A Seleção Brasileira da Copa do Mundo da Rússia aprendeu dos erros do time de 2014.
A avaliação é de Carlos Alberto Parreira, coordenador técnico da CBF há quatro anos. Ele compara a atual fase aos períodos entre 1966 e 1970 ou entre 1990 e 1994. Em todas essas épocas, um fracasso levou o time a se recuperar e, quatro anos depois, levantar a taça.
Com seis Mundiais disputados com cinco seleções diferentes, Parreira é também um dos 20 treinadores campeões do Mundo. O brasileiro é hoje o chefe do grupo técnico da Fifa, encarregado de avaliar a qualidade do futebol durante a Copa. Parreira atendeu o Estado e outros dois meios de comunicação para uma ampla conversa sobre o futebol.
Diante da eliminação da Alemanha, ele não deixou de ironizar quem fez questão de elogiar o time europeu depois do 7 a 1, em 2014. “No Brasil, ficava aquela história que o paradigma é a Alemanha. Ela tem que ser copiada. E agora? Vamos fazer o que? Nós vamos para a Alemanha ou eles vem para cá?”, questionou. Sobre Neymar, Parreira não deixou dúvidas: ele só precisa ser “preocupar em jogar futebol”.
Eis os principais trechos da entrevista:
Como o senhor avaliou a primeira fase da Copa do Mundo?
A Copa tem sido muito boa, assisti à primeira parte do Brasil. Gostei do nível técnico, do ambiente, dos jogos. A Copa me parece estar sendo muito bem organizada. Os estádios, os gramados, as novidades. É uma Copa diferente. Aqui, é o antes e o depois. A introdução do VAR, que veio para ficar. Havia muita discussão – é válido, não é válido. No final, será bom para o futebol a justiça, a transparência. No final, não tem quase nenhuma ingerência e quase nenhuma participação. Se precisar, está lá para colaborar. Uma coisa muito interessante. Pela primeira vez, uma equipe entrou (nas oitavas) pelo nível técnico dos cartões, o Japão. Isso nunca tinha ocorrido. Essa Copa já marcou por isso. Um marco, uma história.
Esse é o primeiro Mundial com VAR. Ajuda?
Ajuda, é novidade e vem para ficar. Polêmicas e dúvidas serão sanadas, com certeza. Será equalizador ao longo do tempo. Já agora, no final da Copa, tem muito menos problema. Veio para ajudar, veio definir. Vai dar transparência e acabou com aquele empurra-empurra dentro da área, que era algo horroroso. Hoje, os jogadores sabem que tem 34 câmeras olhando. O cara pode ver, marcar um pênalti. Melhorou a qualidade do futebol.
É um Mundial de surpresas?
Sim, de muitas surpresas. Boas surpresas e, sobretudo, de muita paixão. Notamos que, durante o jogo, há muita paixão. Gostei de uma entrevista do técnico da Bélgica. No final, ele foi perguntado sobre o jogo, e como estava perdendo, ele interrompeu e disse: “Meu amigo, o que você está pensando? O futebol é muito mais que números, táticas, substituições. Tem um componente que nada se compara, que é a paixão, coração, vontade. Nesse momento, eu estou sendo eliminado por um 2 a 0 contra o Japão e vou pensar em tática, estilo? É coração e vontade de ganhar. Foi isso que meu time fez”. O futebol tem isso também. Não se resolve apenas por números, táticas e esquemas. Há um componente que só o ser humano tem a capacidade de colocar.
Surpresa maior foi a eliminação da Alemanha?
Sem dúvida. Não é a primeira vez que isso ocorre com a atual campeã. Mas, sendo a Alemanha, que nunca tinha sido eliminada em uma fase de grupo, a coisa ganha uma outra dimensão. E fica a pergunta: e agora? No Brasil, ficava aquela história que o paradigma é a Alemanha. Ela tem que ser copiada. E agora, vamos fazer o que? Nós vamos para a Alemanha ou eles vem para cá?
Se esperava muito de Messi e Cristiano Ronaldo. Mas eles saíram.
Eles não serão julgados pelo que fizeram em Copa do Mundo. Eles serão julgados pelo que fizeram ao longo de 20 anos de futebol em alto nível. Não vai ser uma Copa que vai definir o título de Messi de um dos melhores do mundo. A Copa é diferente, a seleção é diferente. Ele joga há 20 anos no Barcelona. A seleção se junta por dois dias, não pode confundir nível de entrosamento, comprometimento. Isso demanda tempo.
O Brasil está nas quartas de final. Como o senhor avalia a atuação da seleção?
Vejo de um modo muito interessante, crescendo. Começou meio tímido, melhorou no último jogo contra o México. Já mostrou uma outra cara. O Brasil, das equipes que estão presentes, talvez ao lado da França, que não apresentou muita coisa na primeira fase, são as duas equipes que tendem a crescer. Têm um espaço de crescimento. As outras já deram o que tinham de dar. Isso, na hora final, é muito importante e ajuda muito o Brasil. Nós temos espaço para crescer. E estamos crescendo.
Como avalia o jogo contra a Bélgica?
O que ficou muito claro é que não há jogo fácil nessa Copa. Tem jogos de características diferentes e o jogo da Bélgica é muito bom do meio de campo para frente, um dos melhores da Copa. Mas, no meu ponto de vista, deixa muito a desejar do meio para trás. Se não mudarem, podem ter muita dificuldade com a equipe brasileira. Nós temos um ataque poderoso, decisivo, que tem quatro jogadores que podem decidir uma partida. Do meio para frente, tem a qualidade do futebol brasileiro. Então, vamos ver quem incomoda mais a quem. Mas tenho certeza de que, se não mudarem aquela maneira de jogar, eles vão sofrer muito.
Daquele time de 2014, qual legado que vem para essa Copa?
Sempre aprendemos nas derrotas. O ser humano, não só no futebol, quando tem um fracasso ou derrota, sabe extrair o que não deu certo e volta mais forte. Não por acaso, tem ocorrido isso. Em empresas, muita gente abre um negócio, um segundo, um terceiro, um quarto. Não dá certo, ele vem coletando e quando chega em determinado momento, está pronto para deslanchar. O Brasil, no futebol, tem sido um belíssimo exemplo disso, quando perdemos em 1966 e ganhamos em 1970, perdemos em 1990 e ganhamos em 1994, por termos aprendido as lições da Copa anterior. Muitas lições. Aprendemos de 1998 para 2002. E se perdeu em 2014, com certeza teve erros e aprendemos. Hoje, estamos no caminho certo para ganhar. Pode não acontecer, mas o time está preparado para ser campeão, dentro e fora de campo. Fez um trabalho belíssimo. Quando o trabalho fora de campo é bem feito, planejamento é muito bom, as coisas acontecem certinhas. O treinador passou uma filosofia, a ideia que foi comprada. Ele é um gestor e sentimos que o grupo está unido, está querendo. Se você olhar a delegação, dos 64 membros, só tem um campeão do mundo, que é o Taffarel. É muito pouca gente. O restante, no início, teve dificuldades, eles estavam assustados. Mas percebemos que estão confiantes. No futebol, temos de estar preparados para as surpresas que ocorrem a cada jogo.
E o Neymar?
Crescendo na hora certa. Era esperado. Vocês da imprensa são muito afobados. Ele ficou três meses e meio sem jogar. Fez dois ou três amistosos, três jogos de fase de grupo. A tendência é crescer.
E as polêmicas sobre seu comportamento?
Neymar tem que fazer o que ele fez no último jogo: se preocupar em apenas jogar futebol. É a grande resposta dele. Quando ele faz isso, fica insuperável. Ele, hoje, sem dúvida nenhuma, com a saída de Messi e Cristiano, é o grande jogador da Copa. Tem tudo para terminar como o grande nome.
Como o senhor vê a partida França x Uruguai?
É quase uma final antecipada. Brasil, ganhando da Bélgica, jogando contra um dos dois, eu diria que é a grande final antecipada. Respeitando todos do outro lado da chave. Quem chegar à final, vai oferecer resistência, sem dúvida. Mas a grande final seria Brasil x França ou Brasil x Uruguai. Claro, passando pela Bélgica.
Sobre a campanha da Rússia e o jogo contra a Croácia. É uma surpresa?
Surpreende. Chegou muito mais pela vontade, coração e amor, por ser time da casa, do que por qualidade técnica.
A Suécia também é surpresa?
Sim, mas não tanto assim. O time que elimina Holanda (na fase de grupos das Eliminatórias), Itália (na repescagem das Eliminatórias) e Alemanha (na fase de grupos da Copa) já não é tanta surpresa assim.
E poderia eliminar a Inglaterra também?
Poderia. Pode acontecer.