Após denúncia da Gazeta do Interior, a Polícia Civil de Potirendaba instaurou inquérito para apurar suposto caso de negligência médica envolvendo o hospital da cidade. O portal mostrou o caso com exclusividade no dia 26 de janeiro, onde a repositora, Ivanize dos Santos França Pereira, de 32 anos, que estava grávida de sete meses, peregrinou por mais de 24 horas e acabou perdendo o filho no banheiro da entidade.
De acordo com o delegado que cuida do caso, Adriano Ribeiro Nasser, o pai e a mãe já foram ouvidos e o inquérito está em andamento. “Nos próximos dias vamos ouvir funcionários do hospital envolvidos no caso e requisitar documentação do prontuário da paciente”, disse.
O caso:
A mulher contou à nossa equipe que na madruga de domingo para segunda, dia 19 de janeiro, começou a sentir fortes dores e contrações e procurou o Hospital de Potirendaba.
Ao fazer a ficha na recepção da entidade, o marido dela, Edvan Gomes Pereira, disse que esperou por quase uma hora para ela ser atendida. “Ficamos lá sentados e ela sentindo dor e esse médico não aparecia. Foi onde eu perguntei se ele estava dormindo e a recepcionista disse que ele estava vindo. Só tinha minha esposa para ser consultada, não tinha mais ninguém sendo atendido”, conta.
O médico que atendeu a mulher, Thiago Tadei Álvares, receitou buscopan à paciente e pediu exame de urina. Edvan pediu para que o médico passasse exame de ultrassom para saber como que estava a criança dentro do útero, mas o médico disse que não precisava e que ela teria que procurar o ginecologista dela.
Ainda sentindo fortes dores, Ivanize foi na segunda-feira ao Posto Central de Saúde para então ser consultada com o médico ginecologista dela, Luiz Carlos Volpi. A espera também não foi diferente, segundo a mulher, ela era a 11ª para ser consultada com o médico.
Reclamando de dores, ela pediu por preferência para ser consultada antes, porém esperou por quase duas horas até o momento da consulta. Volpi viu o exame solicitado na madrugada por Thiago e o resultado deu infecção de urina. Com estetoscópio, o médico disse à mãe que não estava mais ouvindo o coração da criança bater e ela foi levada novamente para o Hospital da cidade.
No Hospital a mulher ficou das 18h até às 21h esperando por alguém que viesse olhar ela e saber se estava tudo bem com o bebê. “Não apareceu nenhum médico, nenhuma enfermeira no quarto, fiquei esperando todo esse tempo com dor e meu filho morrendo dentro da minha barriga”, conta a mãe chorando.
Só depois disso que Edvan chegou ao hospital e pediu para que então olhassem sua esposa é que uma enfermeira apareceu. Também com um estetoscópio a enfermeira afirmou que o coração da criança estava batendo bem fraquinho.
O pai então novamente pediu exame de ultrassom, mas que foi mais uma vez negado alegando que só poderia ser realizado às segundas-feiras com pedido do médico.
Já por volta das 3h da manhã de terça-feira, uma das enfermeiras voltou a aplicar medicamento em Ivanize. Questionada pela paciente qual remédio estava sendo injetado, ela disse que era “remedinho para tirar a dor” e não disse qual nome era.
Segundo Ivanize as dores não passavam e as contrações aumentando. Meia hora depois de o medicamento ser aplicado, a mulher foi ao banheiro e o bebê nasceu. O médico plantonista, Alexandre Carlos Mazzo, atestou aos pais que a criança já tinha nascido morta.
Só depois disso é que a mulher foi levada para São José do Rio Preto no Hospital da Criança. Lá ela passou por exames e foi liberada.
No mesmo dia o corpo do menino que se chamaria Vitor Gabriel dos Santos Pereira foi enterrado no cemitério de Potirendaba. “O corpinho do meu filho estava formado. Eles deixaram meu filho morrer”, conta aos prantos a mãe.
O casal que já é pai de um menino de 8 anos, agora ficou apenas com o enxoval do segundo filho que tinha sido comprado no sábado anterior da morte do menino.
O que mais chama a atenção é que durante toda a gravidez Ivanize conta que não teve nenhum problema ou sentiu dores ou contrações. O parto da criança estava marcado para o fim do mês de março.
A indignação de Ivanize e Edvan é que não foi realizado exame de autópsia no bebê alegando as verdadeiras causas da morte. O próprio médico, Alexandre Mazzo, é quem assinou o laudo da morte do menino.
No dia 22 de janeiro, a mulher conta que foi ao Posto de Saúde do bairro Jardim dos Eucaliptos, o PSF II, para aferir a pressão. Ela chegou ao local por volta das 15h e conta que ficou aguardando por mais quase uma hora para ser atendida enquanto enfermeiras e agentes de saúde mexiam em celulares e trocavam mensagens de WhatsApp.
Documentos adulterados:
Na primeira semana de fevereiro Edvan solicitou para o hospital o prontuário médico da esposa para acrescentar no inquérito policial. Ele e a mulher afirmam que houve adulteração nos documentos.
“Eles colocaram no prontuário do Posto de Saúde que demos entrada às 10h, sendo que nós estávamos lá às 8h da manhã”, conta o pai.
No documento fornecido pelo hospital, os pais questionam além do documento ser feito a mão, sem prova de horário e data real, o garrancho da letra do médico Alexandre que atendeu pela última vez a paciente.
Os pais afirmam que já procuram um advogado e vão entrar com ação contra o Hospital de Potirendaba por negligência. “Nada vai trazer meu filho de volta, mas quero que me deem uma resposta do que meu filho morreu”, fala a mãe.
Prefeitura poderá demitir funcionários
No dia em que a reportagem foi publicada, a prefeitura de Potirendaba informou em nota que serão ouvidos os funcionários que estavam de plantão na ocasião a fim de apurar a denúncia e responsabilizar os envolvidos, caso necessário. Na segunda semana de fevereiro, quase 20 dias depois, nossa reportagem entrou novamente em contato com a prefeitura para saber o que tinha sido feito.
Em nota, o departamento jurídico informou que foi instaurada sindicância disciplinar pela prefeitura para apuração do caso e penalidade dos eventuais responsáveis, podendo chegar à pena de demissão.
O que diz o Hospital
O Hospital de Potirendaba disse também naquele dia que a direção da entidade ia avaliar o caso no sentido de esclarecer os fatos e se for o caso, tomar as providências cabíveis. No dia 10 de fevereiro nossa produção entrou novamente em contato com o Hospital por e-mail para saber quais medidas foram tomadas até o momento e sobre a suposta adulteração dos documentos, mas até agora ninguém retornou nosso contato.
(Matéria publicada na edição impressa da Gazeta do Interior do mês de fevereiro de 2015)
(Foto: Luiz Aranha/Gazeta do Interior