O ano letivo de 2023 começa em fevereiro na maior parte das escolas brasileiras e, conforme a retomada das aulas se aproxima, também vem o período de compra e organização do material escolar.
As instituições de ensino divulgam, anualmente, uma lista de itens necessários para cada estudante – mas nem todo tipo de produto pode ser exigido.
A legislação brasileira determina que as escolas não podem cobrar, dos pais ou responsáveis, itens de uso coletivo, ou seja, aqueles que serão utilizados por todos os estudantes ou que beneficiarão toda a comunidade escolar. A regra vale para escolas particulares ou públicas.
Pincéis para lousa, por exemplo, são considerados materiais de uso coletivo, já que seu uso favorece todos na sala de aula. Cadernos, no entanto, são materiais de uso individual, ou seja: cada estudante precisa ter o seu.
Não existe uma lista definitiva de materiais cuja exigência é proibida, mas a Lei Federal 12.886/2013, que começou a vigorar em 2014, determina a nulidade de qualquer “pagamento adicional ou [ao] fornecimento de qualquer material escolar de uso coletivo dos estudantes ou da instituição, necessário à prestação dos serviços educacionais”.
O advogado especialista em direito do consumidor David Guedes explica que pais ou responsáveis podem questionar as escolas caso tenham dúvidas a respeito dos materiais pedidos.
“A gente sabe o que é que vai ser utilizado só pela criança e é isso que os pais têm que comprar”, diz.
Guedes sublinha que pais e responsáveis têm o direito de saber como cada material pedido será utilizado pelo estudante em suas atividades pedagógicas e podem se opor à exigência, caso discordem do que a instituição de ensino disser.
“É preciso se atentar a situações fora do comum. Itens que não têm a ver com a faixa etária ou as atividades desenvolvidas. Pedir um compasso para uma criança no jardim de infância, por exemplo.”
O advogado afirma que é preciso levar em consideração a realidade pedagógica dos alunos e relacionar os itens solicitados pela escola com as atividades executadas pelos estudantes.
Ele explica ainda que, caso queiram, pais e responsáveis podem solicitar à instituição de ensino o projeto pedagógico para o ano letivo. Trata-se do planejamento das atividades que serão desenvolvidas pelos estudantes durante o ano e as escolas são obrigadas a fornecer o documento.
O g1 preparou uma lista com exemplos de materiais de uso coletivo para auxiliar pais e responsáveis.
Veja abaixo:
Estrutura para sala de aulas: pincel ou giz para lousa, tinta para impressora, pincel ou caneta para retroprojetor, apagador para quadro ou lousa;
Materiais para limpeza e manutenção: esponja, flanela, detergente, sabão em pó, desinfetante, álcool 70, papel toalha, papel higiênico;
Itens de escritório: pasta suspensa para arquivo; plástico para pasta classificadora, grampeador e grampos, perfurador, carimbo, tinta para impressora;
Produtos descartáveis: copos, talheres, pratos, lenços, sacos para lixo, guardanapos, palito de dentes;
Materiais para construção civil: tinta, pincel, argamassa, cimento, tijolos, cerâmica;
Outros itens: algodão, isopor, prendedor de roupas, fitas adesivas, fitas dupla face, fitas decorativas, medicamentos.
Como agir?
O especialista orienta que, caso pais ou responsáveis decidam questionar o pedido de algum item da lista, o melhor é fazê-lo por escrito, para formalizar o procedimento e deixar o processo registrado. “As escolas geralmente são ambientes abertos ao debate”, diz Guedes.
“Mas se o descontentamento for de todos os pais ou de um grupo deles, existem associações de pais ou responsáveis que podem auxiliar no diálogo”, acrescenta. As associações podem ser instadas a intervir em nome do grupo e têm condições de travar diálogo mais incisivo com as instituições de ensino.
Caso a situação não se resolva, é possível ainda acionar o Procon (Programa de Proteção e Defesa do Consumidor). O advogado explica que o órgão tem a capacidade de notificar as escolas e, eventualmente, aplicar punições. Se mesmo assim a discordância se mantiver, o que é raro, o poder judiciário pode ser acionado.
Particulares e públicas
A cobrança de materiais de uso coletivo é vedada tanto a instituições de ensino privadas quanto àquelas públicas. Guedes afirma que tais itens compõem a estrutura que deve ser ofertada pelas escolas. No caso das instituições particulares, os valores que correspondem à estrutura devem estar inclusos nas mensalidades e valores extra não podem ser cobrados.
No caso das escolas públicas, em que não há cobrança de mensalidade, a regra também vale: tudo que fizer parte da estrutura que deve ser fornecida pela escola não pode ser cobrado dos pais ou responsáveis.
“Serviços públicos são regulados pelo Artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor, desde o atendimento oferecido no posto de saúde até o ensino público”, sublinha Guedes.
O código determina que “Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos”.
Não é raro que escolas públicas façam pedidos de doação para a comunidade escolar, como lembra o advogado, mas pais não têm qualquer obrigação de colaborar. “Muitas escolas públicas têm déficit de estrutura, é comum que peçam doações”, diz o especialista, mas ressalta que “bom senso” é a palavra-chave: colabora apenas quem quiser.
Constrangimento
Regra importante destacada pelo especialista é que nenhum aluno pode ser impedido de participar de qualquer atividade pedagógica. “A criança não pode passar pelo constrangimento de não participar de uma atividade porque seus pais ou responsáveis deixaram de comprar algum item pedido pela escola”, sublinha.
Casos dessa natureza podem até mesmo levar a pedidos de indenização pelo mal-estar causado aos estudantes.
Outras proibições
Além do impedimento de exigir materiais de uso coletivo, as instituições de ensino também não podem cobrar que os itens sejam de marcas específicas ou que sejam comprados em lojas específicas.
Também não é permitido exigir que os materiais sejam novos: é possível reaproveitar ou comprar itens usados.
Guedes explica que há exceções. A compra de produtos que envolvem direitos autorais, como uniformes ou apostilas exclusivas, não pode ser questionada. “Nessas situações, pais não podem brigar. O uniforme é algo patenteado, não dá para substituir”, cita o especialista. “Mas tem que ter razoabilidade, inclusive nos preços cobrados”, reitera.