terça, 19 de novembro de 2024
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Resultados do Pisa reforçam gargalo no ensino de matemática no Brasil

Apesar de ruim, o desempenho do Brasil no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) de 2022 foi melhor do que o esperado, segundo especialistas entrevistados pela Agência Brasil. Os…

Apesar de ruim, o desempenho do Brasil no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) de 2022 foi melhor do que o esperado, segundo especialistas entrevistados pela Agência Brasil. Os resultados da avaliação reforçam ainda o grande gargalo na aprendizagem, principalmente de matemática, no país.

Divulgados nesta terça-feira (5) pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os resultados do Pisa mostraram queda sem precedentes do desempenho dos estudantes em matemática e em leitura em 2022, na comparação com a última avaliação, em 2018. De acordo com o levantamento, a pandemia de covid-19 causou impacto na educação dos jovens nesse período – com fechamento de escolas e adoção de aulas online –, porém não pode ser apontada como única causa para o desempenho inferior dos alunos.

No Brasil, mesmo sendo um dos países onde as escolas ficaram fechadas por mais tempo durante a pandemia, a pontuação em matemática, leitura e ciências manteve-se estável entre 2018 e 2022. No entanto, menos de 50% dos alunos conseguiram nível mínimo de aprendizado em matemática e ciências.

Aplicado a cada três anos, o Pisa avalia os conhecimentos dos estudantes de 15 anos de idade em matemática, ciências e leitura. No total, 690 mil estudantes de 81 países fizeram os testes. No Brasil, 10.798 alunos de 599 escolas passaram pela avaliação. Na edição de 2022, o foco foi em matemática.

Segundo o diretor fundador do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), Ernesto Faria, apesar de ruins, os resultados brasileiros foram melhores do que o esperado. “O Brasil poderia ter perdido [níveis de aprendizagem], poderia ter caído de forma relevante em matemática, em ciências, e não caiu. Isso é positivo. Acho em esforços que ali funcionaram”, diz. De acordo com Faria, o país conseguiu garantir que os alunos desenvolvessem certas habilidades. “Habilidades que são muito básicas, longe de a gente ficar feliz com isso, mas isso é importante.”

Faria explica que os resultados do Pisa ainda precisarão ser cuidadosamente analisados. Para ele, um dos motivos de o Brasil ter se mantido estável na aprendizagem em níveis baixos, enquanto, em média, os demais países da OCDE, que estavam em níveis mais elevados de aprendizagem, terem caído é o fato de os conteúdos mais básicos serem aprendidos em séries mais iniciais do ensino fundamental. Os alunos que fizeram o Pisa em 2022 já tinham tido acesso a esse conteúdo antes da pandemia, que começou em 2020. Dessa forma, a pandemia não teria impactado tanto a aprendizagem, pois o conteúdo já estava consolidado.

Já os países que estavam nos níveis mais altos de aprendizagem demandariam também que os alunos tivessem aprendido conteúdos mais avançados para se manter no patamar. Esses conteúdos são ensinados nos anos equivalentes aos finais do ensino fundamental e início do ensino médio, que foram cursados pelos estudantes que fizeram o Pisa no período da pandemia.

O diretor do Iede não descarta, no entanto, que políticas brasileiras de volta às aulas e de retomada de aprendizagem tenham impactado nos resultados e feito com que o país se mantivesse no patamar anterior, ainda que baixo, da avaliação internacional.

Faria ressalta também que o Pisa de 2022, especialmente no Brasil, foi mais inclusivo. Por conta de uma recomendação do Conselho Nacional de Educação (CNE) durante a pandemia, os alunos acabaram sendo aprovados nos anos que estavam cursando, mesmo que, muitas vezes, sequer terem tido aula. “Mais alunos vulneráveis no Brasil fizeram o Pisa em 2022. Antes, alguns deles foram reprovados [e com isso não chegaram à série mínima para fazer o Pisa]. Então, mesmo com perfil um pouco mais vulnerável, o Brasil não cair, também é uma notícia positiva. De novo, não se pode comemorar um patamar extremamente baixo, mas o Brasil, diante de alguns contextos desfavoráveis, manteve o patamar e eu acho que indica algumas coisas boas”.

Em 2022, o Brasil alcançou 379 pontos em matemática, 410 em leitura e 403 em ciências. Já em 2018, ano anterior avaliado, o desempenho foi 384 pontos em matemática, 413 em leitura e 404 em ciências.

Matemática
A ênfase do Pisa 2022 foi em matemática e, mais uma vez, a área de conhecimento mostrou-se como o maior gargalo brasileiro. “O Pisa traz dados bastante preocupantes que apontam mais uma vez para a urgência, a eterna urgência de melhorar o quadro de matemática”, diz o diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), Marcelo Viana.

De acordo com o relatório, 27% dos alunos brasileiros alcançaram o nível 2 de proficiência em matemática, considerado o patamar mínimo de aprendizado, enquanto a média dos países da OCDE na disciplina é 69%. Apenas 1% dos estudantes no país conseguiram os níveis 5 ou 6, considerados os mais altos, quando os alunos resolvem problemas complexos, comparam e avaliam estratégias. A média da OCDE é 9%.

Quanto às notas, Viana destaca que o Brasil está cerca de três anos atrasado em matemática em relação à média dos países da OCDE. “O nível 2 do Pisa é considerado o nível adequado, necessário para o exercício da cidadania, que caracteriza que a pessoa tem capacidade de usar conceitos de matemática no dia a dia”, explica. No caso do Brasil, 27% atingiram esse patamar. “Cerca de três quartos dos estudantes não alcançaram sequer o nível adequado”, diz.

Para Viana, uma das grandes fragilidades brasileiras no ensino de matemática é falta de valorização dos professores. “O grande calcanhar de Aquiles é a formação e a valorização do professor”, diz. Ele define o conhecimento de matemática como encadeado e abstrato, ou seja, para aprender um conteúdo novo, o estudante precisa estar seguro no conteúdo anterior. Se perder muitas aulas, vai se perder também no conteúdo. Além disso, é muitas vezes um conteúdo desafiador para se trazer para uma realidade concreta, o que exige constante formação e aprimoramento dos professores, o que nem sempre ocorre.

Outro desafio é a crença de que matemática é algo difícil. “Matemática não é para gênios”, enfatiza. “Nos dias de hoje, no século 21, não basta existir, é indispensável estar bem alfabetizado e ter um certo conforto e certo domínio de conceitos matemáticos básicos”, afirma Viana.

Investimento em educação
Para o professor e pesquisador na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) Daniel Cara, o cenário pode ser revertido se houver interesse político e investimento adequado em educação. “Um aspecto interessantíssimo do nosso país é que ele tem uma das respostas mais rápidas a políticas públicas, o Brasil é muito dinâmicos”, diz Daniel Cara. Segundo o pesquisador, caso o país tivesse cumprido as metas que foram estabelecidas no Plano Nacional de Educação (PNE), Lei 13.005/2014, o Brasil teria alcançado patamares próximos aos de países ricos no Pisa.

O PNE estabelece metas que vão da educação infantil à pós-graduação, passando pelo aumento do investimento em educação e pela valorização dos professores. As metas devem ser cumpridas até 2024, mas os levantamentos periódicos feitos pelo Ministério da Educação, mostram que o país ainda está distante de cumprir a lei integralmente, acrescenta o professor.

“Se de fato houvesse o investimento adequado em educação, estruturando melhor as escolas, se de fato tivéssemos o profissional da educação tanto com uma remuneração adequada quanto com processo contínuo de formação continuada, e esse aspecto é fundamental, certamente os resultados seriam rapidamente verificados. A gente subiria de degrau, em um primeiro momento, em um ciclo de 4, 5 anos. Se for mantido por 10 anos, a gente consegue chegar a um patamar próximo ao de países da União Europeia, por exemplo”, diz Cara.

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