Busca de não vacinados pelo aplicativo WhatsApp, distribuição de ingressos para circo e até sorteios de bicicletas estão entre as estratégias de prefeituras de vários Estados do Brasil para ampliar a cobertura vacinal contra a poliomielite. Até esta terça-feira, 25, o índice estava em 70%, quando o ideal é vacinar 95% das crianças com menos de 5 anos. Falta imunizar 3,4 milhões nessa faixa etária em todo o País, segundo o Ministério da Saúde.
O esforço na procura pelos não vacinados se justifica. Em 2020, a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) classificou o Brasil como local de risco de reintrodução da doença – também chamada de paralisia infantil -, que havia sido erradicada desde o início da década de 1990. A partir de 2021, a classificação subiu para de “alto risco”, colocando o País em alerta máximo.
De acordo com o Ministério da Saúde, foram vacinadas até ontem 8,1 milhões de crianças, de um total de 11,5 milhões que compõem o público-alvo – menores de 5 anos. O imunizante, informou a pasta, continua disponível nos postos de saúde de todo o País, mesmo com o fim da campanha nacional, em setembro. Algumas cidades mantêm a mobilização.
Os Estados que mais vacinaram até agora foram Amapá (95,88% do público-alvo), Pernambuco (86,15%) e Alagoas (83,53%). Os que têm menos cobertura são Acre (38,65%), Roraima (41,15%) e Rio de Janeiro (45,24%).
Na capital fluminense, a aplicação de doses mais que dobrou depois que a prefeitura deu início à busca ativa de crianças não vacinadas, usando inclusive os grupos de WhatsApp dos profissionais de saúde. Conforme o secretário de Saúde, Daniel Soranz, a média diária subiu de 750 para 1.600 doses aplicadas. “Ainda temos 130 mil crianças desprotegidas. Além das doses previstas no esquema regular, estamos aplicando mais uma dose de reforço em crianças de 1 a 4 anos. Pedimos aos pais que levem essas crianças ao posto”, disse.
Enquanto o Estado do Rio tinha menos da metade do público-alvo vacinado até terça, a capital estava com 55,20% das crianças vacinadas, segundo a prefeitura. Foram aplicadas 174 mil doses, mas a meta é atingir 300 mil crianças (95% do público alvo). Além de usar as redes sociais, equipes das clínicas da família e centros municipais de saúde estão indo às casas do morador. As unidades de atenção básica estão funcionando também aos sábados, das 8 às 12 horas.
Na capital paulista, a campanha foi prorrogada por prazo indeterminado, informou nesta terça-feira, 25, a Secretaria Municipal de Saúde. Além da vacina da pólio, para crianças de 1 a 4 anos e 11 meses, serão aplicadas doses contra outras doenças que fazem parte da campanha de multivacinação para crianças e adolescentes de 0 a 15 anos. Desde o início da campanha, em 8 de agosto, foram aplicadas 1,4 milhão de doses, sendo 352 mil contra a poliomielite e 1,1 milhão de outros 15 imunizantes.
No caso da pólio, a cobertura está em 79,2%, abaixo da meta de 95%. “A prorrogação é mais uma oportunidade àqueles que ainda não receberam a dose de reforço contra a poliomielite. Vamos prosseguir também com os esforços para a atualização das carteirinhas com os demais imunizantes do calendário nacional”, disse o coordenador de Vigilância em Saúde da capital, Luiz Artur Caldeira.
No Estado de São Paulo, com cobertura de 64,70%, as prefeituras vêm intensificando as ações para atrair os não vacinados. A Secretaria Estadual de Saúde informou que, independentemente de campanhas, a vacina contra a pólio está disponível nos postos de forma permanente, conforme o calendário nacional de vacinação definido pelo ministério.
Sorteios
Em Araçatuba, no interior de São Paulo, foi usado um carro-volante para busca ativa de não vacinados nos bairros mais distantes. Além disso, a prefeitura fez parceria com um circo para distribuir ingressos aos menores de cinco anos que tomaram a vacina. Na cidade, 7.752 crianças foram imunizadas, índice de 88%.
Em Presidente Prudente (SP), as crianças levadas para tomar a vacina ganharam cupons para concorrer a sorteios de bicicleta. “Estamos todos preocupados, pois temos mais de 10 mil crianças no público-alvo e ainda faltam muitas para serem vacinadas”, disse a supervisora da Vigilância Epidemiológica, Elaine Bertacco.
O sorteio de bicicletas também foi o recurso adotado em Paranavaí, interior do Paraná, em Aparecida do Taboado (MS) e em Diamantino (MT). “A campanha Dose Premiada é uma forma de estimular os pais a procurarem a unidade de saúde, onde são alertados sobre os riscos da pólio e de outras doenças que podem ser evitadas com a vacinação”, disse a secretária de Saúde da cidade mato-grossense, Marineze Meira.
Em Goiânia, Hellena Rebeka Santos Barbosa, de 5 anos, ganhou uma “recompensa” após tomar as gotinhas no último dia 8 de outubro. A prefeitura da capital goiana, em parceria com o Serviço Social da Indústria, distribuiu entradas para o parque mantido pelo Sesi no Dia da Crianças. “Ela aproveitou o dia de sol na piscina e pôde participar de jogos e brincadeiras, além de receber alimentação. Foi a primeira vez que ela foi a um clube e ela amou”, diz a mãe de Hellena, Kenya Rodrigues Barbosa.
Para tentar atrair as famílias, algumas cidades adotaram horários alternativos. Em Chapecó, no Corujão da Vacinação, as doses são aplicadas no período das 18 às 21h30. Conforme o secretário de Saúde, Jader Danielli, o objetivo é atender os pais que trabalham e não conseguem levar os filhos para vacinar durante o dia. Em Santa Catarina, que tem 82,26% de cobertura vacinal, uma lei estadual obriga a apresentação do certificado de vacinação completa para a matrícula de crianças em escolas das redes pública e privada.
“Ofertamos (vacina) aos fins de semana e período noturno e a ação foi bem divulgada, então não há justificativa para a falta de procura”, disse a coordenadora do programa de imunização do Acre, Renata Quiles.
Força-tarefa monitora esgoto
Em Campinas (SP), onde só pouco mais da metade do público-alvo recebeu as doses, agentes comunitários de saúde da prefeitura estão indo às casas para saber por que as crianças não foram se vacinar, na ação chamada de Adote uma Carteirinha. Famílias em situação de rua também estão sendo abordadas. Na cidade, a cobertura considerada ideal, de 95%, foi atingida pela última vez em 2018.
De acordo com a diretora do Departamento de Vigilância em Saúde (Devisa), Andrea von Zuben, existe preocupação com a reintrodução do vírus da poliomielite porque Campinas tem um fluxo de pessoas de diversas regiões do mundo, por meio do Aeroporto Internacional de Viracopos. Além disso, a região metropolitana de Campinas é considerada polo comercial, industrial, universitário e de pesquisa.
Esses fatores, aliados à queda da cobertura nos últimos anos, aumentam o risco de reintrodução da paralisia infantil, segundo ela. Em 2015, índice era de 101,7%, caindo para 82,8% em 2021. “A cada ano aumenta o número de crianças sem a vacina. Nossos números, que já não vinham bem, pioraram muito na pandemia”, afirmou. O município intensificou a vigilância no aeroporto, incluindo a busca por refugiados não vacinados, o reforço no esquema de notificação de suspeitas e, até, o monitoramento ambiental do esgoto para identificar eventual presença do vírus.
A paralisia infantil é uma doença contagiosa causada por um vírus que vive no intestino, o poliovírus, que pode infectar crianças e adultos por contato direto com as fezes ou pelas secreções bucais de pessoas infectadas. Nos casos graves, acontecem paralisias musculares em que os membros inferiores são os mais atingidos. O último caso no Brasil foi registrado em 1989. Em 1994, foi certificada a erradicação da doença nas Américas.
Conforme o pesquisador Akira Homma, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a queda drástica na imunização, sobretudo nos dois últimos anos, deixa o País com baixa proteção contra eventual volta da doença. “Há quase 30 anos o Brasil não tem um único caso de poliomielite. Na década de 1980, com a participação de toda a sociedade, conseguimos alta cobertura vacinal. Em dois dias nacionais de vacinação, em que chegamos a vacinar 18 milhões de crianças em um só dia, eliminamos essa terrível virose do País. Esta queda na cobertura vem deixando um número enorme de crianças desprotegidas”, disse.
O que diz o Ministério da Saúde
O Ministério da Saúde informou que o Brasil é uma das referências mundiais em imunização e possui um dos maiores programas de vacinação do mundo, que aplica em média 100 milhões de doses por ano. “A atualização da situação vacinal aumenta a proteção contra as doenças imunopreveníveis, evitando a ocorrência de surtos e hospitalizações, sequelas, tratamentos de reabilitação e óbitos”, disse, em nota.
Conforme a pasta, o Brasil já eliminou cinco doenças com a imunização – paralisia infantil, síndrome da rubéola congênita, rubéola, tétano materno e neonatal e varíola -, mas a ocorrência de baixas coberturas pode causar a reintrodução dessas doenças no País, voltando a ser um problema de saúde pública. (Colaborou Andréia Bahia, especial para o Estadão).