É incrível os recursos disponíveis na literatura e no cinema para se alcançar a expressão e se construir sentidos, independente da tipologia textual. A poesia é encontrada no conteúdo, na mensagem, enquanto que o poema é a própria estrutura, sendo assim, qualquer texto pode haver poesia, até mesmo uma fotografia de um por de sol.
Na música, no romance e no poema é possível recorrer à própria linguagem. Nesses versos de Chico Buarque: “Éramos nós / Estreitos nós / Enquanto tu / És laço frouxo” a expressividade ocorre pela ambiguidade do pronome nós – 1ª pessoa do plural. Ele tanto indica o relacionamento a dois, o coletivo, quanto a paixão, a força do nó. A ambiguidade se faz mais intensa nos versos à frente com o pronome de 2ª pessoa do singular tu, retomando nós – relacionamento. E a expressão laço frouxo reforça a idéia de nós desatados, de rompimento.
No Romance Madame Bovary, o enredo é em torno do adultério e da fraqueza de Emma diante dos vários amantes que teve durante a vida e que a levaram ao suicídio. Na passagem: “Ele abandonou-a até o último fragmento de reserva e consideração. Ele a transformou em algo submisso, algo depravado”, não há nada explícito ou obsceno, no entanto, a advertência é sobre o quanto ela foi usada e desrespeitada. Revelando muito acerca de sua angústia, e, mesmo sendo consumida ela tentou ser feliz até o fim.
No cinema, na televisão e no teatro, as cenas, a fotografia, são lapidadas até alcançarem a expressão máxima. É claro que nesse segundo grupo de documentos literários a linguagem é importante, mas a expressão facial e corporal, a entonação da voz e os movimentos de câmera fazem atingir a dramaticidade suprema.
Em “Orgulho e Preconceito”, filme baseado na obra de Jane Austen, a cena em que Jane é abandonada não há falas. A câmera é o próprio narrador. A princípio, exibe-se a personagem sentada – o que indica fraqueza, diminuição. A câmera dá um close em suas mãos, com isso vê-se uma carta – o que há indício de notícias, mudanças. Em outro núcleo narrativo, apresenta-se uma carruagem partindo, semblantes melancólicos, a estrada, a casa sendo fechada. Em tal contexto, os recortes visuais, são muito mais poéticos do que a verbalização, além de haver o recurso da sonoplastia.
No filme “As horas”, a poeticidade atinge o grau máximo na cena em que a personagem Laura, uma dona de casa, decide se suicidar. Influenciada pelo livro que está lendo, “A Sra. Dalloway”, de Virginia Woolf, escritora inglesa, que também se suicida em um rio perto de sua casa. A cena é totalmente psicológica, mergulhada em seus devaneios, mesmo estando em quarto de hotel, os elementos do cenário da morte de Virginia estão presentes nesta ambientação. Os sapatos, a água, as algas, e a barriga de sua gravidez, o que para a personagem é um peso, resumido como a pedra que Virginia põe no bolso do casaco para poder afundar. A analogia e a construção são muito bonitas. Ninguém morre desta maneira tão bela em um quarto de hotel.
É claro que para poder fazer essas leituras, essas inferências é preciso ter repertório, ou então as obras, as cenas só vão ser “bonitinhas” ou “impressionantes”, mas vazia na construção de significados expressivos. No entanto, de uma maneira geral, as pessoas conseguem captar a mensagem. O poeta tem a sensibilidade de traduzir em palavras e imagens aquilo que a maioria não consegue, no entanto, sente. Sendo assim, a arte não é algo fútil à vista de muitos. Pelo contrário, ela tem uma intenção e, é capaz de tornar a vida mais agradável e mais suportável àqueles que sabem apreciar uma boa criação.