O UOL Esporte conversou com os membros João Victor, Mariana Mendonça e Carlos Monteiro do coletivo LGBTQIA+ Porcoíris para falar um pouco mais sobre suas vivências palestrinas e a situação atual do coletivo. Em 2020, eles estenderam sua bandeira durante um jogo do Palmeiras no Allianz Parque. E, através de um grupo de amigos que comentam futebol no Whatsapp, fazem resistência em busca de maior presença LGBT no futebol.
Das arquibancadas verdes lotadas do Allianz Parque na última quinta-feira (14), quando o Palmeiras acabou eliminado da Copa do Brasil pelo rival São Paulo, emanava o grito.
“Time do caralh*, lugar de bicha é dentro do armário”
A rima homofóbica entoada pela torcida organizada do clube tinha como objetivo atingir os rivais tricolores, mas representa muito mais que isso. É um marcador somático que bloqueia certas decisões, entre elas a presença constante de uma bandeira do coletivo LGBTQIAP+ Porcoíris.
O grupo de palmeirenses teve seu emblema presente nas arquibancadas do Allianz apenas uma vez, em novembro de 2020, quando a pandemia do coronavírus ainda bloqueava a presença do público.
Hoje, com dezenas de milhares de torcedores presentes, não é tão simples. Romper o mar verde com uma bandeira arco-íris e sair ileso física e moralmente é uma tarefa complicada.
“Nós temos a nossa bandeira, mas sabemos que é complicado levar ao estádio estando em poucas pessoas. Nós sabemos que tem ressalvas com alguns setores da torcida”, afirmou João Victor, membro do coletivo.
Ainda assim, há um sentimento geral de que o ambiente homofóbico do estádio de futebol tem melhorado com o passar dos anos. Nas redes, o coletivo já vê uma movimentação positiva.
“Recebemos muitas ameaças, mas recebemos muito mais apoio. Acho que hoje o torcedor LGBTQIAP+ fala mais alto, e tem uma rede de apoio maior”, opina Carlos Monteiro, administrador do perfil do coletivo nas redes.
O UOL Esporte conversou com Mariana Mendonça, João Victor e Carlos Monteiro, membros do coletivo para entender as perspectivas e a luta do coletivo.
O começo do coletivo
O Porcoíris é um coletivo LBTQIAP+ composto por palmeirenses e que tem como principal objetivo ocupar seu espaço na arquibancada e na torcida palestrina. O coletivo surgiu em 2019 e ganhou espaço no Blog do Menon.
Os membros comentam que a ideia surgiu de criar um grupo para poder discutir futebol e buscar aliados. Ainda que tenham algumas atribuições, João comenta que não há qualquer tipo de hierarquia de cargos ou burocracia para se juntar ao coletivo.
Atualmente, o coletivo conta com cerca de 20 membros ativos, de diferentes lugares. Houve alguns encontros presenciais entre os membros como, por exemplo, na final da Libertadores contra o Flamengo, mas a maior parte das atividades do coletivo segue no modelo online.
“Dialogar com torcedores e falar sobre futebol com torcedores LGBTQIAP+ dentro do Twitter, que é uma rede social grande. Estouramos a bolha do nosso Twitter acompanhando os jogos em tempo real, a bandeira colocada no estádio. Essa ideia foi abraçada por muita gente”, explica Carlos Monteiro.
O relacionamento do coletivo com o anonimato
O fundador do coletivo fala que nenhuma pessoa pertencente ao Porcoíris foi alvo direto de ataques até o momento, mas que o coletivo recebe ameaças de usuários na internet, e denúncias de ocorrências de violência em estádios vindas de usuários.
Ainda que algumas ações não sejam simples de serem feitas pelo coletivo, João afirma que o Porcoíris consegue criar um ambiente receptivo: “A gente vendeu adesivos para torcedores, e muitos nos mandaram fotos com eles nos estádios. Nós temos essa participação para criar um espaço e vivência LGBT pelo grupo”.
O primeiro logotipo do coletivo, criado em 2019, continha um porco de máscara. João fala que o símbolo do coletivo já esteve muito ligado a uma questão de dar uma proteção para os membros. Havia grande desconfiança em torno da exposição pública nas redes: “Tem pessoas do grupo que sofrem LGBTfobia dentro da própria casa. Então o nosso foco é juntar forças como um grupo”.
Mesmo dando bastante importância para a segurança dos membros, para João Victor, a crescente visibilidade do coletivo na mídia tem sido benéfica: “Para entrar no debate esportivo, nós não podemos ficar de máscara. De uma forma natural, percebemos que alguns de nós tem que mostrar a cara. Isso foi uma coisa que aconteceu de forma natural.”
Times diferentes, atmosferas diferentes
O Porcoíris falou sobre as diferenças entre ir na arquibancada do time feminino e do time masculino. Ainda que os torcedores da Porcoíris não se sintam intimidados a ponto de deixar de ir nos jogos do masculino, para Mariana Mendonça, a forma como o futebol feminino tem se desenvolvido no Brasil torna a arquibancada do time feminino mais inclusiva por afastar o torcedor viril.
“Aquele torcedor que tem o futebol como sinônimo de virilidade e masculinidade não vai no jogo do feminino, por pensar que aquele jogo [feminino] não tem a mesma qualidade do masculino. Esse torcedor também é homofóbico, e quando ele não está nesse ambiente, a tendência é que o ambiente fique mais seguro e tranquilo. Isso não quer dizer que a gente não se sente inseguro o suficiente para não ir na arquibancada do masculino” – Mariana Mendonça.
João Victor comenta que o Palmeiras Livre, coletivo palestrino anti-LGBTfobia, contra racismo e machismo palestrino com forte atuação no Instagram, já colocou sua bandeira no Allianz Parque durante um jogo da equipe feminina.
Apoio pela causa além da rivalidade
Desde 2010, o dia 17 de maio marca o Dia Mundial de Combate à Homofobia, data em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade de seu quadro de doenças, em 1990. Por conta disso, muitos clubes da Série A fizeram postagens em suas redes sociais com a temática do combate à homofobia. Alguns clubes foram alvo de críticas de influenciadores e jornalistas por conta da timidez de seus posts.
Neste ano, uma das postagens de maior repercussão no dia foi a imagem divulgada pelo Corinthians que, devido à sua rivalidade com o Palmeiras, excluiu a cor verde — que faz parte do símbolo da bandeira do movimento LGBT — de sua arte de campanha.
A Porcoíris deixa claro que a rivalidade deve ficar apenas dentro de campo e que, quando há uma conquista de algum coletivo, ou uma ação bem-sucedida, quem se beneficia disso é o movimento LGBT como um todo.
Sobre o dérbi ocorrido no dia 17, os membros comentam que houve um desvio daquele que deveria ser o foco da campanha: “O debate deveria ser sobre a causa em torno desse dia, acabou se tornando um debate sobre a rivalidade. Um tirou a cor verde e o outro foi lá e fez um post apenas verde”, afirma Mariana Mendonça.
“É uma situação delicada, mas ambos os clubes precisam de ações bem mais objetivas e mais diretas. São dois dos maiores clubes de São Paulo, é necessário um pouco mais de coragem pela história. Naquela situação, todos erraram” – Carlos Monteiro.