Uma reportagem publicada nesta quinta-feira no site da revista científica Nature destacou um levantamento no qual pesquisadores do grupo de estudos latino-americano ECLAMC (Estudo Colaborativo de Malformações Congênitas) questionam o surto de microcefalia no Brasil.
De acordo com os pesquisadores Ieda Maria Orioli, que é professora UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), e Jorge Lopez-Camelo, o aumento de casos da doença poderia ser atribuído ao fato de ter crescido a procura por problemas de nascença, como a microcefalia, e também por diagnósticos errados.
Segundo os pesquisadores afirmaram à publicação, pelos dados epidemiológicos que eles analisaram, é impossível estabelecer o tamanho real do surto de microcefalia.
A visão deles é contestada por outros especialistas, pelo governo e por órgãos internacionais.
Números altos demais?
Para chegar às suas conclusões, eles cruzaram dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos com seus próprios dados, que são coletados desde 1967.
De acordo com Orioli e Lopez-Camelo, a média histórica da prevalência de microcefalia no Brasil é de 2 casos a cada 10 mil nascimentos. Eles calcularam que, por exemplo, o número máximo de casos esperados em Pernambuco em 2015 era de cerca de 45. No entanto, o Estado reportou 26 vezes mais suspeitas.
“Mesmo se o zika estiver causando microcefalia, esse número é simplesmente alto demais para ser crível”, relata a revista, citando o relatório.
Segundo números divulgados nesta semana pelo Ministério da Saúde brasileiro, foram reportados 4.180 supostos casos de microcefalia desde outubro – há uma recomendação do órgão para que os Estados informem todos os casos suspeitos.
Desses, 270 foram confirmados, 462 foram descartados e 3.448 estão sob investigação. O governo afirma que as confirmações devem aumentar – esses 270 bebês com microcefalia já representam quase o dobro do número de casos registrados anualmente no país, que é de 150.
Ligação entre o vírus e a microcefalia
Os pesquisadores do ECLAMC também afirmaram que seriam necessários mais estudos, especialmente nas áreas de maior ocorrência do zika, para determinar com certeza se há relação entre o aumento de casos de microcefalia e o vírus.
Questionado pela BBC Brasil sobre o estudo, o Ministério da Saúde afirmou que confirmou a relação entre o zika vírus e a microcefalia em novembro 2015.
“O Instituto Evandro Chagas, órgão do ministério em Belém (PA), encaminhou o resultado de exames realizados em um bebê, nascido no Ceará, com microcefalia e outras malformações congênitas. Em amostras de sangue e tecidos, foi identificada a presença do vírus zika. Essa é uma situação inédita na pesquisa científica mundial. As investigações sobre o tema, entretanto, continuam em andamento para esclarecer questões como a transmissão desse agente, a sua atuação no organismo humano, a infecção do feto e período de maior vulnerabilidade para a gestante”, afirmou o ministério, em nota.
No início de dezembro, a OMS (Organização Mundial de Saúde) também confirmou a relação entre a doença e a má-formação em bebês.
O Centro de Controle e Prevenção de Doenças americano (CDC), que recomendou que grávidas evitassem viajar para países com surtos de zika, também já se pronunciou sobre a ligação entre a microcefalia e o vírus.
“Eu diria que a chance de a microcefalia não ter sido causada pelo zika vírus é extremamente pequena”, afirmou à BBC Brasil Lyle Petersen, diretor da divisão de doenças transmitidas por vetores do CDC.
Mais atenção e dificuldade em reportar microcefalia
Segundo os pesquisadores, o surto de casos reportados de microcefalia pode estar ligado à maior atenção que a doença vem atraindo, “um efeito conhecido e inevitável que pode estar revelando casos que talvez não fossem notificados em circunstâncias normais”, disseram à revista.
A publicação afirma também que especialistas ouvidos pela reportagem não concordam com a avaliação dos pesquisadores do ECLAMC.
Thomas Jaenisch, especialista em medicina tropical da Universidade de Heidelberg, na Alemanha, afirmou que os pesquisadores adotaram uma posição “extrema” e que isso pode “criar incertezas nos debates na mídia e entre o público que estão acontecendo no Brasil no momento”.
O ECLAMC também afirmou no estudo que há uma probabilidade de haver uma alta taxa de erros de diagnósticos em casos reportados, visto que o critério usado para diagnosticar microcefalia é relativamente amplo.