A organização não governamental Fare Network fez durante todo mês de fevereiro uma campanha global para chamar a atenção para a homofobia no futebol. O “Football v Homophobia” é uma iniciativa que desde 2010 busca promover ações positivas contra a discriminação com base na identidade de gênero no esporte. Em 2016, cerca de 20 grupos europeus, entre clubes, ligas e ONGs, aderiram à campanha e organizaram atividades relacionadas a luta contra a homofobia em diversos países europeus.
Terminado o mês de fevereiro, a preocupação da organização é com as Olimpíadas no Brasil. A ONG acompanhou de perto a Copa do Mundo de 2014 no Rio de Janeiro, onde fez um relatório constando 14 incidentes. E já entraram em contato com a organização Rio 2016 se oferecendo para acompanhar de perto os jogos Olímpicos.
Em entrevista para o Portal EBC, a assessoria da Fare Network explica sua preocupação: “Uma sociedade multiétnica como a do Brasil não é geralmente associada a questões de discriminação, mas esta ideia contrasta com uma realidade de uma população racialmente diversificada, mas economicamente estratificada em que o racismo é muito presente. Em 2013, a ONU disse que o racismo no Brasil permanece institucionalizado e injustiças históricas continuam a afetar profundamente a vida de milhões de brasileiros”.
“O racismo é e tem sido uma parte do esporte brasileiro, não apenas no futebol, mas vôlei e outros esportes e há uma série de exemplos que comprovam. Atletas de futebol ou handebol brasileiros também foram submetidos ao racismo ao jogar no exterior,” afirma a Fare Network.
A antropóloga brasileira Ana Paula da Silva, autora do livro “Pelé e o complexo de vira-latas: discursos sobre raça e modernidade no Brasil”, explica que a discriminação não é específica do contexto brasileiro, mas de uma visão de esporte.
“O esporte, que acaba sendo identificado com a nação, não comporta a diversidade. A noção de que a construção da nação é uma representação viril e eugênica passa também para as modalidades que são identificadas como a nação. Dentro desse contexto, pode-se explicar o porquê de tantos incidentes de esportes que representam nações em relação ao racismo, misoginia e homofobia. Nessa visão de que existe uma “guerra” em campo, as armas utilizadas, geralmente, pelas torcidas, são as ofensas racistas, homofóbicas, xenófobas, etc.”, explica.
A Fare Networking também faz um alerta específico em relação a homofobia e o machismo no país. “Em relação a homofobia, a percepção geral é que o Brasil é um país gay-friendly, mas a realidade é que a violência homofóbica está aumentando. Em 2014, de acordo com grupos de direitos LGBT no Brasil, o ritmo de assassinato de homossexuais e transexuais estava perto de um por dia. Incidentes homofóbicos foram testemunhados nos estádios de futebol durante e depois da Copa do Mundo de 2014 e tem havido pouca resposta a eles. Cantos sexistas e homofóbicas, como bicha, viado ou mulherzinha continuam a ser muito comuns.”, contam.
Apesar do alerta, a ONG diz que “acredita que esses eventos são uma oportunidade para aprofundar as discussões em torno dos direitos humanos e questões de discriminação e deixar um legado social no país.”
Já a antropóloga Ana Paula acredita que é preciso muito mais trabalho para mudar o contexto atual. “Não sei se campanhas como abertura de faixas contra a homofobia ou racismo melhorariam a situação. O que talvez minimizasse esses problemas seria a desconstrução dos esportes nacionais. Nesse sentido, as categorias cor/raca, sexualidade, gênero, classe, entre outras, são combustíveis que quando acionadas transformam-se em xingamentos, particularmente da torcida adversária”, explica.
Para ela, “essas questões tem elos mais profundos e que só mudando a perspectiva dos esportes pode ser que alguma coisa mude a longo prazo. Resta saber se os grandes investidores dos mega- eventos esportivos estão, de fato, interessados nessas mudanças.”
A Fare Networking afirma que, até por ser uma organização europeia, ainda não recebeu denúncias brasileiras. Mas que compila mensalmente incidentes no futebol pelo mundo, inclusive os acontecidos no Brasil, que são noticiados em redes sociais e pela mídia. A organização informa que caso alguém presencie algum incidente pode denunciar pelo site da entidade. A ONG ainda aponta está implementando um projeto mundial com a Fifa para observar práticas discriminatórias nas eliminatórias para o Mundial de 2018.