Ao menos 20% de jovens de 14 a 24 anos que menstruam já deixaram de ir à escola por não terem absorvente. Entre pessoas pretas com renda de até dois salários mínimos, o número sobe para 24%.
Os dados fazem parte de uma pesquisa feita pelo Espro (Ensino Social Profissionalizante), organização que oferece capacitação para jovens em busca do primeiro emprego, e a Inciclo, marca de coletores menstruais.
O levantamento, obtido com exclusividade pelo UOL, ouviu 2.930 pessoas que menstruam e 805 que não menstruam. A margem de erro é de 2% e o índice de confiabilidade da pesquisa é de 99%.
O problema da pobreza menstrual tem se intensificado nos últimos anos. Dados do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) mostram, por exemplo, que mais de 700 mil meninas vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro em suas casas. Além disso, mais de 4 milhões não têm acesso a itens básicos de cuidados menstruais.
No ano passado, o presidente Jair Bolsonaro (PL) chegou a vetar um projeto de lei que previa a distribuição gratuita de absorventes íntimos em escolas públicas, para moradores de rua, presidiárias e outras pessoas em situação de vulnerabilidade. No entanto, com a repercussão da decisão, o governo recuou da decisão.
“Nosso trabalho contra a pobreza menstrual não deve ser focado apenas na distribuição de absorventes, mas também em garantir questões como saneamento básico e conhecimento do tema entre meninas e meninos”, explica Amanda Sadalla, cofundadora da Serenas, organização que atua nesta e em outras questões ligadas a mulheres e meninas.
A pesquisa também mostra um outro problema: 42% das pessoas já ficaram mais do que o tempo indicado com o absorvente para economizar dinheiro. O índice sobe para 45% entre as pessoas pretas com até 2 salários mínimos.
Pelo menos 32% declararam que já aconteceu de não terem dinheiro para comprar absorvente. “Nós não temos um cruzamento desses dados com o impacto da pandemia, mas sabemos que quem teve mais impacto negativo durante esse período foram as mesmas pessoas: negras, pobres”, explica Alessandro Saade, superintendente executivo do Espro.
A estudante Nathalia Gomes, 19, conta que sempre esteve próxima desse assunto, mas havia muita vergonha de falar sobre determinadas questões. “Estudei em escola pública, então cheguei a ter contato com pessoas que pediam emprestado, não falavam abertamente da necessidade, mas com o tempo a gente entende que existia”, explica.
Para Nathalia, a decisão inicial de vetar o projeto que distribuiria absorventes íntimos foi equivocada. “A gente não menstrua porque escolhe, a gente é assim e por a gente ser assim deveria ter [absorvente] para todo mundo”, defende.
Stefania Molina, também cofundadoras da Serenas, explica que o trabalho dos municípios e estados já significa um grande avanço. “Ter um projeto a nível nacional é essencial e muito mais efetivo, mas não podemos deixar de comemorar os pequenos passos para chegar no objetivo que queremos [o fim da pobreza menstrual]”, disse.
A reportagem entrou em contato com jovens que precisaram faltar à escola pela falta de absorvente, mas por constrangimento elas não aceitaram dar entrevista.
Ana Beatriz Barbosa, 15, estuda em uma escola em Camaçari, na Bahia, e contou que já ouviu relatos de diferentes colegas de sala com problemas financeiros para comprar absorvente.
Depois de um projeto dentro da escola, desenvolvido pela diretora Edicléia Pereira Dias, ela passou a entender melhor o problema.
“Não imaginava que do meu lado havia meninas faltando uma semana por mês na escola pela falta de absorvente”, conta.
A diretora criou um banco de absorventes na escola para estudantes que menstruam. A decisão aconteceu em 2010, quando Edicleia precisou entender o motivo da alta evasão escolar no colégio.
Apesar de não ter vivenciado nenhuma situação extrema, Ana Beatriz é beneficiada do projeto. “É incrível participar do programa e ver que as meninas não precisam mais faltar por um motivo como esse”, comemora a estudante.