O próximo presidente receberá um “cheque” de R$ 258 bilhões, na avaliação da equipe econômica do presidente Michel Temer, que poderá ser usado mesmo sem necessidade.
Trata-se do aval do Congresso para que o governo tome emprestado essa quantia no mercado financeiro e, com isso, cubra a diferença que falta para cumprir a regra de ouro.
A norma constitucional proíbe o governo de pagar despesas do dia a dia com dinheiro de operações de crédito. Mas, em meio ao ajuste fiscal, a previsão é que isso ocorra em 2019. Dessa maneira, o governo não teve outra opção senão pedir autorização ao Parlamento.
Na avaliação da equipe econômica de Temer, a necessidade real para cumprir a regra de ouro ficou menor do que R$ 258 bilhões, como consta da proposta orçamentária enviada ao Congresso em agosto.Ainda assim, a interpretação da área técnica é que o novo presidente poderá pedir autorização para usar o valor total e operar com folga em 2019.
A entrada de receitas extras reduziu a necessidade real para cerca de R$ 90 bilhões, segundo estimativas do Tesouro Nacional. Essas receitas vêm da previsão de novos pagamentos do BNDES e de um lucro maior do que o esperado do Banco Central no primeiro semestre deste ano. O resultado, que deriva da alta do dólar sobre as reservas internacionais em poder do BC, soma R$ 169 bilhões, e boa parte (cerca de R$ 150 bilhões) será poupada para ser usada no ano que vem.
A equipe econômica também colocou na conta R$ 25 bilhões que virão do BNDES, como pagamento antecipado de dívidas com o Tesouro que só começariam a vencer em 2040.
Se a interpretação atual prevalecer, o novo presidente terá uma margem bem maior do que o necessário para emitir dívida com a autorização do Congresso.
Isso não significa que o novo governo poderá gastar mais, afirmam especialistas, pois o avanço das despesas é travado por outra regra fiscal, o teto de gastos. Mas poderia ter impacto na gestão da dívida pública, ou aumentando o endividamento ou permitindo a possibilidade de uma troca de dívida antiga por nova.
A decisão caberá à nova equipe econômica, que terá que formalizar o pedido de autorização de cobertura para a regra de ouro no ano que vem.
Especialistas da Câmara dos Deputados divergem da interpretação. Segundo Ricardo Volpe, diretor da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira, no momento da execução orçamentária, os cálculos serão refeitos e a autorização do Congresso para a emissão de títulos públicos vai acompanhar a necessidade efetiva.
“Poderia ser de até R$ 258 bilhões”, disse Volpe. “Mas já houve receitas não previstas, como os recursos vindos do Banco Central e do BNDES. Não tem como ser de R$ 258 bilhões.”
No Orçamento, os recursos que terão como fonte a emissão de títulos formarão uma reserva em separado, uma espécie de conta-corrente especial.
Segundo ele, um artigo da lei orçamentária foi revisto para que os valores dessa conta especial fossem abatidos de receitas não previstas.
Ou seja, a cifra de R$ 258 bilhões vai sendo reduzida na mesma proporção da entrada de novos recursos, como já ocorreu, segundo ele, com a incorporação de parte do lucro do BC neste ano.
“Se na data-limite [para a execução do Orçamento] ainda faltarem recursos, esse será o valor a ser autorizado pelo para a emissão de títulos.”
Para os técnicos do governo, a divergência ocorre em razão da novidade do tema -é a primeira vez que será necessário o governo pedir autorização ao Congresso para cumprir a regra de ouro, cuja quebra é enquadrada em crime de responsabilidade fiscal, o mesmo que levou a ex-presidente Dilma Rousseff ao impeachment.
A única certeza que se firmou nas últimas semanas entre especialistas é que o novo presidente não terá, entre os problemas na área fiscal, a pressão da regra de ouro em 2019.
Segundo o economista Gabriel Leal de Barros, da IFI (Instituição Fiscal Independente), além do lucro do BC e do pagamento do BNDES, os Estados e municípios voltaram a pagar as parcelas da dívidas com a União, o que ajuda no cumprimento da regra.
O problema, entretanto, tende a voltar em 2020, pois, prevê ele, o lucro do BC não deverá ser tão relevante e o BNDES não fará pagamentos como em 2018 (quando devolverá R$ 130 bilhões).
“As receitas do BC e do BNDES para a regra de ouro serão menores nos próximos anos, o que dificulta o seu cumprimento”, disse Barros. “Se não fizer reformas, o governo terá que rever as regras fiscais.” Com informações da Folhapress.