A regulamentação do trabalho intermitente no país foi debatida hoje (21) em audiência pública da Comissão Especial da Reforma Trabalhista (PL 6.787/16). A modalidade, geralmente praticada por bares, restaurantes, eventos e casas noturnas, permite a contratação de funcionários sem horários fixos de trabalho.
Atualmente a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) prevê apenas a contratação parcial, aquela cuja duração não exceda a 25 horas semanais.
Para o juiz da 8ª Vara do Trabalho de Curitiba, Felipe Calvet, a medida vai regulamentar situações que já ocorrem no dia a dia do trabalhador brasileiro. O magistrado defendeu o Projeto de Lei 3.785/12, do deputado Laércio Oliveira (SD-SE), que institui o trabalho intermitente. “Não me parece que haverá diminuição de direitos na proposta”, disse.
Segundo Calvet, a legislação atual faz com que trabalhador e empregador atuem na informalidade. “Trabalhadores serão trazidos para a formalidade com a regulamentação, não trazendo qualquer diminuição aos direitos já garantidos”, disse.
Insegurança e incerteza
O professor de direito do trabalho da Universidade de São Paulo (USP) Jorge Luiz Souto Maior rebateu a argumentação de Calvet. “O trabalho intermitente gera insegurança e incerteza muito grande. Ele não sabe se vai ser chamado, de que dia e de que forma e quanto vai ganhar no final do mês”, disse Souto Maior
Para o professor, medidas como a regulamentação do trabalho intermitente, a prevalência do negociado sobre o legislado e a regulamentação da terceirização vão levar as relações de trabalho no Brasil de volta ao século 19.
“Teremos empregador negociando com trabalhadores intermitentes, terceirizados, que não se socializam, não sindicalizam e vão negociar sem limites legais. A soma disso é o fim total dos direitos”, disse. Souto Maior acrescentou que a medida pode gerar mais ações judiciais. “Alguns dispositivos, se registrados em lei, vão aumentar as ações na Justiça do Trabalho”.
Oportunidade a jovens
De acordo com o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci Júnior, o trabalho intermitente vai dar oportunidades a jovens para manter atividades profissionais e estudos. Para ele, quando regularizada, a medida vai formalizar as relações entre empregados e patrões. “Nós estamos falando de um jovem hoje que está tendo sua vida precarizada sem emprego”.
Solmucci diz que a remuneração de um trabalhador eventual varia de 60% a 80% acima do valor-base praticado por sua categoria.
O subprocurador-geral do Trabalho Luís Antônio Camargo de Melo disse que países como Portugal, Itália, França e Estados Unidos têm legislação específica sobre o trabalho intermitente, que garantem segurança ao trabalhador. “O tempo de espera do trabalhador nos Estados Unidos deve ser compensado. A remuneração mínima pelas horas de espera é o valor do salário mínimo da região.”
Melo disse que a reforma trabalhista vai precarizar as regras trabalhistas e pode ser prejudicial ao trabalhador brasileiro. Para ele, a alternativa para a atual crise é a redução do custo tributário para os empresários. “Se estamos em uma crise, não vai ser precarizando ou prejudicando o trabalhador que vamos dar a volta por cima.”
O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Turismo e Hospitalidade (Contratuh), Moacyr Roberto Tesch, defendeu que a regulamentação do trabalho intermitente atende a interesses somente dos empresários. “A proposta não vai gerar emprego. Não é esse tipo de procedimento [que é necessário], mas sim fazer com que a economia gire para avançar”, disse Tesch. Caso aprovada a reforma, Tesch diz que “vai chover ações trabalhistas em virtude da inconstitucionalidade que já vem sendo demonstrada”.
Votação
Ontem (20), em São Paulo, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, disse que a reforma trabalhista deve ser votada na primeira quinzena de abril. Em seguida, a Casa vai apreciar a reforma da Previdência. As medidas têm causado polêmica, mas segundo o governo federal, já há maioria no Congresso Nacional para garantir a aprovação das duas reformas. Maia garante que as medidas não serão “desfiguradas”.
Até o momento, 422 emendas foram apresentadas ao texto da Reforma Trabalhista. Parlamentares têm até esta quarta-feira (22) para propor alterações ao texto. Segundo o relator da proposta, deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), há pelo menos 80 emendas que modificam pontos da “espinha dorsal” do texto, que é a prevalência do negociado sobre o legislado. O item é uma das maiores polêmicas do projeto de lei. “Há uma preocupação inclusive em dar uma blindagem para evitar contestações posteriores”, disse Marinho.