sexta-feira, 20 de setembro de 2024
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O trunfo

Nomes próprios, via de regra, não devem ser traduzidos de uma língua para outra. Uma pessoa que se chama Luiz aqui no Brasil continuará a ter esse nome mesmo mudando-se…

Nomes próprios, via de regra, não devem ser traduzidos de uma língua para outra. Uma pessoa que se chama Luiz aqui no Brasil continuará a ter esse nome mesmo mudando-se para outro país. O que existem são nomes correspondentes como, nesse caso, Louis, em inglês, e Luigi, em italiano. Há exemplos de línguas cujas palavras são impronunciáveis em outro idioma, como o hebraico e o aramaico, para citar apenas dois, em que se faz uma transliteração, que é o processo de representar os caracteres de uma escrita pelos de outra, o que também não é uma tradução.

Se o nome do presidente estadunidense eleito pudesse ser traduzido, ou se traduzíssemos o substantivo da língua inglesa “trump”, um de seus significados seria “trunfo”, em referência às cartas de baralho, ou ainda, poderíamos traduzir como “proclamar” o verbo “to trump”, também “ultrapassar, exceder”, entre outras possibilidades, dependendo do contexto.

Como as palavras podem ter vários significados, de acordo com a situação em que são usadas, como é o caso de manga, em português, podendo se referir à fruta ou a uma parte do vestuário, as acepções do vocábulo “trump” acima citados, parecem se encaixar nos atuais contextos da vida do milionário e, agora, também presidente da (ainda) maior potência mundial, Donaldo Trump. E quais são esses contextos?

No campo político o trunfo foi inquestionável. Saiu como candidato tendo grande oposição dentro do próprio partido republicano, sem mencionar aqueles que o abandonaram durante a campanha. Eleito, em seu primeiro discurso, mudou o tom enfático e ameaçador usado durante todo o pleito eleitoral, assim como seus adversários, afinal, ninguém faz nada sozinho, nem para o bem muito menos para o mal. Naquele discurso também acenou com intenção para relações de boa amizade (ou apenas diplomacia) com outros países, especialmente, o México, a propósito da suposta construção de um gigantesco muro na divisa entre seus países.

Se mudou de opinião, após “ultrapassar” linhas diplomáticas, na opinião de muitos, só saberemos mais tarde. O que muitos sabiam a respeito da eleição americana e, especificamente, de Trump, é que a candidatura dele era como aquelas caixas surpresas que, ao serem abertas, salta de dentro um palhaço. Com exceção do tipo de personagem, que pouquíssimas vezes se assemelhou a um palhaço, todos sabem que, se a caixa for aberta, o que está no interior vai pular para fora. E sempre vai assustar. Mas, politicamente, ele “excedeu” quase todas as expectativas e previsões.

Na área econômica, é sabido que não será possível que ele consiga cumprir todas as suas promessas. É muito improvável e quase, irrealizável, o compromisso de trazer de volta às terras daquele país as indústrias norte-americanas espalhadas por outros países, principalmente pelo lucro obtido por elas estando fora das fronteiras daquele país, especialmente em razão da mão de obra barata encontrada em outros mundos. Não acredito que os empresários da maior nação capitalista do planeta irão abrir mão de seus polpudos ganhos para dar mais empregos aos americanos. Até porque a área social não é o foco da nova administração, que pretende acabar com o denominado “Obamacare”, lei que tornou os cuidados de saúde mais acessíveis a um número maior de norte-americanos.

Com relação aos efeitos da eleição de Trump na economia Brasileira, a característica imprevisível do empresário-presidente não pode ser deixada de lado, no entanto, durante toda a campanha ele não falou nada sobre nosso país e também não abordou temas ligados à América Latina. Aliás, Trump é sócio de um hotel no Rio de Janeiro, além de manter outros negócios por aqui.

Mais preocupante para nós brasileiros deveria ser a declaração feita pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, durante entrevista ao Jornal Correio Braziliense, no último dia quatro de outubro (postada dia nove), quando disse que “O Brasil passa por uma tremenda crise fiscal. Olha que eu peguei pepinos grandes, mas, desse tamanho, nunca vi. E o governo Temer já tem definido o seu caminho, mas as pessoas não sabem. Tem de explicar, falar”.

Outro contexto pouco abordado da vida de Trump é o religioso. Cenário, ao que parece, decisivo na sua vitória. Talvez o “trunfo” na manga ou no meio de seu grupo de cartas do jogo.

Durante o processo de pré-campanha ele fez a seguinte declaração: “Sou evangélico. Eu sou presbiteriano e tenho orgulho disso”. Afirmou ainda: “Eu vou ganhar e serei o maior representante que os cristãos já tiveram em um longo tempo”. Sem entrar no mérito se a prática condiz com a teoria, grande parte dos líderes evangélicos envolvidos na campanha dele estavam convictos de que ele seria a opção mais acertada, tendo em vista seu posicionamento conservador diante de temas polêmicos como o casamento entre pessoas do mesmo sexo e o aborto, assim como seu vice, Mike Pence, que se descreveu em uma entrevista como como “cristão, conservador e republicano, por esta ordem de importância”.

O perfil dos eleitores demonstra que votaram em Trump sessenta por cento dos protestantes, cinquenta e dois dos católicos, sessenta e um dos mórmons e cinquenta e cinco de outros cristãos.

Outro fato importante a ser destacado foi a reunião de Trump com Benjamin Netanyahu, atual chefe do partido conservador e primeiro-ministro de Israel, no dia 25 de setembro desse ano, quando aquele prometeu que reconheceria Jerusalém como a capital “unificada” de Israel, se fosse eleito presidente dos Estados Unidos. Eleito, recebeu os parabéns de Netanyahu, que classificou Trump como “verdadeiro amigo de Israel”.

Antes disso, ainda, grandes líderes evangélicos norte-americanos declararam que Trump seria presidente. Muitos profetizaram que Deus teria escolhido Trump. Profecias surgidas desde de 2011, quando o bilionário nem sequer era candidato, seguidas de outras nos anos posteriores.

Não bastasse isso, a Revista Forum divulgou matéria sobre o artigo publicado em julho deste ano pelo site Huffington Post US, no qual o aclamado e polêmico cineasta, escritor e documentarista norte-americano Michael Moore listou cinco razões pelas quais Donald Trump seria eleito o décimo quinto presidente dos Estados Unidos, quando foi enfático dizendo: “Esse palhaço desprezível, ignorante e perigoso, esse sociopata será o próximo presidente dos Estados Unidos. Presidente Trump. Pode começar a treinar, porque você vai dizer essas palavras pelos próximos quatro anos: ‘Presidente Trump’. Nunca na minha vida quis estar tão errado como agora”. E não errou mesmo.

O que a vitória de Trump tem em comum com a política mundial é o avanço recorrente da conquista de espaço de partidos e candidatos de extrema direita na governança de muitos países. O que difere do Brasil é que lá, apesar dos protestos e insatisfação de uma parcela considerável de cidadãos, autoridades e políticos, não haverá impeachment. Aqui o vermelho é out. Lá o vermelho é in.

Odiado ou ovacionado, personagem ou modelo, hater ou conservador, populista ou oportunista, palhaço ou incompreendido, seja qual for o adjetivo escolhido para caracterizar Donald Trump, uma coisa é certa, ele pode até parecer louco, mas não é bobo. Ou será mais que isso? Um trunfo do próprio Deus, a ser “proclamado” um escolhido para proteger Seu povo, desacreditado e zombado, a exemplo de outros personagens da história bíblica?

Sérgio Piva

s.piva@hotmail.com

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