sábado, 23 de novembro de 2024
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‘There Is no Evil’, do Irã, ganha urso de ouro

Nunca houve uma premiação, pelo menos em anos recentes, como a da Berlinale de 2020. Quando o presidente do júri, o ator Jeremy Irons, falou em filme extraordinário e citou…

Nunca houve uma premiação, pelo menos em anos recentes, como a da Berlinale de 2020. Quando o presidente do júri, o ator Jeremy Irons, falou em filme extraordinário e citou “quatro histórias que nos confrontam com a moralidade e o valor da vida humana”, o público do Palast – e o da sala de cinema em que a imprensa assistia à cerimônia na noite deste sábado, 29, no telão -, já começou a aplaudir.

À tarde, There Is No Evil, do iraniano Mohammad Rasoulof, já recebera o prêmio do júri ecumênico e o do Guild Film Award. E então veio a coroação: o Urso de Ouro.

Os dois produtores lamentaram que o diretor, confinado – como Jafar Panahi – no Irã, não pudesse estar presente. Um agradeceu aos atores, que se arriscaram para dar vida às histórias de homens cujos atos colocam em discussão a moralidade da pena de morte e a propriedade de alguns indivíduos, mesmo com cobertura legal, ao se arvorarem como carrascos de todos. Os atores todos, homens e mulheres, choravam copiosamente. As lágrimas escorriam pelas faces gloriosas. O outro produtor, com o Urso na mão, disse que o troféu ia iniciar uma longa viagem até o Irã. Que Rasoulof ia lhe apresentar o país e o Urso ia poder ver que os iranianos são boa gente – uma maneira de responder às sucessivas tentativas do presidente Donald Trump de demonizar o Irã.

Quanto ao governo, nada nem ninguém é mais crítico do que o filme. A justiça da República Islâmica é rigorosa e sem apelação, e cabe ao exército executar as sentenças. Mas existem os que se arriscam – os objetores de consciência.

Se o júri da Fipresci, a Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica, tivesse atribuído seu prêmio, o da crítica, a Tsai Ming-liang, por Rizi (Days), o mais denso e ousado, como linguagem, dos filmes da competição, crítica e júri oficial teriam feito a coisa certa.

O júri quase sempre acertou. Prêmio de melhor ator para o genial Elio Germano, por Volevo Nascondermi. Grande prêmio para a norte-americana Eliza Hittman, por seu impactante Never Rarely Sometimes Always – sobre a garota que viaja a Nova York com a amiga para abortar. A melhor atriz foi Paula Beer, a moderna pequena sereia do alemão Christian Petzold em Undine (que venceu, um tanto exageradamente, o prêmio da crítica).

Assim como o prêmio para o melhor filme, sinalizado pelo presidente Jeremy Irons, o Urso de Prata de direção, entregue por Kléber Mendonça Filho, também foi sinalizado pelo diretor brasileiro de Aquarius e Bacurau. Kleber falou do prazer das conversas, do amor aos gatos. Ele com certeza deve ter sido um ardente defensor de The Woman Who Ran, do diretor sul-coreano Hong Sang-soo. O próprio mestre parecia meio aturdido. Fez o mais breve dos agradecimentos. Pediu para suas duas atrizes, umas delas a magnífica Kim Min-hee, se levantarem. O público rompeu num mar de aplausos.

Janela para o mundo. À tarde, quando foram atribuídos os prêmios paralelos – Anistia Internacional, júri ecumênico, etc. -, a nova diretora executiva da Berlinale, Mariette Rissenbeek, e o diretor artístico Carlo Chatrian já haviam levantado questões como “Para que serve um festival? e “O que é o cinema?” E ambos chegaram à conclusão de que o cinema, e o festival, devem abrir uma janela para o mundo, refletir a realidade.

Pode ser que o cinema não mude o mundo, mas os filmes podem afetar as pessoas, fazê-las melhores. É o que propõem o Rasoulof, o Tsai, o Hong Sangsoo e outros grandes filmes exibidos aqui. Por mais irregular que tenha sido a primeira seleção berlinense de Carlo Chatrian – ele era curador do Festival de Locarno -, ela teve seus pontos altos, e o júri internacional soube reconhecê-los.

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