Conhecida mundialmente por suas matrioskas, vodca e o caviar, a Rússia tem investido pesadamente na criação de outra marca registrada, sobretudo, entre os países em desenvolvimento: tecnologia nuclear.
O país sediou o maior congresso de energia nuclear do mundo, que reuniu milhares de participantes de 50 países em Moscou na primeira semana de junho. O evento foi patrocinado pela estatal russa de energia nuclear Rosatom, que convidou dezenas de jornalistas internacionais, inclusive da Agência Brasil, para o evento.
A viagem incluiu visita à usina nuclear de geração 3+, na cidade de Novovoronezh, considerada a mais moderna do mundo. A mesma que os russos tentam vender para o Brasil, desde que o governo da presidente afastada Dilma Rousseff anunciou a meta de construção de pelo menos quatro usinas nucleares até 2030.
Durante o congresso, o número dois da Rosatom, Kirill Komarov, afirmou que a crise econômica e política que o Brasil enfrenta não mudou os planos da estatal russa de aumentar parcerias com o país.
“Energia nuclear deve estar além das questões políticas, pois a necessidade brasileira de usinas nucleares é enorme. E, apesar da situação atual, continuamos a avançar (nas negociações)”, declarou o vice-diretor geral da Rosatom. “Há um mês, recebemos o convite da Eletronuclear para visitar alguns locais e fazer consultoria, ver quais são os locais mais apropriados para construções de usinas. Estamos muito otimistas com o programa nuclear brasileiro e ficaremos felizes em participar dele”, acrescentou.
O chefe da Assessoria para Desenvolvimento de Novas Centrais Nucleares da Eletronuclear, ligada ao Ministério de Minas e Energia, Marcelo Gomes, afirmou que as conversas com as diferentes empresas ainda são iniciais, mas que a Rússia tem se mostrado parceiro mais do que habilitado, experiente e proativo.
“As usinas de geração 3 incorporam inovações no projeto que as tornam ainda mais seguras. São projetos muito interessantes para serem adotados no Brasil. Os russos são relativamente novos no Brasil nessa área. Em função desse projeto de novas usinas, estamos nos conhecendo, eles têm sido sempre muito cooperativos e isso pode render bons frutos”, declarou Gomes.
Mudança nas leis brasileiras
Pela Constituição, compete à União explorar instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio sobre materiais nucleares. Para o representante da Eletronuclear, a possibilidade de construção e operação de usinas nucleares por empresas privadas pode tornar-se realidade com o novo governo interino.
“Acho que com esse governo novo, pelo discurso do novo ministro [Minas e Energia], existe essa percepção de que o agente privado pode vir a contribuir nesse processo. Os sinais que temos recebido e a lógica da necessidade do setor elétrico apontam para uma continuidade desses projetos e até que sejam intensificados”, disse Gomes. “A Eletronuclear acredita que isso seja possível dentro do quadro atual, contanto que se crie algumas leis complementares à legislação atual.”
Angra 3
Gomes também mencionou com otimismo as negociações com a Rosatom para a conclusão de Angra 3, projeto da Eletronuclear no Rio de janeiro, cujos trabalhos de construção estão paradas por causa de irregularidades na obra.
Um dos participantes da AtomExplo 2016, o presidente da Associação Brasileira para Desenvolvimento de Atividades Nucleares (Abdan), Antonio Muller, acredita que uma alternativa emergencial para terminar Angra 3 seria a Eletronuclear pagar a Rosatom com megawatts-horas pela finalização da usina para serem comercializados no mercado livre.
“Angra 3 está na beira da água. O envoltório metálico está parado no meio, se demorar haverá corrosão, o que é complicado. A obra da turbina já está praticamente pronta. É necessária uma solução rápida”, adverte Muller.
O presidente da Abdan também acredita que o momento atual brasileiro é propício para mudanças na legislação. “Momentos de crise geram oportunidades. Acredito que é preciso quebrar o monopólio, nenhuma empresa vai querer ser sócia de um empreendimento desse porte se a Eletronuclear continuar a ser majoritária. Precisamos decidir logo, pois daqui a pouco vai faltar energia de base e vão ter que optar pela solução mais agressiva”, comenta.
Líder de mercado
A Rússia tem 34 usinas nucleares sendo construídas em todo mundo, o que a torna líder nesse mercado. O portfólio de 2015 para os próximos dez anos de passava dos US$ 110 bilhões, quase US$ 9 bilhões a mais que no ano anterior. A meta para este ano é US$ 136 bilhões. Os lucros com contratos no exterior da empresa aumentaram de US$ 5,2 bilhões em 2014 para US$ 6,3 bilhões em 2015.
Os concorrentes da Rússia nesse setor são de peso, como Estados Unidos, China, Coreia e França. Especialista em política energética russa, do Centro de Estudos Russos do Instituto de Assuntos Internacionais da Noruega, Jakub Godzimirski ressaltou que a região latino-americana carece de know-how em tecnologia nuclear, o que a torna atraente econômica e politicamente para a Rússia nesse setor. Ele acrescentou que Moscou tenta, por meio de acordos bilaterais, mudar sua imagem no ocidente causada por crises como a que ocorre na Ucrânia.
“A motivação é sempre uma combinação de fatores econômicos e políticos. Historicamente, a Rússia compete com os Estados Unidos pela influência política nesta parte do mundo e uma forma de se alcançar isso também é aumentar sua influência econômica. Investir em energia nuclear também significa poder exportar óleo e gás a preços competitivos para outros países e aumentar o superávit. Trata-se de maximizar os lucros e sua presença como grande potência”, diz o especialista.
A manutenção desse tipo de tecnologia, segundo Godzimirski, também é vital para a Rússia produzir mais energia limpa e garantir a segurança dos armamentos nucleares e desenvolvimento de novas tecnologias.