O nascimento de um bebê, seu primeiro sorriso, seus primeiros passos – os pais geralmente se alegram com esses marcos iniciais na vida de seus filhos. Tais momentos especiais são frequentemente capturados em fotos e apresentados com orgulho a parentes e amigos. Embora possa ser irritante para alguns, isso nunca chegou a ser um problema – desde que o álbum de fotos sumisse de volta na estante. Com o advento das redes sociais, no entanto, cada vez mais fotos de crianças são postadas publicamente na internet, algo que pode ter consequências indesejadas no futuro.
1.300 fotos antes do 13º aniversário
“Em última análise, muitas vezes se trata de reconhecimento por meio de mecanismos como curtidas ou corações, por exemplo”, explica Sophie Pohle, consultora de educação em mídia do Fundo Alemão para Crianças em Berlim.
Às vezes, acrescenta a especialista, compartilham-se desde as primeiras imagens do ultrassom, mas também fotos na praia, de festas de aniversário ou do primeiro dia na escolinha. “Em princípio, não há nada que não seja mostrado.”
Há também casos em que crianças pequenas são comercializadas para fins publicitários, quando influenciadores digitais as usam em anúncios de cosméticos ou roupas de bebê, por exemplo. E no entanto, todo mundo tem direito à sua própria imagem. E isso se aplica também – e especialmente – às crianças.
Até os 13 anos de idade, cada criança já possui, em média, cerca de 1.300 fotos circulando na rede, alertou a ativista pelos direitos infantis Anne Longfield em um relatório de 2018, quando atuava como Comissária da Infância na Inglaterra. O fenômeno tem até um nome próprio: “sharenting”, formado pelas palavras em inglês “to share” (compartilhar) e “parenting” (parentalidade).
Consequências da postagem indiscriminada de fotos
Mas a internet não esquece jamais. Essa frase conhecida pode, de fato, tornar-se um problema. Por exemplo, quando as próprias crianças não estão satisfeitas com suas fotos.
“O que os pais descrevem como fofo, às vezes é visto pelas crianças como incrivelmente embaraçoso”, explica a consultora do Fundo Alemão para Crianças. “E se algo assim entra em circulação pública, é claro que pode se tornar alvo de bullying, insultos ou comentários de ódio.”
Ela aponta que as imagens também podem ser um problema mais tarde, em processos de seleção para um emprego, por exemplo, quando o departamento de RH de uma empresa resolve pesquisar no Google sobre determinado candidato e se depara com “fotos realmente desagradáveis”.
Foi justamente para chamar a atenção para problemas como esses que a blogueira Toyah Diebel lançou em 2019 o projeto #deinkindauchnicht (seu filho também não, em alemão). A ideia por trás: “Uma foto sua assim, você jamais postaria. Seu(sua) filho(a) também não.”
Além disso, muitas vezes não é apenas o rosto da criança que aparece nas fotos, mas também seu ambiente privado: o quarto, a casa, o jardim. Também é comum que tais imagens venham acompanhadas de dados adicionais, como o nome da criança ou sua data de nascimento.
“Esses dados acoplados também podem ser usados para tirar conclusões sobre onde a criança mora”, alerta Sophie Pohle. E isso não é um problema somente sob o prisma da proteção de dados: “Claro que sempre existe o risco de que tais informações e imagens caiam nas mãos erradas e circulem em círculos de pedófilos, por exemplo”.
Em 2019, um relatório do portal online jugendschutz.net, criado por meio de uma parceria entre os governos federal e estaduais da Alemanha, apontava que o Instagram era usado por uma rede de “pessoas com interesse sexual em crianças”. Redes do tipo, conta a especialista, pegam fotos de crianças e as compartilham acompanhadas de hashtags ou comentários sexuais.
Poucos se dão conta do alcance do material compartilhado. “Os pais têm uma noção relativamente boa de que postagens públicas no Facebook, TikTok ou Instagram são problemáticas”, afirma Pohle. “Ao mesmo tempo, eles veem [aplicativos como] Messenger e Whatsapp como algo mais ou menos privado e, acabam compartilhando lá de forma ainda mais desinibida.” Por meio da função de status, por exemplo, todo o círculo de conhecidos pode ter acesso às fotos.
“O cerne da questão é quão grande é o senso de responsabilidade dos pais neste assunto e como isso se reflete, por exemplo, nas configurações de privacidade nas redes. Eu realmente compartilho as fotos publicamente ou apenas com meus seguidores?”, pontua Pohle, lembrando que nem mesmo em um chat privado se pode ter absoluta certeza de que uma foto não será repassada sem permissão.
Compartilhar imagens de crianças pode ser proibido por lei
Para coibir a divulgação particularmente excessiva de imagens com potencial de ferir a dignidade, a França segue agora um caminho único no mundo: quer proibir os pais de compartilhar fotos de seus filhos nas redes sociais sem a permissão dos menores.
Um projeto de lei sobre o tema prevê que, em caso de divergências entre os pais, possam ser adotadas inclusive ações legais, como proibir um dos pais de postar ou compartilhar fotos de seus filhos sem a permissão do outro. Em casos extremos, os pais poderiam até perder o direito de controlar os direitos de imagem de seus filhos.
A nova proposta dá também especial atenção à “exploração de imagens infantis em plataformas online”. Nesses casos, a renda adquirida através do uso comercial de fotos de crianças deve ser depositada em uma conta que os jovens tenham acesso a partir dos 16 anos.
O texto prevê ainda um “direito ao esquecimento”, segundo o qual as crianças poderiam ter suas próprias fotos e vídeos removidos da internet posteriormente, se assim o desejarem.
No geral, Pohle avalia o projeto de lei francês de forma positiva. Ele reforça, afinal, os direitos individuais dos menores já consagrados na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança.
“A questão não é que a postagem de fotos de crianças na internet deva ser proibida como um todo, mas evitar o uso excessivo e desrespeitoso delas nas redes sociais”, diz Pohle.
“O direito à própria imagem significa que cabe a cada pessoa decidir por si mesma que imagens suas podem ou não ser publicadas. E é por isso que é absolutamente importante, do ponto de vista dos direitos da criança, envolvê-las na decisão e também aceitar um não em vez de simplesmente ignorá-lo.”
O projeto legislativo francês é inédito no mundo. Sendo assim, avalia Pohle, a educação ainda é o principal meio de proteger as crianças das consequências indesejadas do compartilhamento de imagens. Em creches, escolas, plataformas de mídia social, mas também e principalmente com os próprios pais.
Em primeiro lugar, as famílias “devem desenvolver um entendimento comum de como tratar fotos com respeito e responsabilidade”, diz Pohle . “Isso porque, o mais tardar quando as crianças ganham seu primeiro smartphone, elas mesmas entram nas mídias sociais, onde, é claro, também são fortemente influenciadas pela maneira como isso era abordado pela família.”