Em vigor há mais de uma década, uma iniciativa do governo federal para estimular a licença-maternidade de 180 dias só chega atualmente a 23.225 estabelecimentos do estado de São Paulo cadastrados nos registros oficiais.
O número representa apenas 1% do total de 2,4 milhões de estabelecimentos paulistas, segundo um levantamento feito pela Andi Comunicação e Direitos divulgado no fim de outubro.
Por lei, mulheres têm direito a 120 dias de licença após o parto, mas programa Empresa Cidadã permite que empresas ofereçam mais 60 dias de licença remunerada em troca do mesmo valor em deduções fiscais.
No entanto, o benefício continua limitado. Por um lado, a barreira é imposta pelas próprias diretrizes da política, que restringe o universo de empresas aptas àquelas que têm tributação com base no lucro real. Isso acaba fazendo com que os empreendimentos menores fiquem de fora.
Por outro lado, o próprio Ministério da Economia estima que apenas 16% das empresas aptas de fato aderiram ao Programa Empresa Cidadão. A informação foi obtida via Lei de Aceso à Informação (LAI) pelas pesquisadoras Diana Barbosa e Thais Malheiros.
Questionada pela TV Globo sobre ações de incentivo à expansão de empresas adeptas ao programa, a Receita Federal informou, em nota, que “divulga informações sobre a legislação aplicável ao Programa Empresa Cidadão no site da Instituição na internet”. Sobre a existência de estudos para flexibilizar as regras para aderir ao programa, o órgão afirmou que “não comenta sobre eventuais estudos sobre mudanças na legislação tributária federal”.
Aleitamento e vínculo materno
Em entrevista à TV Globo, Malheiros explicou que o programa traz diversos benefícios para os bebês ao permitir a licença de 180 dias das mães: o aleitamento materno exclusivo nos primeiros seis meses de vida, e tempo para a construção do vínculo.
Para entender qual é o universo de empresas que garantem a política, Malheiros e Barbosa cruzaram os dados oficiais dos estabelecimentos optantes do Empresa Cidadã e informações da Relação Anual de Informações Sociais (Rais). Entre os achados está a desigualdade racional, de escolaridade e renda.
Entre as mulheres que tiveram acesso aos seis meses de licença remunerada para cuidar dos recém-nascidos, a pesquisa viu que apenas 28% eram negras, mesmo que esse grupo represente 50% de todas as mulheres empregadas com carteira assinada no Brasil.
Já as mulheres com maior nível de escolaridade são desproporcionalmente mais representadas entre as beneficiadas pela licença estendida: elas respondem por 26% de todas as empregadas CLT do país, mas são 47% das empregadas com seis meses de licença-maternidade.
Mas, mesmo entre as empresas que oferecem o período estendido, o levantamento descobriu que 39% das mulheres optaram pela licença de 120 dias, o equivalente a quatro meses.
“Querendo ou não tem também um receio, porque já tem maior rescisão após a licença-maternidade, precisa ter uma cultura institucional muito forte de incentivo, é uma variável bem importante a se considerar.” (Thais Malheiros, pesquisadora da Andi)
‘No primeiro dia já fui demitida’
A pesquisa também quantificou, nos dados da RAIS, uma realidade conhecida de muitas mulheres: a demissão após a licença-maternidade. Segundo os dados mais recentes da Rais, 18% das mulheres trabalhando em estabelecimentos do Empresa Cidadã acabaram desligadas do emprego até um ano após retornarem da licença de 180 dias.
Considerando todas as demais empresas, e qualquer período de licença oferecido, essa porcentagem salta para 28%.
É nesse grupo que a relações públicas Nathallia Rodrigues, de 27 anos, se encontrou ao retornar de um afastamento de cinco meses, somando 120 dias de licença e 30 de férias, quando adotou seu primeiro filho, durante a pandemia.
Ela conta que, antes de sair de licença, cobrou um aumento prometido pela empresa e, quando retornou, após os 30 dias de estabilidade previstos pela legislação, recebeu a notícia da demissão, em plena pandemia.
“Eles falaram que aparentemente nós não estávamos mais alinhados, as minhas expectativas de crescimento profissional não estavam mais alinhadas com a empresa com o que a empresa poderia oferecer”, contou ela ao SP2.
Luisa Alves, de 38 anos, também passou por um trauma parecido em 2015, quando retornou ao trabalho após dar à luz a filha Aurora.
“Eu estava me preparando pra questão de amamentar, a distância, preparar a minha filha pra uma creche. A gente tinha ficado juntas cinco meses e aí depois, quando eu voltei no primeiro dia, eu nem sentei na minha mesa, já fui demitida, já tinha uma outra pessoa no meu lugar.”
Inclusão de grávidas e mães no mercado de trabalho
Depois de muito tempo duvidando de sua capacidade laboral, a produtora de conteúdo decidiu seguir o caminho do empreendedorismo. Escreveu um livro, montou uma rede de apoio para mães que foram demitidas pouco tempo depois de ter o bebê e hoje dá até palestras sobre a importância de ter essas mulheres no quadro de funcionários.
“Para uma empresa ter essa diversidade, ter a mulher sem filhos, a mulher com filhos, a mulher negra, a mãe solo, isso é trazer novas ideias, novas possibilidades, novas vivências pra sua empresa. Então torna tudo mais rico, as discussões, os projetos”, explica ela.
A startup Bloom é outra iniciativa recente que ajuda a reverter a cultura de exclusão das mães do mercado de trabalho.
Segundo Nathalia Goulart, diretora de experiência da Bloom, o principal produto oferecido às empresas é uma plataforma para atendimento integral de saúde e bem-estar às mães e pais que trabalham, com a oferta de profissionais da medicina, nutrição, psicologia e até consultoria de carreira, englobando todas as especialidades voltadas à família.
“As empresas contratam o programa para as colaboradoras e colaboradores que têm família, ou que planejam ter filhos, o que também é muito legal”, explicou.
“Hoje a gente atua fortalecendo o que a gente chama de uma cultura ‘family friendly’, que de fato a maternidade e a paternidade e a infância possam ser também falados e discutidos e, acima de tudo, cuidados dentro das empresas, dentro de uma cultura corporativa mais acolhedora.” (Nathalia Goulart, diretora de experiência da Bloom)