Uma onda de assassinatos apavora os moradores de Cruzeiro, no Vale do Paraíba, interior de São Paulo. De forma ousada, os assassinos divulgam nas redes sociais a lista com nomes e fotos de quem vai morrer. Depois dos crimes, republicam a listagem dando “baixa” em quem já foi eliminado. A cidade está entre as mais violentas de todo o Estado.
Entre dezembro e o início de janeiro foram 11 homicídios, quatro deles neste mês. A polícia rechaça a hipótese da ação de facções criminosas e afirma que as mortes estão relacionadas a rixas entre traficantes em bairros da periferia.
Pouco antes da meia-noite de 12 de dezembro, um comerciante se preparava para fechar seu quiosque de lanches na Praça 9 de Julho, no centro da cidade, quando um rapaz entrou no local, deu dois passos e disparou a arma contra Wellington Charles Avelar, de 19 anos, que comia um lanche ao lado da namorada grávida. “Foram três tiros e, quando vi, o rapaz estava caído, ensanguentado, a menina gritando”, contou o comerciante. O atirador, de 16 anos, foi apreendido e mandado para a Fundação Casa. Segundo a polícia, o jovem também já entrou numa lista de marcados para morrer.
Com 43 homicídios, 2021 foi o ano mais sangrento em Cruzeiro desde 2001, quando a estatística da criminalidade passou a ser feita pela Secretaria da Segurança Pública (SSP). Com 82,5 mil habitantes, a cidade assumiu o primeiro lugar entre as mais violentas do interior, segundo dados preliminares da Polícia Civil. Em 2020, quando teve 33 mortes dolosas, era a quinta pior cidade no Índice de Exposição à Criminalidade Violenta (IECV) medido pelo Instituto Sou da Paz.
REDE SOCIAL
O número de homicídios em Cruzeiro vem subindo desde 2017, quando houve 15 mortes. No ano seguinte, foram 18; em 2019, 28. Ao investigar os casos, a polícia teve acesso a vários perfis falsos na rede social Facebook, usados para a divulgação dos crimes.
As fotos das pessoas “procuradas” eram publicadas em uma das páginas e, após o assassinato, o mesmo perfil republicava a imagem com um “x” sobre o rosto da vítima.
Um dos “baixados” era um homem de 33 anos, filho de um catador de recicláveis de 57 que pediu para não ser identificado para “não entrar na lista”. Em 19 de janeiro de 2021, ao chegar ao seu apartamento, ele encontrou o filho caído, com o corpo perfurado por tiros. “O cara chamou, meu filho não saiu, e ele arrebentou a porta com um chute”, disse o pai. Três meses depois, o rapaz apontado como autor do crime foi emboscado e morto a tiros em um carro com outros três amigos. Um deles também morreu. Dois suspeitos foram presos.
Para a delegada seccional de Cruzeiro, Sandra Maria Pinto Vergal, as mortes estão ligadas a desavenças e vinganças entre quadrilhas dos bairros Vila Romana e Vila Batista, quase sempre causadas por drogas. “Acontece uma morte de um lado, e amigos da vítima se vingam, matando alguém do outro lado.” Segundo ela, os grupos ocuparam e transformaram em uma espécie de “bunker” um conjunto de pequenos prédios para a população de baixa renda. “Seis dos homicídios aconteceram lá, mas vigora a lei do silêncio, o que dificulta a investigação.”
Conforme informou a Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo, a taxa de esclarecimento dos homicídios em Cruzeiro oscilou de 90% a 70% de janeiro a novembro. Dos crimes registrados em dezembro, mais da metade foi esclarecida e os outros continuam em investigação, com possibilidade de serem elucidados até o final de fevereiro.
“SÓ NA CARA”
“Este vai ser só na cara, chefe. Pode pá, que o velório amanhã já vai sair”, diz um criminoso pelo celular. Horas depois, o mesmo interlocutor informa que matou a pessoa errada. “Não sei quem era o cara, entendeu? Desceu e arrebentou, parça.”
O diálogo ocorreu em um período em que duas pessoas foram assassinadas e outras duas ficaram feridas no conjunto habitacional citado pela delegada. Foi encontrado pela polícia no celular de uma delas.
Procurada, a assessoria da Meta/Facebook disse não permitir a presença de “organizações ou pessoas que estejam envolvidas em violência” na rede social. Segundo a nota, são removidos “conteúdos e contas associadas a esses comportamentos”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.