O primeiro indígena a se formar no território Xingu virou estrela em um documentário produzido por morador de Fernandópolis (SP), que destaca a importância da educação.
Diogo Arautara Yamanari, natural da aldeia Morená, jamais imaginou que um dia sairia de sua comunidade para estudar em uma universidade. Sua vida tomou um rumo inesperado quando sua mãe, durante uma gravidez de risco, precisou ser transferida para Fernandópolis.
Matriculado na escola, sem querer deixar sua aldeia, ele não falava português e a adaptação foi um enorme desafio. Mas, com esforço, coragem e o apoio de professores e amigos, ele superou a barreira linguística e cultural.
“Saí do Xingu por acaso, minha mãe teve complicações na gravidez e teve que ser transferida para a cidade. Aí, contra a minha vontade, comecei a ir para a escola. No começo, foi muito difícil, não sabia falar português, mas com muita luta consegui me formar”, relembra Diogo.
A jornada de superação intensificou-se quando, após concluir o ensino médio, Diogo teve a oportunidade de ingressar na faculdade de odontologia pela Universidade Brasil de Fernandópolis, um sonho que parecia distante para um jovem indígena.
A Universidade Brasil, em parceria com o Programa de Educação Indígena, criou uma oportunidade única: um vestibular realizado diretamente nas aldeias do Alto Xingu, o maior território indígena do Brasil, para selecionar jovens indígenas para cursos universitários. Quatro vagas para odontologia foram oferecidas e Diogo foi um dos aprovados.
“O maior desafio foi a língua e as palavras difíceis. Eu tinha que estudar três vezes mais que meus colegas para entender o conteúdo. Além disso, enfrentei o preconceito de alguns professores e colegas. Mesmo com a bolsa, a dificuldade financeira era constante”, explica Diogo.
O jovem ainda descreve Fernandópolis como acolhedora, apesar dos desafios sociais e culturais que enfrentou. “Fiquei com medo, mas a cidade foi muito receptiva”, conclui.
Na aldeia de Diogo, a língua falada é o tupi guarani — Foto: Edson Medeiros/Branco Fotógrafo
🎬 O Documentário: Xingu – O Sentido da Superação
Guilherme Miguelão e sua equipe juntamente com Diogo durante as gravações do documentário — Foto: Edson Medeiros/Branco Fotógrafo
A história de Diogo e de outros jovens indígenas que também estão rompendo barreiras acadêmicas e culturais foi eternizada no documentário “Xingu – O Sentido da Superação”, dirigido pelo cineasta Guilherme Miguelão.
Lançado em 2024, o filme retrata não apenas a luta de Diogo para conquistar seu diploma, mas também o impacto transformador que a educação tem para a saúde e o bem-estar das comunidades indígenas.
“Em 2019, conhecemos os primeiros 12 indígenas que vieram para Fernandópolis para estudar odontologia, medicina e medicina veterinária. Fiquei impressionado com os costumes e a realidade deles e percebi que precisava contar essa história para o Brasil e o mundo”, diz Guilherme.
Guilherme é um cineasta nascido em Fernandópolis e que, após 21 anos de experiência no audiovisual, fez do documentário uma de suas obras mais significativas. Ele é o primeiro morador da cidade a produzir um filme no formato Digital Cinema Package (DCP), pronto para ser exibido em qualquer cinema do mundo.
Guilherme compartilha também os desafios de gravar no Território Indígena do Xingu, uma área remota e de difícil acesso, sem infraestrutura, o que demandou uma adaptação considerável da equipe.
“A produção do filme documental, enfrentou diversos desafios. Nossa equipe teve que se adaptar ao calor diário que enfrentamos nas gravações e ao frio nas noites de descanso, além de levarmos toda estrutura básica como gerador de energia, geladeira, chuveiro solar, entre outros. O que levou a usarmos técnicas para as gravações que se adaptam ao ambiente remoto. Em alguns momentos pensamos que nossos equipamentos iriam danificar. Outro desafio muito intenso que enfrentamos foi o choque cultural, os costumes indígenas são muito diferentes dos costumes ocidentais, primeiro tivemos que ser aceitos na aldeia pelo coletivo e posteriormente enfrentamos as tradições originárias e o contato com a língua materna, o tupi guarani”, afirma o cineasta.
Guilherme e sua esposa, Milene Miguelão, no dia a dia de filmagens — Foto: Edson Medeiros/Branco Fotógrafo
A importância do filme e da formação acadêmica indígena
O documentário “Xingu – O Sentido da Superação” não apenas retrata a história de Diogo, mas também simboliza uma transformação fundamental na vida dos povos originários. A formação de Diogo, que se tornou o primeiro cirurgião-dentista formado do Território do Alto Xingu e do Brasil, não se trata apenas de uma conquista individual, mas de uma vitória coletiva para toda a comunidade
“A saúde na minha comunidade é precária, e essa formação permite que eu ajude meu povo de forma mais qualificada, entendendo as necessidades de cada um”, destaca Diogo.
Fernandópolis, cidade irmã do Território Indígena do Xingu, desempenhou um papel crucial nessa história de sucesso. Foi ali que Diogo encontrou apoio e acolhimento, apesar de todas as dificuldades enfrentadas ao longo de sua trajetória acadêmica.
Além disso, o impacto desse projeto vai além: Dieogo é um exemplo de que o acesso à educação de qualidade pode gerar um efeito multiplicador, tanto em sua aldeia quanto em outros povos indígenas.
O filme, além de ser um marco para a cidade, também é um reflexo do cinema independente de qualidade do interior paulista, colocando o município no mapa nacional e internacional do cinema.
Os próximos passos
No momento, Diogo realiza atendimentos odontológicos em São Paulo mas seu objetivo é trabalhar integralmente no Território Xingu — Foto: Edson Medeiros/Branco Fotógrafo
O filme já foi exibido em Fernandópolis, tem trailers disponibilizados na internet (acesse) e, com o apoio de plataformas de streaming, será levado para outras cidades e capitais, proporcionando uma nova perspectiva sobre a cultura indígena e a importância da educação para os povos originários.
Guilherme Miguelão já prepara a próxima temporada do documentário, que está prevista para 2026. Ele destaca que o filme é um reflexo de como a educação pode transformar realidades e quebrar barreiras culturais, mostrando ao Brasil e ao mundo a força e a resistência dos povos indígenas.
“Nunca desistam dos seus sonhos. As dificuldades vão aparecer, mas tenham foco e nunca desistam”, diz Diogo aos jovens indígenas. Com sua história de superação, ele prova que a educação não apenas abre portas, mas pode mudar o futuro de um povo inteiro.
O documentário “Xingu – O sentido da superação” já tem previsão de mais um filme com outras histórias — Foto: Edson Medeiros/Branco Fotógrafo