A estudante de direito Paula Barreiro, de 25 anos, viu sua rotina acadêmica mudar drasticamente nos últimos dias como consequência do ajuste das contas públicas implementado pelo Governo neste ano. Na semana passada, a carioca ficou três dias sem aulas por causa do fechamento do prédio da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ela recebeu por email a informação que o local não seria aberto pela falta de pagamentos de funcionários terceirizados dos serviços de limpeza, da portaria e da vigilância. Na última sexta-feira, novamente, recebeu a notícia que as aulas estavam suspensas até que a situação fosse normalizada. Nesta segunda-feira, as paralisações atingiram metade dos cursos.
“Os banheiros já estavam impraticáveis pelo acúmulo de papel e mau cheiro. Como o repasse de verbas foi parcial, apenas metade dos terceirizados voltaram ao trabalho após 3 dias de paralisação do serviço. Entretanto, havia vários avisos pela faculdade pedindo a cooperação dos alunos para não sujar em demasia o prédio e ressaltando que a solução ainda não estava completa. E agora novamente esta suspensão, está tudo incerto”, afirma a estudante de uma das maiores universidades do país, que tem mais de 50 mil alunos e 157 cursos de graduação.
Assim como Paula, centenas de estudantes vem sofrendo os reflexos da restrição orçamentária para a pasta de Educação imposta no início do ano pelo Governo Federal. Nos primeiros dois meses de 2015, o Ministério da Educação (MEC) reduziu em um terço o repasse da verba das universidades federais. Somente a partir de março, os repasses passaram a ser der de 1/12 do orçamento previsto para as instituições, o que dificultou o pagamento de serviços e contas das instituições.
No entanto, novos cortes no orçamentos estão sendo discutidos nesta semana. A presidente Dilma Rousseff, que se reuniu nesta segunda-feira com ministros e líderes do Governo no Congresso para tratar do tema, tem até sexta-feira para definir os valores do corte de gastos por área. No domingo, em uma reunião preparatória, Dilma teria sido informada pela equipe econômica que o congelamento de gastos não deve ficar abaixo de 70 bilhões de reais para atingir a meta fiscal.
No início do ano, a UFRJ, chegou a adiar o início das aulas por falta de repasse. De acordo com a assessoria da universidade, do total do seu orçamento anual de custeio para 2015 que corresponde a um montante de 372 milhões de reais, apenas 85,3 milhões foram liberados até maio, valor inferior aos 5/12 avos (131 milhões) necessários para cobrir os compromissos da universidade ao longo destes 5 meses.
Em Minas, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a maior do Estado com 50 mil alunos, decidiu preservar os projetos acadêmicos e pagamentos de bolsas, mesmo diante do cenário de restrição financeira, e decidiu diminuir também os gastos com serviços terceirizados. Além disso, optou por suspender o pagamento das contas de água e luz. Segundo a assessoria da universidade, por enquanto, não há cortes no fornecimento de água e luz e nem obras paralisadas.
Na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), as despesas estão sendo priorizadas para pagamento das mais antigas para as atuais. Segundo a universidade, apesar das dificuldades em manter as atividades acadêmicas com menos verba, ainda não estão sendo consideradas paralisações. Porém, a reitoria salienta a necessidade de que os repasses voltem a se regularizar para que “não haja prejuízos no ensino, pesquisa e extensão”.
Diante da situação financeira crítica que atravessam essas universidades, o ministro de Educação, Renato Janine, assegurou que não haverá cortes nas verbas de custeio para as universidades. “Este ano o Governo repassou 1,5 bilhão de reais (até abril) para as federais (…) Temos o compromisso do Governo de que não faltará custeio às universidades este ano. Obviamente, enxugando eventuais excessos, mas esses valores serão repassados”, afirmou.
Insatisfeitos com a precarização das universidades e a escassez de investimentos, professores de instituições federais decidiram entrar em greve nacional a partir do dia 28 de maio, segundo o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN). A decisão foi tomada por ampla maioria após reunião com 43 seções sindicais no último sábado (16). Nesta semana, a resolução será levada para as assembleias locais para confirmação da greve nacional, que não acontece desde 2012, quando 58 universidades federais pararam durante mais de quatro meses.
“A hora é agora, as universidades e demais instituições federais de ensino estão à mingua, sem condições de funcionamento, enquanto o Governo anuncia que vai promover mais cortes”, afirmou o presidente do Andes-SN, Paulo Rizzo.
Estaduais congelam contratações e Alckmin impõe teto de repasse
As medidas de contenção não estão restritas as universidades federais. Com o agravamento da crise econômica, universidades estaduais estão congelando parte das contratações e aplicando programas como o de Incentivo à Demissão Voluntária para conter os gastos (PIDV). Na Universidade de São Paulo (USP), por exemplo, a maior do Estado, 1.452 funcionários foram desligados. As rescisões significarão uma redução de 4,4% dos gastos com folha de pagamento – cerca de 16 milhões mensais – , além de uma diminuição em torno de 8,5% do quadro total de servidores técnicos e administrativos ativos.
Desde fevereiro do ano passado, a universidade resolveu congelar novas contratações. A instituição também cortou 20,5% das despesas de custeio e capital, exceto pessoal. O valor com esses gastos passou de 1,014 bilhão para 806 milhões. Para este ano, o orçamento aprovado prevê despesas de custeio e capital de R$ 743 milhões, ou seja, uma retração adicional de 8%.
As medidas adotadas para ajustar as contas já são sentidas por alunos e funcionários que reclamam das consequências da diminuição do número de funcionários. “Congelaram as vagas de creches, fecharam setores de hospitais da universidade. Há aumento de cursos, mas não existe pessoal para atender a essa demanda”, explica Antonio Donizette Germano, segurança da USP de São Carlos e diretor do Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp). Ele afirma ainda que os trabalhadores se sentem sobrecarregados e, ao mesmo tempo, inseguros com o futuro na universidade.
O estudante da Faculdade de Letras Felipe, de 22 anos, acredita que essas medidas estão prejudicando a qualidade do ensino. “Eles simplesmente não contratam mais professores, temos algumas salas muito cheias. E quando algum professor sai para fazer doutorado, não tem substituo. A matéria simplesmente não é dada e atrasa a grade”, explica. Felipe ressalta que a queda no número de funcionários já afetou também os bandejões da universidade. “Um dos quatro restaurantes fechou. O que vemos são filas gigantes. Crianças que não podem ficar nas creches dentro da sala de aula. Já soube de mães que foram expulsas da sala porque carregavam um bebê”, completa.
Segundo a assessoria da USP, as creches não receberam novas crianças porque o setor está se readequando administrativamente em função das demissões voluntárias. No entanto, segundo a universidade, os funcionários e docentes que não têm filhos nas creches recebem o auxílio-creche no valor mensal de R$ 574 por criança. Sobre o bandejão, a universidade afirmou que o restaurante passa por reforma.
Arrecadação
A principal fonte de verbas das três estaduais vem da cota de arrecadação estadual do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Em 2014, a USP, Unicamp e a Unesp pediram o aumento deste repasse do imposto de 9,57% para 9,907%, mas o que foi sugerido pelo Governo de Geraldo Alckmin (PSDB) para o orçamento do próximo ano vai na contramão da reivindicação. O governador quer que o repasse total para as três seja de no máximo 9,57% do ICMS, fixando, desta maneira, um valor de teto para um patamar que hoje é piso. A medida pode dificultar ainda mais a situação financeira das universidades estaduais.