O trabalho, publicado no Journal of Medical Virology, mostra ainda que os vacinados com três doses possuíam mais anticorpos capazes de neutralizar o coronavírus do que os voluntários que não haviam completado o esquema vacinal ou mesmo os que já haviam tido a doença previamente. Mais de 80% dos infectados do estudo não tinham tomado a terceira dose.
“Ainda que alguns dos testados previamente infectados pudessem apresentar uma maior quantidade de anticorpos que reconheciam o vírus, os vacinados com três doses possuíam uma melhor qualidade de anticorpos, ou seja, que não apenas reconheciam como efetivamente neutralizavam o SARS-CoV-2”, conta à Agência FAPESP Jaime Henrique Amorim, professor da Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB), que coordenou o estudo junto com Luiz Mário Ramos Janini, professor da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp) apoiado pela FAPESP.
As amostras foram coletadas na cidade de Barreiras, no oeste da Bahia, durante um surto da ômicron ocorrido entre janeiro e março de 2022. Pacientes que chegavam a uma unidade de saúde com sintomas gripais tinham coletadas amostras de swab nasal. A maior parte teve colhidas ainda amostras de sangue.
Os vírus presentes nas amostras foram isolados e sequenciados, confirmando que eram da cepa ômicron. Os pesquisadores então separaram amostras do soro do sangue dos pacientes para testar a ação dos anticorpos sobre essa variante e sobre a cepa original de Wuhan, que deu origem à pandemia.
“Os anticorpos presentes nas amostras dos vacinados com três doses se mostraram capazes de neutralizar não apenas a cepa original de Wuhan, como também a variante ômicron. Isso não ocorreu com os não vacinados ou que tomaram uma ou duas doses”, comenta Robert Andreata-Santos, que realiza estágio de pós-doutorado na EPM-Unifesp com bolsa da FAPESP e é um dos primeiros autores do artigo, junto com Jéssica Pires Farias e Josilene Pinheiro, da UFOB.
Proteção
Entre os vacinados que se infectaram durante o estudo, apenas 16 haviam tomado a terceira dose. Os 189 que testaram negativo contaram com uma proporção menor de não vacinados (23) do que de vacinados (166), sendo 51 com as três doses.
O estudo ocorreu num momento em que poucas pessoas haviam tomado a terceira dose dos imunizantes desenvolvidos contra a COVID-19. Os vacinados haviam sido imunizados, em sua maioria, com as vacinas CoronaVac ou AstraZeneca nas duas primeiras doses e o chamado boost com o imunizante da Pfizer, como a maior parte dos brasileiros.
“Como esperado, vimos que a vacina não impede necessariamente a infecção. O que trazemos de novo é que os vacinados com três doses possuem anticorpos que neutralizam mesmo a ômicron, que surgiu quando as vacinas usadas atualmente já existiam”, explica Luís Carlos de Souza Ferreira, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) e coordenador da Plataforma Científica Pasteur-USP, outro coautor do estudo apoiado pela FAPESP.
Segundo Ferreira, o resultado tem repercussão para o mundo todo, pois mostra a importância de se administrar doses adicionais dos imunizantes atualmente disponíveis para a população. Além disso, os resultados indicam que as diferentes combinações de vacinas aplicadas no país funcionam e são capazes de conferir proteção contra a infecção mesmo por variantes recentes como a ômicron.
“Os dados que se tinha sobre a terceira dose eram na maioria de países do hemisfério Norte, que foram mais homogêneos nas marcas de vacina usadas. O que temos agora é mais relevante para a realidade brasileira”, destaca Amorim.
Resultados preliminares de uma nova análise, realizada recentemente pelo grupo no mesmo município, mostram que a administração da quarta dose surtiu efeito também interessante. Os pesquisadores observaram uma ocorrência ainda menor de quadros da doença, mesmo entre os infectados.
“Aparentemente, a quarta dose é tão importante quanto a terceira. Enquanto novas vacinas feitas especialmente para as novas variantes não estão disponíveis, é fundamental manter altos os níveis de anticorpos neutralizantes na população, o que só se consegue com as doses adicionais”, encerra Andreata-Santos.
A pesquisa teve apoio da FAPESP ainda por meio de Bolsa de Pós-Doutorado para Maria Fernanda de Castro Amarante. O estudo contou também com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e do Instituto Serrapilheira.