro e sua capacidade de gerar resultados positivos nos mais diversos cenários, os números reiteram a solidez dessas empresas e seu preparo para enfrentar momentos de maiores dificuldades do país, dividindo a conta de modo mais equilibrado com companhias mais vulneráveis dentro do setor produtivo e com a própria sociedade civil, que agora sofre com o aumento do desemprego, juros e inflação.
Após os anúncios do governo em uma tentativa de cobrir o rombo de R$ 30,5 bilhões no Orçamento para 2016 enviado ao Congresso, as ações na Bovespa deram uma resposta inicial de euforia durante os instantes que restavam daquele pregão. No dia seguinte, o clima foi de maior cautela e volatilidade nos mercados, com o Ibovespa apresentando variações entre perdas de 1,13% e ganhos de 0,86%, e fechando com tímida alta de 0,17%, a 47.364 pontos. Em um movimento muito mais eufórico, as ações dos bancos terminaram o dia com variações positivas mais expressivas: Itaú Unibanco, Bradesco, Banco do Brasil e Santander somaram respectivas altas de 2,46%, a R$ 28,27; 1,78%, a R$ 23,85 (ON) e 1,92%, a R$ 23,85 (PN); 3,63%, a R$ 17,70; e 1%, a R$ 14,11.
A euforia mais acentuada tem justificativas. Dentre as principais, os analistas do mercado preferiram dar destaque àquela que aponta para a não confirmação de expectativas por mudanças mais drásticas nas regras sobre a distribuição de Juros sobre o Capital Próprio. Hoje, as companhias podem deduzir do Imposto de Renda e da CSLL o pagamento do valor que distribuem como JCP aos acionistas, com teto calculado a partir da TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo) – hoje em 6,5 – ao ano, sobre seus patrimônios líquidos. As mudanças do governo determinam que essa remuneração seja fixada em 5% sobre esse patrimônio – o que corresponde a uma espécie de congelamento da TJLP, cujo percentual esperado para 2016 era de 8% pelos especialistas.
Em meio a uma crise econômica de preocupantes proporções, muitos investidores temiam o anúncio do fim do benefício. A medida mais leve planejada pelo governo trouxe alívio para quem está exposto aos papéis do setor financeiro. Mais uma vez, o grosso dos impactos sentidos pelas alterações não tende a recair sobre as costas dessas empresas, mas seus acionistas. É claro que haverá uma redução no montante que entraria como despesa no balanço e que, portanto, não sofreria a mordida do leão no Imposto de Renda, mas não se trata de nada que vá provocar reviravoltas nas expectativas dos especialistas que acompanham o setor financeiro.
Mais do que as pequenas alterações na JCP, o governo aliviou a situação para o setor financeiro com a recriação da CPMF – grande fonte de expectativas para a geração de superávit mirando o cumprimento da meta de 0,7% do PIB (Produto Interno Bruto) para o ano que vem. Se mantidas as regras da lei 9.311, de 24 de outubro de 1996, a alíquota cobrada seria de 0,20% – de fato, foi esse o percentual apresentado por Levy na segunda-feira, mas o Planalto já tenta articulação com governadores para a elevação da alíquota para 0,38% em troca de apoio. O pagamento ou a retenção e o recolhimento da contribuição seriam efetuados no mínimo uma vez a cada dez dias. E é aí que entram as vantagens para os bancos. “A partir do princípio que seja aproveitada a situação e o gap seja mantido, os bancos ganham um float para impulsionar seus resultados”, afirmou o analista de investimentos João Augusto Salles, da Lopes Filho. Em seus estudos, ele estima crescimento médio de 12% para os quatro maiores bancos no ano que vem. Com a CPMF, esse resultado poderia subir dois pontos percentuais – o que corresponderia a uma alta 17% superior às expectativas prévias.
Não à toa, a Febraban (Federação Brasileira dos Bancos) elogiou as medidas de ajuste como reflexo do compromisso do governo em promover equilíbrio fiscal. “A Febraban compreende a necessidade de complementar o corte das despesas com medidas temporárias de aumento de tributos. Avalia que a contribuição sobre movimentações financeiras, tendo em vista sua ampla cobertura, menor impacto inflacionário, simplicidade e maior rapidez de implantação em relação a outros tributos, facilita o reequilíbrio das contas públicas, enquanto o governo elabora medidas estruturais de adequação das despesas. O caráter temporário deste tributo deveria ser combinado com alíquotas declinantes ano a ano para reduzir os efeitos distorcivos da taxação sobre intermediação financeira”, escreveu a instituição em nota enviada à imprensa na última segunda-feira.
Salles, no entanto, faz algumas ressalvas e ressalta que o cálculo é feito a grosso modo, tendo em vista a diversidade de fatores envolvidos e o cenário ainda nebuloso das regras que serão aplicadas. “As variáveis envolvidas são muitas. A começar pelo quanto o governo pretende arrecadar anualmente com o recolhimento da CPMF, a participação que cada um dos quatro grandes bancos tem no sistema em termos de total de ativos, bem como número de correntistas”, observou o analista. “Outra variável importante trata-se da alta da Selic atual, que remunera bem o ganho de float, por conta do hiato dos dez dias”. Para Salles, qualquer observação sobre os efeitos do imposto sobre o resultados dos bancos precisam ser observados com muita cautela, uma vez que até o momento da economia também era muito diferente, embora seja sempre recomendável o cercamento de dados estatísticos. Apesar de não terem cálculos específicos, outros analistas ouvidos por essa reportagem concordaram que a CPMF pode ser positiva para as instituições financeiras.
Visão mais ponderada foi apresentada pelo analista André Riva, do GBM: “Acho muito difícil que o governo deixe algum float passar despercebido. Tecnicamente, não há nada que demande um prazo de dez dias nos repasses. Acho que fica injustificável. Esse float que os bancos teriam o governo poderia ter”, argumentou. Em um momento de necessidade de arrecadação para ajuste das contas públicas, ele diz que não faria muito sentido os bancos serem tão poupados. O especialista ainda lança uma hipótese que pode ser confirmada caso tecnicamente não seja viável o repasse imediato dos recursos pelos bancos: bastaria uma correção com o repasse dos ganhos em float. Para isso, bastaria indexar o repasse a um indexador como o CDI, que costuma ser o usado pelas próprias instituições em situações semelhantes. Desta forma, a recomendação seria ainda de cautela. Ele mesmo ainda aguarda mais definições para preparar estudos específicos e avaliar mais precisamente os efeitos da CPMF sobre o mercado.