Contratado pelo Corinthians em 2024, Raniele estreou neste domingo, na vitória contra o Guarani, na Neo Química Arena, pela primeira rodada do Campeonato Paulista. Antes de virar jogador profissional em uma das maiores equipes do Brasil, o volante conheceu um lado muito menos glamouroso do futebol.
Durante a adolescência, trabalhou em uma lan house e jogou em times de várzea na Bahia. Após ser dispensado em testes nas categorias de base do Bahia e do Vitória, foi levado para fazer uma peneira no modesto Fernandópolis-SP, onde foi aprovado nos testes, mas não tinha condições de se sustentar.
O baiano, que não recebia salários do clube do interior paulista, chegou a morar debaixo das arquibancadas do estádio e sofreu muitas vezes com a falta de comida durante as refeições. Por isso, precisava driblar a fome para conseguir treinar. A situação lhe colocou em um dilema: aguentar o perrengue ou contar para os pais, que dariam um jeito de trazê-lo de volta para casa, apesar dos problemas financeiros.
“Ele disse que, durante os jogos do time profissional, o teto do alojamento tremia”, contou Rubens, pai do jogador, ao ESPN.com.br. “Essa questão da alimentação não era boa mesmo, mas ele teve resiliência para passar por isso. Era um frio de seis graus e não tinha cobertores suficientes para todos”.
Para não desistir do sonho, Raniele manteve o silêncio e acabou recompensado. Destaque no Campeonato Paulista sub-20 da 2ª divisão, foi contratado pela Ferroviária.
No entanto, foi dispensado algum tempo depois pela equipe de Araraquara, que havia terminado com o time de juniores. Desiludido com o futebol, prestou Enem em 2014 e foi aprovado para o curso de matemática em uma faculdade de Amargosa, na Bahia, mas não quis seguir os passos do pai, que era professor. Optou por um curso técnico de redes de computação.
“Rani ficou uns oito meses e terminou o primeiro módulo. Ele chegou a estagiar montando e desmontando as redes de farmácias, quando foi chamado de novo pela Ferroviária. Ele quis voltar, mas a mãe dele não queria porque tinha medo. Nós tivemos uma conversa e eu parcelei no cartão a passagem para Araraquara”, disse Rubens.
O jovem voltou à Ferroviária em um período de testes por três meses. Se não desse certo, perderia até o curso, mas resolveu encarar como se fosse a grande chance da vida…
De zagueiro ao Corinthians
Em pouco tempo na Ferroviária o jovem se destacou, virou capitão do time sub-20 e foi promovido pelo técnico Antônio Picoli ao elenco profissional na Copa Paulista de 2016.
“Precisava de um zagueiro e vi que o Raniele tinha o perfil necessário para isso, apesar de ser um volante. Ele tem muita capacidade de construir o jogo com um bom passe e uma condução de bola vindo de trás. Ele chega muito fácil na área adversária e faz gols”, disse o treinador ao ESPN.com.br.
A maturidade do atleta impressionou o técnico. “Tinha uma mentalidade muito estruturada e um entendimento que chamava demais a nossa atenção. Ele controlava bem as oscilações durante o jogo. Se acontecia algum erro, agia com naturalidade”, disse Picoli.
Ao longo da carreira, Raniele voltou a jogar como volante. Pela Ferroviária, disputou três finais de Copa Paulistas seguidas, a Série D do Brasileiro, a Copa do Brasil e o Paulistão. Além disso, foi emprestado para Taubaté, Penapolense e Portuguesa.
Contratado pela Jacuipense-BA, o volante jogou depois por Botafogo-SP, Bahia e Avaí até chegar ao Cuiabá, no qual se destacou em 2023. Aos 27 anos, terá o maior desafio da carreira no Parque São Jorge.
“Vi de perto a evolução dele ao longo dos anos. Me impressionou porque ele trabalhou muito e teve um ascensão muito segura. Ele tem o perfil de jogador do Corinthians porque o torcedor gosta de entrega, e ele tem isso. O Raniele ainda tem qualidade de jogo e tem a alma corintiana, luta até o final do jogo. Caiu no ambiente perfeito”, garantiu Picoli.