Se a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovar o uso emergencial da Coronavac, o governo de São Paulo fará a primeira inoculação de uma pessoa com a vacina contra a Covid-19 no Brasil já na tarde deste domingo (17).
A fotografia do evento culminará a aposta feita pelo governador João Doria (PSDB-SP) na vacina de origem chinesa, adotada para desenvolvimento conjunto e produção local pelo Instituto Butantan no meio do ano passado.
Doria estará presente à inoculação, se a Anvisa conceder a chancela, no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Ele acompanha a discussão online da diretoria da agência com uma série de médicos e especialistas de diversos estados. Ao fim da reunião, previsto para as 15h, ele fará um pronunciamento e depois haverá a vacinação, de cunho obviamente simbólico, salvo alguma mudança de última hora.
Se ocorrer mesmo, o Brasil se torna o quarto país a iniciar o uso emergencial do fármaco, depois de China, Indonésia e Turquia.
A Secretaria da Saúde paulista diz estar pronta para começar a campanha já na segunda. A Coronavac tem uma eficácia de 50,38% para casos considerados muito leves da Covid-19, 78% para leves e, embora isso ainda precise de confirmação, aparentes 100% para moderados e graves.
A identidade da primeira pessoa brasileira a receber a Coronavac é uma incógnita, mas o governo estadual trabalhou com algumas opções nos últimos dias.
Entre funcionários do HC com conhecimento da discussão, a especulação é de que seria alguém do próprio hospital. Trabalhadores da saúde receberão primeiramente a vacina segundo tanto o plano estadual quanto o federal de imunização.
Toda a operação foi conduzida com o máximo de discrição. Em guerra aberta com o governo de Jair Bolsonaro, a gestão Doria teme que possa haver interferências de última hora na decisão da Anvisa.
Nas últimas semanas, apesar de manter frases colocando em dúvida o conceito e a eficácia das vacinas, o presidente se deu conta de que a fotografia de um início mesmo simbólico da imunização teria grande valor político.
Com isso, liberou o Ministério da Saúde para comprar as 46 milhões de doses da Coronavac que Doria adquiriu da Sinovac, criadora chinesa do imunizante. Mas buscou acelerar a chegada ao Brasil do fármaco da AstraZeneca/Universidade de Oxford, que havia escolhido para fabricação nacional na Fiocruz.
O problema é que, atrapalhados com a demanda europeia e atrasos de certificação, os britânicos só tinham para pronta entrega vacinas fabricadas em parceria com o laboratório indiano Serum.
O resultado foi a trapalhada da semana passada, quando o governo federal anunciou que um avião da companhia Azul faria o recolhimento de 2 milhões de doses, que chegariam no sábado (16) ao país.
Esqueceram de combinar com os indianos, envolvidos com o começo de sua campanha de imunização. O avião, adesivado pelo Ministério da Saúde, teve de ficar no solo e apenas talvez voe para a Índia nesta semana.
Assim, Bolsonaro cancelou o evento em que faria uma imunização simbólica no Palácio do Planalto, visando tomar para si o crédito do começo da vacinação —apesar do seu contínuo negacionismo acerca de todos os aspectos sanitários da Covid-19.
Derrotado na corrida, já que fazer uma fotografia com o que chamava “a vacina chinesa do Doria” não parecia boa opção, restou ao presidente tentar negar a primazia ao rival. Isso foi tentado desde sexta (15), com a Saúde requisitando sem sucesso todas as 6 milhões de doses da Coronavac existente no país.
A expectativa no governo paulista, antes do início da reunião da Anvisa, era de que o imunizante fosse aprovado. Mas a desconfiança persistia, dado que a agência fez diversos pedidos de reenvio de documentação considerados desnecessários por técnicos paulistas.
Seja como for, está pronta também uma campanha publicitária de R$ 9 milhões, a ser veiculada já neste domingo em horário nobre no estado de São Paulo, para incentivar as pessoas a se imunizarem e a confiarem na Coronavac.
Ela irá promover a vacina, enaltecer o Butantan e tentar dar o caráter nacional do produto, sem perder de vista sua origem paulista. O mote “É do Butantan, é de São Paulo, é do Brasil”, já utilizado parcialmente em peça publicitária no ano passado, será enfatizado.
O pacote visa vencer resistências à vacinação e também garantir seu certificado de origem. Aqui o componente político é óbvio: Doria, que quer ser candidato a presidente no ano que vem, é visto em pesquisas qualitativas como “muito paulista”.
Em entrevista recente à Folha, ele mesmo admitiu que a vacina poderia ajudar a nacionalizar seu nome.
A Coronavac já vinha sendo propagandeada por Doria como “a vacina do Brasil”, inclusive em faixas colocadas nos contêineres que chegaram com doses da China.
Isso irritou o Planalto, que fez a Saúde adotar o lema “Somos todos uma só nação” para sua campanha de imunização, visando isolar a iniciativa do tucano.