O secretário da Saúde de São Paulo, Jean Gorinchteyn, afirmou que o estado não vive uma epidemia de gripe e descartou a realização de uma campanha de bloqueio vacinal para conter a doença. As declarações foram feitas em entrevista exclusiva ao g1 nesta sexta-feira (17)
“Os dados que temos não dão robustez para dizer que vivemos um momento pandêmico ou epidêmico, ou um surto [de gripe], e nem a necessidade neste momento de fazermos a vacinação”, declarou o secretário.
Até o início de dezembro, somente 55,5% do público alvo da campanha de vacinação contra a gripe havia se vacinado no estado. A meta do governo era 90%.
Apesar da baixa cobertura, segundo Gorinchteyn, os dados estaduais ainda não demonstram a ocorrência de um surto da doença e, por conta disso, não seria necessário, no momento, aplicar doses de reforço da vacina da gripe na população mais vulnerável.
“O que nós vimos, através de laboratórios de rede privada, é o incremento de casos em alguns hospitais, em pacientes inclusive com sintomas leves. Isso acaba não consagrando a necessidade maior, nesse momento, da realização de um bloqueio vacinal”, afirmou.
A vacinação de bloqueio é feita com o objetivo de imunizar toda uma comunidade em caso de surto de uma doença contagiosa. No caso da gripe, um eventual bloqueio vacinal poderia ser feito antes da campanha de vacinação de 2022, que deve utilizar um imunizante atualizado para o combate às novas cepas do vírus.
Hospitais públicos e privados da capital registraram aumento no fluxo de pessoas com sintomas gripais nas últimas semanas, o que provocou filas por atendimento. Em prontos-socorros municipais, pacientes afirmam que a espera pode chegar a 6 horas. Além dos vírus Influenza A e B, que causam a gripe, a circulação de outros vírus também pode estar por trás do crescimento repentino de um “conjunto de doenças respiratórias”, segundo os médicos.
Uso de máscaras
Em entrevista ao g1, o secretário estadual também atribuiu o aumento da circulação dos vírus respiratórios, não só o da gripe, ao relaxamento no uso da máscara de proteção.
“Temos uma situação nesse momento de circulação de vírus respiratórios. Não só H1N1 ou H3N2, mas outras formas de vírus, de resfriado comum, o adenovírus. […] Passa a circular mais, especialmente pelo fato de as pessoas tirarem as máscaras. As pessoas estão se sentindo muito confortáveis com as doses da vacina, o que faz com que se aglomerem sem máscara nas festividades de fim de ano”, disse Gorinchteyn.
Dados oficiais do Infogripe, sistema que monitora casos graves de doenças respiratórias em todo o Brasil, ainda não apontaram aumento de casos de gripe no estado de São Paulo.
O coordenador do Infogripe, Marcelo Gomes, alerta que isso pode ocorrer por conta do atraso de análises laboratoriais, que determinam qual o vírus por trás de cada caso, e também devido aos ataques de hackers que afetaram os sistemas do Ministério da Saúde nos últimos dias.
Para o pesquisador, o efeito nesses dados deve ocorrer em breve, porque há um grande fluxo de pessoas entre as capitais do Sudeste, além da baixa cobertura da vacina da gripe na região.
Conjunto de vírus
O secretário declarou ainda que os dados preliminares de doenças respiratórias no estado não indicam que o vírus H3N2 Darwin, que seria resistente à vacina da gripe usada em 2021, seja prevalente no estado.
Gorinchteyn destacou ainda que a secretaria estadual está fazendo um monitoramento “artesanal” dos dados diante da falta de atualização do sistema SIVEP Gripe, o mesmo que é utilizado pelo sistema Infogripe.
“Nós estamos monitorando de forma bastante atenta e de forma quase artesanal. Pegando os dados dos entes privados, dos hospitais públicos e também dos nossos laboratórios sentinelas, já que a instabilidade no SIVEP Gripe não permite enxergamos isso de uma forma muito clara. Apenas em duas amostras vieram como H3N2 Darwin, e o restante H1N1″, disse o secretário.
Gorinchteyn também afirmou acreditar que a vacina da gripe que foi utilizada na campanha deste ano deve apresentar alguma proteção contra a cepa Darwin. O Instituto Butantan ainda não apresentou estudo formal nesse sentido.
“Em conversa com o Instituto Butantan, eles acreditam que haja, sim, uma resposta cruzada da vacina que temos, que tem o H3N2 Hong Kong, com a cepa Darwin. Então, teoricamente, aquelas pessoas que receberam a dose do imunizante estariam protegidas e desenvolvem apenas formas mais leves”, declarou.
O aumento no fluxo de pacientes com sintomas respiratórios, provocados por um conjunto de vírus, já foi verificado em hospitais da capital paulista.
“Nós estamos tendo um aumento no número de casos de doenças causadas por vários tipos de vírus diferentes, e também por algumas bactérias. É esse conjunto de doenças que está aumentando nessa época do ano”, disse o superintendente médico do Hospital Municipal Infantil Menino Jesus, Antônio Carlos Madeira.
O pronto-socorro da unidade infantil, localizada na Bela Vista, região central, teve um aumento de 175% nos atendimentos por doenças respiratórias em dezembro deste ano. Foram 1.383 atendimentos neste mês, contra 502 atendimentos em dezembro do ano passado.
A situação se repete em unidades particulares, como o Hospital Beneficência Portuguesa, no Centro da capital. Em geral, 10% dos atendimentos no local são de pessoas com queixas de quadros respiratórios. Na última semana, o número subiu pra 16%. Para o infectologista chefe do hospital, João Prats, a situação tem relação com a circulação de um conjunto de vírus e bactérias.
“Nós vimos um aumento no número de atendimentos pra síndrome respiratória aguda grave. Isso é aquela síndrome que envolve vários vírus, alguns quadros bacterianos”, disse Prats.
Em nota, o Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo (SindHosp) confirmou que verificou um fluxo maior de pacientes com sintomas de gripe nos hospitais nas últimas semanas.
Filas em hospitais
Na rede pública, o aumento no fluxo de pacientes com sintomas respiratórios já provocou um crescimento no tempo de espera para atendimento. Na noite de terça (14), moradores de Cidade Tiradentes, na Zona Leste da capital, tiveram que esperar até 6 horas para ver um médico no Pronto Atendimento Gloria, de acordo com líderes comunitários da região.
Segundo a prefeitura, o Pronto Atendimento Municipal (PA) Glória Rodrigues dos Santos Bonfim registrou uma demanda atípica na terça-feira (14), com 1 mil atendimentos em um dia, quando o normal é cerca de 400.
Em Paraisópolis, na Zona Sul, o cenário ocorre desde a última quinta (9). Segundo Gilson Rodrigues, líder comunitário e presidente do G10Favelas, as Unidades Básicas de Saúde (UBSs) locais têm atendido uma média de 600 pessoas por dia, levando a uma espera de até duas horas por atendimento.
Na Rede São Camilo, que atendia, em média, 210 pacientes respiratórios por dia, o número saltou para uma média de 335 pacientes diários em dezembro, ou seja, um aumento de 59% em relação a novembro.
O Hospital Santa Catarina, na Bela Vista, região central, também registrou um aumento repentino nos casos de pacientes com sintomas de gripe desde o início de dezembro.
“Em relação aos casos confirmados, o HSC evoluiu de novembro para dezembro, em média, de 0 para 5 casos positivos, sendo que, a partir de 9 de dezembro, a mediana subiu para 17,5 casos diários”, destacou.
No Hospital Albert Einstein, localizado no Morumbi, Zona Oeste da capital, houve um aumento expressivo nos casos positivos para o vírus Influenza A.
Na primeira quinzena de novembro, o local não teve nenhum caso confirmado deste vírus. Mas, na segunda metade do mês, o número pulou para 63 casos e, nos primeiros 15 dias de dezembro, foram 1.472 casos de Influenza A no hospital.
O aumento também ocorreu para o vírus Influenza B, que também provoca gripe. Foram 2 casos na primeira quinzena de novembro, 8 casos na segunda, e 70 na primeira metade de dezembro.