A prisão de uma quadrilha especializada em furto de gado, nas duas últimas semanas, trouxe à tona um esquema milionário na região de Rio Preto, que desafia a polícia e fiscais sanitários, tira o sono de pecuaristas e alimenta o mercado clandestino de carne.
Nos últimos dois anos, foram levados de propriedades rurais do Noroeste paulista 774 animais, cujo valor de mercado supera R$ 1 milhão.
Segundo a Delegacia de Investigações Gerais (DIG) de Jales, que investigou o grupo durante seis meses, 80% do gado surrupiado, a maioria da raça nelore, foi parar nas mãos de Edmilson Moreira, um atravessador de Cardoso que comprava e vendia gado sem nota fiscal. Como todo gado é marcado com sinais que identificam o dono, os policiais suspeitam que ele tenha revendido os animais para abates clandestinos, em que os animais são mortos sem nenhum cuidado com a higiene.
Consumir essa carne, segundo o Ministério da Agricultura e Pecuária, pode causar doenças como brucelose e cisticercose, que podem levar à morte. Desde 2011, dois abatedouros foram flagrados na região. De janeiro de 2012 até agora, a Vigilância Sanitária apreendeu 320 quilos de carne sem procedência em açougues de Rio Preto.
Os outros 20%, cerca de 150 animais, foram negociados pelo grupo com Nelson Lopes Pereira Júnior, dono de um frigorífico em José Bonifácio.
O esquema, conforme a DIG, era liderado por Oscar Fernando Ribeiro Strongren, o Gago, de Penápolis. Ele era dono de um dos três caminhões de gado usados nos crimes. Os outros pertenciam aos comparsas Claudinei Cassuci, o Canei, e Aparecido Donizete Pereira, o Boiadeiro.
O grupo percorria a zona rural da região à procura de propriedades que favorecessem a ação dos criminosos – a preferência era por sítios sem moradores que tivessem curral e embarcadouro, dispositivo para transferir os animais para os caminhões.
A região é mais do que propícia à ação dos criminosos. São 706,5 mil cabeças cadastradas na Coordenadoria de Defesa Agropecuária, a maioria em propriedades desabitadas, já que apenas 9% dos 1,4 milhões de moradores do Noroeste paulista vivem na zona rural. “Ninguém mais quer ficar no campo, o que favorece a bandidagem”, afirma o presidente do Sindicato Rural de Rio Preto, Sérgio Expressão.
A ação da quadrilha ocorria sempre na madrugada. Eles cortavam a cerca, entravam com um ou dois caminhões (cada um com capacidade média de 20 cabeças) e embarcavam os melhores animais. Em alguns casos, um “batedor” seguia na frente, para avisar da aproximação policial.Foram 18 furtos consumados, 14 na região. A polícia conseguiu interceptar um dos carregamentos, em Meridiano, na manhã do dia 21 de novembro do ano passado, quando Claudinei Cassuci, o Canei, Emerson Donizete Gomes, o Boiadeiro, e Adão Sanches, o Boi, foram presos em flagrante, com 49 animais. O gado fora furtado horas antes de duas propriedades em Macedônia.
Uma delas pertence à Amilta Ribeiro Villas Boas, 64 anos. “Fomos acordados com um telefonema da polícia dizendo que tínhamos sido furtados e que a polícia conseguiu recuperar todos os animais. Foi um susto danado”, diz.Na semana retrasada, a Justiça decretou a prisão temporária de outros quatro integrantes do esquema – posteriormente, a prisão foi transformada em preventiva.
Apenas um permanece foragido. Os demais foram ouvidos e liberados. Todos foram indiciados por furto qualificado, formação de quadrilha e receptação. Nesta semana, o grupo deve ser denunciado à Justiça pelo Ministério Público de Jales. O trio flagrado no ano passado já é réu em ação na 1ª Vara Criminal de Fernandópolis por furto qualificado. “Era um esquema muito bem montado”, diz o delegado Sebastião Biasi, que comandou as invesgações.
A ação da quadrilha especializada no furto de gado levou medo ao campo na região. Pecuaristas passaram a pernoitar nas propriedades para vigiar o pasto, segundo o Sindicato Rural de Jales. Nobuyuki Kawakami, 69 anos, se precaveu com um buraco de um metro e meio de profundidade em frente ao embarcador, por onde o gado é colocado nos caminhões. Tudo para impedir a aproximação dos veículos.
Em setembro do ano passado, ele foi alvo do grupo. Os ladrões arrebentaram a porteira do sítio em Dirce Reis e, com dois caminhões, levaram 74 cabeças de gado nelore. “Eles pegaram as melhores”, diz o pecuarista, que calcula R$ 100 mil de prejuízo. Como seu sítio é desabitado, ninguém presenciou o crime. Kawakami só notou a perda dos animais dois dias depois, quando foi até a propriedade.
“Agora, tem que trabalhar anos para recuperar a perda”, lamenta. A estratégia do buraco, embora eficiente, gera um contratempo: cada vez que o pecuarista precisa transportar gado tem de levar junto uma pá carregadeira para tampar a cratera e depois voltar a destampá-la. Na mesma época, outro sitiante de Dirce Reis perdeu 49 cabeças. Os dois crimes se tornaram assunto obrigatório na pacata cidade de 1,6 mil habitantes que, neste ano, ainda não registrou crime algum.
Perto dali, em Mesópolis, João Pereira Silva, 65 anos, teve 60 cabeças furtadas no sítio de 40 alqueires. A propriedade também é desabitada. Ele calcula prejuízo superior a R$ 60 mil. “Eles entraram pela porteira na madrugada, fecharam o gado no curral e levaram as reses em dois caminhões”, afirma. Silva só notou o crime ao amanhecer, quando foi ao sítio e viu a porteira destruída e os rastros dos pneus dos dois caminhões.
Após o crime, ele ficou várias noites sem dormir. Até que tomou uma decisão radical: vendeu as 180 cabeças que restaram e arrendou a propriedade para uma usina plantar cana-de-açúcar. “Hoje, pelo menos, durmo sossegado.”
Não é de agora que o furto de gado amedronta os pecuaristas da região. Em 2005, cinco pecuaristas foram vítimas de ladrões de gado em Cedral e Potirendaba.Um deles é Esmeraldo Ferrato, 60 anos. “Eles foram de noite, encostaram dois caminhões no curral e embarcaram os animais com a ajuda de dois cavalos.” O sítio era habitado, mas como a casa ficava a mais de 300 metros do local, ninguém ouviu nada. O gado nunca foi encontrado, e ninguém foi preso. Depois do crime, Ferrato tirou o gado do sítio e plantou seringueira. “Levei os animais para outras propriedades mais bem vigiadas.”