O modo de agir do vigilante Tiago Henrique Gomes da Rocha, 26 anos, que enumerava mentalmente suas vítimas, tem semelhanças à conduta de Ramiro da Cartucheira, autor confesso de 50 assassinatos na década de 1970, em Goiás e Minas Gerais.
“Assim como o vigilante, Ramiro também listava suas vítimas”, observa Leonardo Faria, psicólogo forense da Polícia Científica de Goiás, mestrando em Ciências Criminológicas na Argentina e que na próxima semana deverá avaliar o rapaz que confessou 39 homicídios.
Até a tarde desta sexta-feira, 17, Rocha já havia enumerado 23 das 39 mortes que assumiu – a lista dessas vítimas está sendo preparada pela Polícia Civil para ser divulgada, segundo os delegados da força tarefa que atuam no caso.
Ainda nesta quinta, houve uma declaração nova do suspeito, que afirmou, ao ser interrogatório novamente, ter sido vítima de abuso sexual na infância. Desta vez, o advogado do vigilante, Thiago Huascar, acompanhou o depoimento e se declarou atônito com as revelações, aproveitando para enfatizar o caráter “doentio” do cliente, “que precisa ser tratado, porque é assim que funciona a Justiça do nosso País”.
O advogado presenciou o cliente citando suas vítimas a partir de uma lista organizada mentalmente e que seguia corrigindo os interrogadores quanto a detalhes e à ordem em que os crimes foram cometidos.
“Ele (Rocha) não alterou sequer o tom de voz ao nominar as vítimas por número, seqüenciando os casos em sua ordem própria e sem mostrar sentimento algum por elas”, informou o delegado Douglas Pedrosa, um dos que estiveram com o suspeito nos depoimentos.
Transtorno. Comparando rapidamente o caso de 1970 com o atual, o psicólogo Leonardo Faria citou que o serial killer Ramiro da Cartucheira matou até mesmo o recenseador que bateu à porta dele, fora inúmeros estupros e tentativas de assassinato. “Este (Ramiro) citou todas as vítimas. Era um caso de transtorno antissocial com alta necessidade de se impor”, observa Faria. Como o caso de quatro décadas antes, Rocha também mantinha uma “lista mental”, das vítimas.
Para ele, são características que podem ser atribuídas a Rocha, mas o psicólogo cobra cuidado nas conclusões e lembra que o perfil verdadeiro, “sem ser influenciado pelas análises que estão sendo divulgadas agora e que podem chegar ao suspeito”, surgirá somente depois de aplicada uma técnica internacional de entrevista cognitiva e questionários estruturados (escalas) que permitem um diagnóstico para confirmar se não se trata de manipulação por parte de Rocha.
Por outro lado, será avaliado se o suspeito não sofre de alguma desordem no sistema nervoso, ou é portador de alguma anomalia ou trauma físico com dano cerebral, que tenham causado alterações no lobo frontal (área onde são organizadas as ações, movimentos e o pensamento abstrato). “Tudo é muito delicado e prematuro agora porque várias patologias podem causar delírios, assim como pode haver manipulação e comportamento dissimulado, sem remorso, narcísico, típico do transtorno de personalidade antissocial, popularmente chamada de psicopatia”.
Sobre reflexos de um possível abuso sexual na infância, Faria cita que abuso sexual e maus tratos à criança são fatores que podem levar a um adulto com comportamento antissocial, “mas isto não é tão comum quanto se pensa e muito menos é fator determinante”.
Suicídio. A tentativa de suicídio que Rocha cometeu na quinta-feira, cortando os pulsos com um caco de lâmpada que quebrou, era esperada pelo especialista, que já acompanhou vários outros casos de crimes envolvendo comportamentos psicopatas. “Acusados desse tipo de crime tentam se matar para fugir do mal-estar de terem fracassado. Por não conseguirem lidar com frustração e a culpa”.
Outro detalhe que chama a atenção é o fato de o vigilante ter dinheiro, inclusive obtido em vários assaltos, e mesmo assim continuar a se expor, pilotando a mesma motocicleta, enquanto as polícias civil e militar intensificavam as abordagens. “Isto demonstra o desprezo ao perigo por achar que possui total controle da situação”, analisa Faria.
Rocha foi preso depois que policiais o reconheceram após o cruzamento de dados e imagens mantidos em sigilo para não prejudicar a investigação, e que permitiram um perfil próximo do suspeito, elaborado aos poucos, durante vários meses.
Surpresa. A população de Goiânia, autoridades policiais, familiares e vizinhos do vigilante ainda se perguntam como ninguém percebeu o comportamento antissocial do rapaz de 26 anos que frequentou uma igreja evangélica duas vezes, mas que não gostou. Solteiro, criado pelos avós e pela mãe, abandonado pelo pai, alto, de porte físico atlético e rosto bonito, Rocha não despertava desconfiança no Conjunto Vera Cruz, onde vivia, embora andasse geralmente sozinho, sempre com sua inseparável motocicleta.
O espanto das pessoas é por ele ter assumido que optou por matar sem motivos e cometer assaltos de forma tão desafiadora. “Duas vítimas de assalto em uma lotérica dizem que ele as encarava firme, com raiva, como se esperasse uma reação mínima, qualquer, para atirar”, contou hoje o delegado Eduardo Prado, que ouviu Tiago até as 3 da madrugada dessa sexta-feira, 17. No conjunto Vera Cruz, vizinhos que não quiseram se identificar estavam impressionados com a história, citando sempre a boa imagem que possuíam do vigilante.
Já na Delegacia de Repressão a Narcóticos, o clima é de convicção de que foi desvendada uma ação de serial killer. Vários delegados estão se revezando nos interrogatórios porque cada um questiona o preso acerca das mortes que estão sob sua responsabilidade investigar. No caso de Prado, Rocha disse sim aos três crimes, “confessando que matou duas jovens e tentou matar uma terceira”, ou seja, é o autor confesso dos dois homicídios e uma tentativa de homicídio que o delegado investiga.
Como outros, a exemplo do delegado Douglas Pedrosa, que colheu as primeiras declarações de Rocha e ficou transtornado ao ouvir a confissão de 39 assassinatos, Prado também se disse chocado com a frieza do suspeito.
Na madrugada, quando apresentava fotos das mulheres assassinadas ao vigilante, Prado disse que o rapaz mantinha o semblante tranqüilo e apenas respondia “essa aí também (matei)”. Segundo o delegado, o rapaz mantinha uma expressão de ironia e impaciência nestes momentos.
A ele, o suspeito relatou o abuso sexual quando tinha 12 anos de idade, mas o depoimento não convenceu. “Quando eu perguntava quem tinha sido, ele dizia um vizinho, mas não respondia o nome, o local do abuso, outros detalhes. Ele fugia do assunto”. Para o delegado, que está diante do suspeito mais intrigante dos seus dez anos de Polícia Civil, Tiago é um psicopata que tenta manipular até mesmo os investigadores.
Ao perguntar ao vigilante se ninguém desconfiava do jeito frio dele, Prado disse que se surpreendeu com a resposta. “Tiago disse que uma funcionária do hospital onde ele trabalhava (Hospital Materno Infantil, em Goiânia), um dia falou em tom de brincadeira que ele tinha cara de serial killer”.
A reportagem buscou ouvir colegas de trabalho do vigilante no HMI, onde trabalhava em regime de plantão, e também na empresa que contratou o rapaz, o Grupo Fortesul de vigilância privada. O HMI se recusou a comentar. A Fortesul enviou uma nota informando que a empresa foi surpreendida com a notícia a respeito do funcionário e que irá aguardar o andamento da investigação sobre o vigilante “que até então, apresentava condutas irrepreensíveis em seu ambiente de trabalho”.
O rapaz tinha sido contratado em agosto e estava em fase de experiência “na divisão de vigilância desarmada da empresa”. Conforme a nota, Rocha passou por todo o processo de necessário para a contratação, tendo apresentado certidão criminal negativa, diploma de formação de vigilantes em escola autorizada pelo Ministério da Justiça, com registro do certificado junto à Polícia Federal, e uma Declaração de Conclusão do Curso de Reciclagem feito em fevereiro de 2013, que possui como pré-requisito a aprovação em exame psicotécnico. Realizou ainda todos os procedimentos formais exigidos pela Empresa para sua contratação, dentre eles o exame admissional. Ele possuía o segundo grau.