segunda, 18 de novembro de 2024
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Qualidade da água em São Paulo piora por causa da crise hídrica

A qualidade da água que chega às torneiras paulistanas piorou durante a crise hídrica em São Paulo. A quantidade de amostras de água consideradas “insatisfatórias” em relação ao padrão legal…

A qualidade da água que chega às torneiras paulistanas piorou durante a crise hídrica em São Paulo. A quantidade de amostras de água consideradas “insatisfatórias” em relação ao padrão legal de qualidade de São Paulo triplicou desde 2013. Os dados, elaborados pela equipe do Programa Municipal de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano, mostram que a média de amostras “insatisfatórias” recolhidas na rede de abastecimento público passou de 3,49% há dois anos, antes de desencadear a crise hídrica, a 12,32% em maio de 2015.

A Prefeitura de São Paulo informa que, apesar dos resultados fora do padrão, a água da torneira continua sendo potável. O aumento do índice de resultados atípicos é apenas um alerta da vulnerabilidade atual da água e mostra que cresceu a exposição aos riscos de contaminação. As consequências têm sido relatadas pelos usuários nos últimos meses com casos de água turva ou com sabor ou cheiro desagradáveis, casos de doenças pelo consumo de água contaminada já foram relatadas por este jornal. No ano de 2015, os resultados insatisfatórios mais comuns nos laudos de vigilância referem-se aos parâmetros de turbidez, cloro residual livre, bactérias heterotróficas e coliformes totais (ver abaixo).

O principal motivo para o aumento de amostras fora do padrão, segundo o programa municipal, foi o remanejamento de água de diferentes regiões para compensar a queda nos reservatórios. A operação misturou água de vários sistemas de abastecimento. “A falta d’água e a despressurizarão também podem comprometer a qualidade, tornando a rede mais vulnerável à contaminação externa”, explica Cleuber José de Carvalho, responsável pelos trabalhos de coleta e análise que têm como objetivo detectar situações de risco à saúde.

Para reduzir as perdas e o consumo de água por causa da crise, a Sabesp tem diminuído a pressão da água em vários pontos da rede, o que seca torneiras pela cidade diariamente. As manobras de redução da pressão adotadas pela companhia incluem também o fechamento manual e total dos registros em várias regiões, e aumentam o risco de contaminação. Isso acontece porque, com as tubulações com menos água ou vazias, a água não tratada do solo consegue se infiltrar nos canos.

“Esses dados só confirmam o que venho dizendo há muito tempo, a crise não é só de quantidade, mas de qualidade”, conclui o pesquisador José Galizia Tundisi, que atou em crises hídricas em mais de 40 países e avaliou os resultados da Prefeitura a pedido deste jornal. O pesquisador considera “alto” o índice e convida os órgãos de controle a atuar mais eficientemente. “Embora os dados sejam preocupantes, não creio que deva ocorrer um informe à população. O que deve ser exigido pela vigilância sanitária – estadual e municipal – e os órgãos de controle é a identificação das causas e das falhas do sistema de tratamento que estão gerando estas porcentagens de amostras fora dos padrões de potabilidade”, explica Tundisi.

Para ele, a “deterioração da qualidade da água na origem, nos mananciais, que se agrava com a crise hídrica” é a causa principal apontada para explicar o aumento de amostras “insatisfatórias”. A situação atual dos principais mananciais de São Paulo é considerada crítica: o Cantareira opera hoje com 11,6% da capacidade contando duas cotas de volume morto, enquanto o Alto Tietê, ainda mais castigado, tem só 13,1% da capacidade, sem volume morto disponível.

Em julho, reportagem do EL PAÍS mostrou que os casos de diarreia aguda tiveram um aumento importante no Estado de São Paulo em 2014, associado à crise hídrica. O Centro de Vigilância Epidemiológica, da Secretária Estadual de Saúde, qualificou 2014 como um ano “hiper-epidêmico”, após uma análise detalhada, embora preliminar, das notificações de surtos da doença. O órgão associa o aumento de casos comunicados – quase 35.000 em algumas semanas de fevereiro, março e setembro – aos problemas de abastecimento de água. Além da diminuição de pressão e da intermitência do abastecimento, o uso da água de poços e caminhões-pipa, cuja qualidade não é sempre fiscalizada conforme a lei, são apontadas como causa no estudo.

Sabesp nega problemas
A Sabesp, responsável pelo abastecimento dos 12 milhões de habitantes da cidade, rejeita os dados da Prefeitura. A empresa afirma que “a qualidade da água fornecida aos seus clientes mantém os altos padrões exigidos pelo Ministério da Saúde”. Para a companhia, os percentuais de conformidade são hoje de 99,4%. Em 2013, antes da crise, a média foi de 99,63%.

Os valores diferentes da Sabesp não invalidam os da Prefeitura, segundo a engenheira sanitarista Roseane Maria Garcia Lopes de Souza. “Cada um tem um quantitativo, frequência e um plano de amostragem diferenciado, ou seja cada um elege os seus pontos de coleta em dias e horários diferentes. Os critérios podem incluir os chamados pontos de interesse, como hospitais, escolas, creches, asilos. Mas, se no plano de amostragem incluímos pontos críticos, como pontas de rede, áreas de enchente, área de intermitência, vazamento ou áreas contaminadas, o cenário pode ser outro e o resultado também”, explica Souza, defensora de uma maior integração dos órgãos responsáveis no monitoramento da qualidade da rede com vista a prevenir riscos à saúde.

O presidente da Sabesp, Jerson Kelman, comprometeu-se a investigar o elo entre doenças e qualidade da água e enviou técnicos aos endereços onde foram relatados casos de diarreia e Hepatite A e que foram divulgados por este jornal. O relatório das cinco vistorias contemplou os depoimentos dos consumidores sobre o mal-estar sofrido mas concluiu na maioria dos casos que a contaminação foi pontual. Baseado em análises não divulgados, o relatório afirma que a água coletada nos locais não apresentou anomalias.

Promotoria investiga qualidade da água da bacia do Cantareira
A qualidade da água é umas das principais linhas de investigação do Ministério Público Estadual na crise hídrica. Ao responder aos questionamentos da Promotoria em Piracicaba, a Secretaria Estadual de Saúde reconheceu problemas em vários municípios abastecidos pela bacia dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, a do Cantareira, da qual dependem diretamente cerca de sete milhões de pessoas em todo o Estado.

O diretor de Meio Ambiente do Centro de Vigilância Sanitária (CVS), Luis Sérgio Ozório, relatou em um ofício algumas das “manobras e uso adicional de produtos” adotadas pelos municípios para manter a potabilidade da água, “num contexto de redução real”. Americana [com gestão do abastecimento municipal], Bragança, Paulínia e Hortolândia [abastecidas pela Sabesp] têm reforçado a pré-cloração devido à maior concentração de matéria orgânica, assim como Sumaré [Odebrecht Ambiental] e Jaguariúna [de gestão municipal] têm adicionado carvão ativado para minimizar episódios de gosto e odor, diz o documento encaminhado ao Ministério Público em fevereiro.

Por conta do reduzido volume ou das alterações de qualidade da água dos rios, Campinas [Sanasa], no ano passado, chegou a interromper a captação e o abastecimento público”, complementa Ozório.

Os problemas, causados pelas “baixa vazão dos rios e do volume dos mananciais”, estão localizados e monitorados, segundo o CVS. O documento afirma que, apesar das manobras e o uso adicional dos produtos, de outubro a dezembro de 2014 os parâmetros de turbidez e cloro residual livre indicaram a potabilidade da água – com exceção de Americana, com maior número de amostras inadequadas para turbidez. O documento, não entanto, não faz referência ao resto de parâmetros de potabilidade a serem considerados por lei.

A Secretaria Estadual de Saúde ignorou os questionamentos da reportagem sobre o cenário na bacia do Alto Tietê, hoje considerada oficialmente em estado crítico.

Como são feitas as análises

O laboratório da Prefeitura tem hoje capacidade para analisar 350 amostras de água por mês – antes eram 300. Uma amostra é considerada insatisfatória quando qualquer um dos elementos analisados está em desacordo com a legislação. Entre os parâmetros microbiológicos sob análise estão coliformes totais, coliformes termotolerantes ou E.coli, usados frequentemente para avaliar a qualidade da água e indicar a contaminação por fezes.

As análises contemplam também a presença de bactérias heterotróficas, universalmente presentes em todos os tipos de água mas importantes para verificar mudanças indesejáveis na qualidade da água durante a distribuição, a turbidez, a cor, o PH, o odor e a identificação de fluoreto, ferro e cloro residual livre, usado para eliminar bactérias e outros micro-organismos.

Outros elementos como o amônio, o nitrito e o nitrato são também monitorados, assim como são feitas analises de metais pesados (cadmio, chumbo, cobre, cromo, manganês e mercúrio) em estações de tratamentos pelo menos uma vez por mês.

A análise é feita conforme os parâmetros da Diretriz Nacional do programa Vigiágua, que deve ser aplicado por todos os municípios do país. A norma estabelece como monitorar a qualidade e segurança da água para consumo humano no Brasil.

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