Há cerca de um ano, durante uma reunião com executivos da Netflix, Rafinha Bastos disse que gostaria de gravar um especial em inglês, para a plataforma distribuir no mundo inteiro. Como resposta, ouviu que primeiro deveria ir para os Estados Unidos, fazer shows por lá, sentir o mercado.
Rafinha seguiu o conselho. Desde março deste ano, vem passando a maior parte de seu tempo em Los Angeles, onde se apresenta em clubes de comédia e faz testes para filmes e séries. Volta ao Brasil de dois em dois meses, para passar dez dias com o filho de sete anos, que ficou em São Paulo com a mãe.
“Eu já tinha convites para ir para os EUA desde 2011, quando saiu uma reportagem sobre mim no “New York Times”. Na época eu não quis ir: estava no auge do “CQC” (o programa da Band em que era um dos apresentadores) e meu filho tinha acabado de nascer. Agora eu achei que estava na hora”, conta ele.
E o fato de ser um dos comediantes mais famosos do Brasil, ajudou? “De leve. Os donos dos clubes ficam impressionados quando eu mostro que tenho 11 milhões e meio de seguidores no Twitter. Pedem para eu divulgar o show nas minhas redes sociais. Mas americanos é implacável: se o show for mal, já era.”
Hoje Rafinha faz números de “stand-up comedy” quase toda noite, em um número crescente de clubes. Sempre em inglês, e com piadas escritas especialmente para o público de lá.
“Não dá para usar o mesmo material que eu uso no Brasil. As referências deles são outras… E eles riem do meu sotaque. Descobri que tem coisas que eu nem achava que eram engraçadas, mas que viram piadas pelo jeito que eu digo”.
Se o sotaque dá um certo charme no palco, atrapalha um pouco nas audições. Rafinha tem um tipo físico que não corresponde ao estereótipo que os americanos têm dos latinos: passa por judeu novaiorquino, italiano ou mesmo russo. Mas, quando abre a boca, percebem que é brasileiro. E isto apesar de falar inglês muito bem, polido pela temporada de um ano que passou no estado de Nebraska, em 2001, jogando basquete profissional.
Rafinha Bastos está no Brasil para lançar seu especial “Ultimato”, disponível na Netflix a partir desta sexta (21). O serviço anuncia que, ao longo do show, ele fala de seu novo amor -uma ex-PM que mora em São Paulo- e também da “piada que quase destruiu sua
carreira”.Para quem não sabe: em 2011, na bancada do “CQC”, Rafinha soltou que “comeria ela e o bebê”, referindo-se à cantora Wanessa Camargo, então grávida. Era para ser um elogio, e na hora passou despercebido. Nos dias que se seguiram, no entanto, a repercussão foi ensurdecedora. Rafinha foi processado pelo marido de Wanessa, o empresário Marcos Buaiz. Perdeu em primeira instância, recorreu, perdeu de novo – e acabou pagando mais do que o pedido inicialmente.
“Eu disse na internet que estava contando moedas para pagar a indenização. O juiz entendeu que eu estava fazendo pouco caso, quando a verdade era o oposto: eu temia que me rapassem tudo, inclusive as moedinhas”.
Rafinha jamais pediu perdão pela piada, e não se arrepende. Diz que luta pelo que acredita, e que paga um preço por isto.
“Eu tive problemas com coisas levíssimas, enquanto outras muito pesadas passaram batidas. Mas não sei trabalhar sem correr risco. Toda vez que eu me questiono, é um sofrimento desnecessário, que tolhe a criatividade. Seja no palco, seja na vida pessoal. Acaba que você perde a naturalidade -e isto, para quem cria, é praticamente um suicídio”.
Na época, foi suspenso da Band, mas preferiu deixar a emissora. Sem brigas: voltou dois anos depois. Mas ficou um pouco chateado por não sentir que patrões e colegas o defenderam. Hoje, vê as coisas de modo diferente.
“Eu pensei em escrever um livro, contando lances de bastidores, coisas que ninguém sabe. Ainda bem que não escrevi. Teria descascado muita gente. Hoje eu entendo que muitos estavam em momentos de carreira diferentes do meu. Não podiam se arriscar tanto. Seria muita “cabacice” de minha parte esperar que os caras perdessem trabalho por minha causa.”
A tempestade passou. Mas, até hoje, Rafinha é cobrado por alguma piada antiga tirada de contexto. “As pessoas leem na internet sobre algo que eu disse num show às duas horas da manhã para 25 pessoas. Acham que foi na TV e vêm reclamar comigo. Me chamam de machista. Só que eu sempre respeitei as mulheres, apoio muitas pautas feministas. E nunca traí nenhuma namorada”.
Isto não quer dizer que ele tenha afinado o discurso. “Tem coisas bem pesadas no “Ultimato”. Mostrei tudo antes para a Netflix. Não cortaram nada.”. O especial já está legendado em diversas línguas, e pode ser visto no mundo todo. Mas Rafinha não tem ilusões: “só brasileiro é que vai ver”.
O público internacional fica para mais tarde, para seu sonhado programa em inglês. Enquanto isto, continua fazendo testes e tentando se tornar conhecido na capital do cinema. “Ninguém vive de stand-up nos Estados Unidos. Mas eu estou fazendo um investimento: quero virar roteirista de algum programa de lá, ou ator em alguma série.”
Para quem já fez tanta coisa no Brasil e sobreviveu a tantos obstáculos, não parece um objetivo impossível. Com informações da Folhapress.