Sexta, 19 de Abril de 2024

Agressão não é só tapa

16/07/2022 as 08:39 | Fernandópolis | Jean Braida
Até quando vamos ter que conviver com agressores?

Mulheres maltratadas, coagidas por homens que não tem um pingo de respeito para com as companheiras.

Esta semana, um caso chamou atenção no município de José Bonifácio, a 143km de Fernandópolis.



Uma mulher estava sendo mantida em cárcere privado durante meses pelo marido. Ela foi resgatada após jogar um bilhete com um pedido de socorro no quintal da casa da vizinha.

A vítima, de 23 anos, escreveu no papel: "Oi, sou sua vizinha. Tô presa dentro de casa com duas crianças. Pode chamar a polícia para mim? Tô correndo risco de morte."

Segundo a Polícia Militar, a mulher resolveu escrever o bilhete e pedir ajuda porque tinha sido ameaçada pelo marido, de 64 anos.

A casa onde as vítimas estavam possuía muro alto, cinco câmeras de segurança e janelas trancadas com grades. O homem que usava o circuito de segurança para monitorar a mulher foi preso em flagrante por cárcere privado, lesão corporal e ameaça.

Assim como a vítima escreveu, este caso poderia ter tido um final trágico. O motivo? Ciúmes do parceiro.

De acordo com as autoridades, na região, centenas de mulheres sofrem algum tipo de violência dos companheiros. Além dos ciúmes, a prepotência e falta de respeito predominam na maioria dos casos.

Mas o que fazer?

As mulheres são orientadas a pedir medida protetiva contra os agressores, que é o afastamento do agressor do lar ou local de convivência com a vítima, a fixação de limite mínimo de distância de que o agressor fica proibido de ultrapassar em relação à vítima e a suspensão da posse ou restrição do porte de armas, se for o caso.

É bom lembrar que, um relacionamento abusivo não começa com tapa na cara ou ameaça de morte. A violência, inclusive, pode jamais se manifestar de forma física. Infelizmente, isso não significa que a dor e a destruição sejam menos reais.

Um relacionamento abusivo não precisa ser sinônimo de feminicídio para ter nossa atenção. Ou, pelo menos, deveríamos acordar para esse fato e encontrar o verdadeiro sentido de sororidade, olhando mais para a vida, sem esperar que tragédias escancarem o que minimizamos.

Um relacionamento abusivo pode acontecer com qualquer uma — ou qualquer um. Pessoas lindas, divertidas, de bem com a vida, instruídas, saudáveis… Mulheres fortes e bem resolvidas. Sim, você poderá encontrar todos esses atributos em uma vítima de relação abusiva.

Começamos com esse ponto porque a quebra do estereótipo é a premissa dessa conversa. Precisamos dissociar a violência doméstica de cenários e ações quase pejorativas.

Toda vez que pensamos que só um soco denuncia e que a agressão só é vivenciada por pessoas ignorantes, vulneráveis, ingênuas ou submissas, experimentamos mais o lugar do agressor do que da vítima.

Você pode ter vivido — ou estar vivendo — um relacionamento abusivo, mas nunca pensou por esse ângulo. Talvez veja pessoas próximas vivendo uma situação assim. Por isso, meu objetivo é mostrar como identificar alguns sinais, pois um tapa nunca é o primeiro a chegar.

1. Excesso de “amor”

Pode parecer paradoxal, mas é algo comum nos relatos de relacionamentos abusivos. O abusador tem um certo padrão de comportamento. E, nesse padrão, a capacidade de sedução aparece em destaque.

O abusador pode ser um sujeito extremamente romântico, gentil, vorazmente apaixonado. Ele é capaz de erguer um impressionante pedestal e colocar sua escolhida no topo, alimentando a autoestima feminina de modo singular.

Manifestações exageradas, “provas de amor” e grandes declarações são lindas, todos sabemos disso! Mas saiba enxergar quando elas são espontâneas e quando estão ali para desviar nossa atenção.

Cuidado para não confundir migalhas com banquetes. No início da relação, pode ser mais difícil discernir entre um rompante romântico e um sinal de alerta. Porém, quando esses episódios acontecem num relacionamento consolidado, vale pensar a respeito.

Quando devemos perceber o “excesso” como um aviso? Quando os dias antes do “momento especial” forem narrados como negativos, com episódios de brigas, de humilhações, de cobranças ou ciúmes.

Se o romantismo surge para tapar buracos, cuidado! Não é amor quando apenas em um dia da semana, ou do mês, existe paz. Não é amor quando a surpresa vem para silenciar um desentendimento, que precisa ser resolvido.

Presentes, agrados e elogios, não são demonstrações de amor. Atitudes — reais, do dia a dia — é que falam por mais de mil palavras.

Não podemos olhar para onde o agressor quer que olhemos. Observe os atos. Promessas são fáceis quando não precisam ser cumpridas. Ou seja, avalie seu agora. A qualidade de uma relação não pode estar em seus momentos de exceção, mas em sua rotina concreta.

2. Ele quer que você mude

Outra característica de um relacionamento abusivo é a imposição — sutil ou não — de mudanças no comportamento.

Não estamos falando de críticas construtivas, que emergem em diálogos francos. É claro que a pessoa que vive com você pode lhe sugerir novos hábitos, lhe instigar a explorar novos gostos. Isso é aprendizado, crescimento, evolução!

Porém, num relacionamento tóxico, as sugestões de mudanças ganham outros tons. Geralmente, são moralistas. Ou melhor, de acordo com critérios de certo, bom e belo do outro.

O abusador saberá mostrar seu ponto de vista com maestria. Ele saberá insinuar como sua proposta beneficiará o caráter e aparência de sua vítima.

Que tal emagrecer, trocar o guarda-roupa, mudar o cabelo, parar de frequentar tais lugares e se tornar uma pessoa ainda mais bonita?

Ora, o que custa uma pequena adequação, quando o que está em jogo é uma história de amor, não é mesmo?

Como dissemos, existem mudanças positivas. Aquelas que, mesmo ocasionadas por uma sugestão de fora, conversam com nosso senso de identidade. O problema é quando a alteração tem o intuito em nos converter no ideal de outra pessoa.

Existem mudanças que potencializam nossa personalidade. Nossa voz cresce, o eu se torna mais seguro e ciente de suas particularidades. E existem as mudanças que nos enjaulam, diminuem, anulam nossas vontades e expressões próprias.

Diante de uma proposta de mudança, pergunte-se, sempre, o que ela faria por você. O quanto ela reflete seus valores, suas buscas, sua identidade. Não caiba no ideal do outro. Se você precisa mudar tanto, a ponto de se anular, é porque você não é pessoa que seu parceiro procura. Nem ele é a pessoa que você poderá chamar de parceiro.

3. O relacionamento abusivo é uma teia

Essa é uma das metáforas mais recorrentes em relatos de relacionamentos abusivos. É interessante pensarmos sobre ela, pois, de fato, a compreensão da teia nos aproxima da experiência de quem se vê enredada por laços quase invisíveis — mas que paralisam.

Uma teia se constrói aos poucos. Discretamente. Ser imperceptível, o máximo que puder, a faz mais poderosa.

Uma teia não é uma mandíbula faminta. Mas às mulheres se ensinou a identificar lobos, não teias… As teias não amedrontam, até que sejam visíveis. Porém, aí pode ser sinal de que já caímos nelas.

Tudo isso para assumirmos que, sim, teias são difíceis de serem detectadas. Perdoe-se, se cair na armadilha e lembre-se de que é humano. E, quando caem, humanos podem levantar.

Mas não pense só em você. Pense nas mulheres que você bem ou mal conhece. Ajude a enxergar as teias, quando essa oportunidade lhe for dada. Não cale suas impressões. Encontre formas discretas de abordar suas percepções. Você consegue.

Se souber do namoro abusivo ou da relação abusiva no casamento quando a história for de um passado, não julgue. Não pergunte como a pessoa não percebeu antes, como pode deixar a situação avançar tanto… Lembre-se da teia: o perigo era quase transparente.



4. Superproteção pode ser sinal de relacionamento abusivo

Essa é uma das linhas da teia. A superproteção pode parecer um cuidado bonito, generoso. E, no início, não trará prejuízos. Soará como um zelo, que reflete carinho e preocupação.

O reconhecimento do relacionamento abusivo é complicado, justamente, porque muitos sinais de alerta se confundem com manifestações de afeto. De longe, pode até parecer fácil identificar a diferença. Mas, para quem está enredado, a distinção não é tão simples.

É com o tempo que a superproteção mostra seu lado nefasto. A atitude solícita se transforma numa arma de chantagem ou depreciação. De repente, o préstimo é usado pelo abusador como prova da incapacidade da vítima, demonstração de sua inépcia em realizar tarefas simples ou saber desviar de perigos.

A superproteção diminui a vítima, na medida em que aumenta o poder do agressor. Como “cuidador” ele passa a ser fundamental para cada ação, esvaziando a autonomia de decisão da vítima.

Quando alguém toma conta de nossas vidas, lhe conferimos autoridade sobre nossas escolhas e validação de nossos resultados.

É importante manter independência financeira, não abandonar preferências e amizades por juízo alheio. Quem cuida, respeita. E quem ama, admira.

Ao aceitar gestos que indiquem superproteção, pergunte-se o que eles significam perante sua liberdade de ser e pensar. Se sufocam sua opinião, eles não podem ser interpretados como carinho, mas sim como indícios de manipulação.

5. Agressão verbal e violência psicológica

O relacionamento abusivo é uma gangorra. Ora o agressor é gentil, encantador, um apaixonado devoto. Essa face positiva é que torna o jogo emocional complexo. Afinal, quando a humilhação parte daquele que tanto ama, ela ganha ares de razão.

Em contrapartida aos momentos de elogios, aos poucos, as críticas depreciativas vão ganhando espaço. Como são proferidas por uma pessoa tão íntima, abalam e fragilizam a identidade de quem as ouve.

Sim, as agressões e violência moral de um relacionamento abusivo podem surgir em forma de xingamentos. Mas nem sempre elas são tão claras. Comentários sutis são ainda mais poderosos, porque minam as defesas e perturbam a interpretação objetiva.



Portanto, fique alerta se notar que o parceiro:

faz pouco caso de suas conquistas;

ridiculariza suas opiniões e gostos;

afirma que apenas ele pode lhe amar e aceitar, do jeito que é;

pede que você se afaste de amigos ou familiares;

faz você se sentir culpada pelas reações agressivas dele;

grita ou desconta a raiva em objetos;

alega que teve uma atitude desequilibrada porque estava estressado ou bêbado;

manifesta ciúmes com muita frequência e por bobagens;

vigia seus hábitos, conversas e redes sociais;

controla sua vida financeira;

proíbe que use alguma roupa ou ande com determinada companhia;

vive pedindo desculpas, dizendo que vai mudar, mas não altera o padrão de comportamento;

faz você acreditar que é responsável por ele (sua “salvadora”);

diz que você está “louca” quando o coloca em xeque ou o contraria, fazendo com que você questione a própria sanidade e capacidade de analisar as situações;

consegue impor suas vontades, inclusive forçando o sexo;

lhe deixa insegura, com medo, constantemente infeliz e com a autoestima ferida.



6. Ameaças e chantagens

As ameaças no relacionamento abusivo são parte da violência física ou emocional. As insinuações de danos à vítima podem ser de ordem psicológica, apelando para a culpa, vergonha, abandono. Chantagens emocionais são extremamente perigosas e paralisantes.

Mas a ameaça pode ser física, chegando ao cúmulo de frases como “se não for minha, não será de mais ninguém”.

Quanto mais frágil a identidade da vítima, mais o relacionamento abusivo conquista território. A violência física pode ser o ápice, a evidência incontestável. Mas não é a única que machuca e traumatiza.

Quem vive — ou viveu — um relacionamento abusivo, precisa de ajuda. A busca por um psicólogo auxilia na identificação e superação do problema. Também é possível encontrar apoio junto à Central de Atendimento à Mulher, que pode ser contatada através do telefone 180, ou em uma Delegacia da Mulher.



Não ignore os sinais. Nenhuma dor é normal. A teia é forte, mas não invencível.

Lembre que um relacionamento saudável é aquele que dá luz à sua personalidade. Já o relacionamento abusivo, tóxico, lhe afundará em sombras. Não permita que o medo seja seu guia. O primeiro passo para vencer a teia é decidir sair dela. Não tenha receio de procurar ajuda. É um ato de coragem. E se você souber de algum caso de maus tratos, denuncie.

Jean Braida

@jeanbraida
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