quinta, 21 de novembro de 2024
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Sequência de equívocos causou a morte de adolescente em UPA

Sindicância instaurada pelo Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) concluiu que há indícios de que “sequência de equívocos” provocou a morte de uma adolescente de 16…

Sindicância instaurada pelo Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) concluiu que há indícios de que “sequência de equívocos” provocou a morte de uma adolescente de 16 anos na UPA Jaguaré, em julho de 2018.

O documento, o qual a reportagem do DL News teve acesso com exclusividade, ainda propõe instauração de processo ético-profissional contra três, dos seis médicos, que atenderam Yasmin Vitória Florentino na unidade de saúde. Segundo o Conselho, eles podem ter infringido três artigos do Código de Ética Médica. Entre eles, “deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente”.

A investigação administrativa foi anexada nesta sexta-feira, 24, ao inquérito policial, que é tocado pelo 3º Distrito Policial e já passou por vários delegados.

De acordo com a sindicância, seis médicos atuaram diretamente no atendimento ou no socorro da paciente, que permaneceu 12 horas internada na UPA. A apuração identificou contradições nos depoimentos e ausência de informações no prontuário da vítima.

O fato e a individualização das condutas

Yasmin deu entrada na UPA Jaguaré na tarde do dia 8 de julho, após ingerir grande quantidade de medicamentos. Muito embora a mãe dela, Cristina Florentino, tenha apresentado várias cartelas vazias, o médico que estava de plantão, A.R.V. , deixou de realizar lavagem estomacal com carvão ativado, sob a justificativa de “problemas comportamentais”, da paciente, que repelia a aproximação da equipe.

“Administrar o carvão ativado era medida absolutamente necessária e urgente diante das várias conseqüências da intoxicação informada pelo Ceatox” (Centro de Informação e Assistência Toxicológica), aponta a sindicância. Uma das conseqüências citadas é o estado de coma.

O primeiro médico somente orientou a aplicação de soro e a observação da paciente. Ele também não anotou no prontuário recomendações para a próxima plantonista.

A médica que assumiu o posto no lugar dele confessou que não prestou atendimento à menor “pois pacientes com a conduta fechada, os plantonistas somente são chamados quando alguma intercorrência é percebida pela equipe de enfermagem”. M.T.R. alega que não foi acionada em momento nenhum.

No prontuário da adolescente, consta que enfermeiros anotaram queda gradativa da pressão arterial, indicativo de agravamento da intoxicação. Mas a médica M. não avaliou a paciente durante todo o seu plantão.

Mais uma vez o turno virou, e o terceiro médico assumiu. Ele afirmou que avaliou a vítima e que os sinais vitais estavam estáveis, mas não fez qualquer anotação no prontuário que comprovasse sua alegação. Somente com a chegada da ambulância, que iria remover a adolescente para um hospital psiquiátrico, é que a equipe percebeu que Yasmin estava pálida, com as pupilas dilatadas e estática.

O plantonista pediu ajuda a outro médico que trabalhava no turno para avaliar a paciente. M.D.A.M. constatou que ela estava em parada cardiorrespiratória e decidiu pela intubação.

Porém, para realizar o procedimento, administrou Fentamil e Entomidato. Segundo o CREMESP, as drogas têm como efeito colateral parada cardiorrespiratória e podem ter potencializado as reações da intoxicação medicamentosa.

Durante o socorro de Yasmin, equipes do SAMU e USA foram acionadas para a UPA e realizaram intervenções.

A sindicância aponta ainda que as tentativas frustradas de intubar a adolescente provocaram lesões internas e hemorragias.

A causa da morte, indicada no exame necroscópico, foi hemorragia traumática provocada por instrumento perfurante.

Apesar disso, na visão dos técnicos do Conselho, acidentes podem acontecer durante o procedimento de intubação e ressuscitação, e não configuram erro médico.

O relatório conclui pela instauração de processo ético profissional contra os dois primeiros médicos por três artigos do Código de Ética:

Art. 1º Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência.

Art. 32. Deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente.

Art. 87. Deixar de elaborar prontuário legível para cada paciente.

Com relação ao último médico, que administrou os medicamentos para intubação, foi sugerido o enquadramento apenas no primeiro artigo.

Investigação criminal

Um inquérito foi instaurado há três anos pela Polícia Civil para investigar denúncia de negligência médica.

A investigação já passou pelas mãos de vários delegados e vai mudar mais uma vez.

A reportagem apurou que quem assume o caso, a partir de segunda-feira, 27, é o delegado Adriano Nasser, que ainda não teve acesso à documentação.

A mãe de Yasmin esteve na delegacia nesta sexta-feira e foi informada que foram infrutíferas as tentativas de intimar o primeiro médico que atendeu a vítima.

“Disseram que não sabem onde ele está”, afirmou.

Em simples pesquisa ao site do Tribunal de Justiça, a reportagem apurou que o médico A.R.V. está no Rio de Janeiro. Processado em outro caso de erro médico, ele nomeou um advogado para o caso e indicou endereço no Flamengo para intimação.

Secretaria de Saúde

Quando a denúncia de negligência médica foi repercutida pela imprensa, a Secretaria de Saúde informou ter instaurado sindicância para investigar os procedimentos que foram adotados pela equipe médica no atendimento da vítima.

Questionada nesta sexta-feira sobre o resultado da investigação, a pasta informou que “Todo processo de apuração da ocorrência ficou sob a responsabilidade do setor de Auditoria e da Comissão de Ética da Secretaria da Saúde. A solicitação foi encaminhada aos dois setores e aguardamos as devidas respostas”.

A reportagem também perguntou se os três médicos citados pelo Cremesp ainda fazem parte do quadro de funcionários do município.

A informação é que o primeiro plantonista foi desligado em abril de 2019. A médica que assumiu o turno na sequência pediu demissão quatro meses depois. Somente o médico que administrou equivocadamente os medicamentos para intubação continua na rede pública municipal, como funcionário concursado.

Os anos não apagam o sofrimento de Cristina, que permaneceu ao lado da filha o tempo todo, durante a internação.

“Eu vi que ela estava indo embora aos poucos. Pedi ajuda inúmeras vezes, mas fui ignorada nos meus apelos. Não importa quanto tempo passe. Eu vou lutar até o fim para que a morte da Yasmin não seja em vão”, disse a mãe.

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