quinta, 28 de novembro de 2024
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O governo tem que dar dinheiro para o povo, diz FHC

Sentado em seu escritório, Fernando Henrique Cardoso se mostra um político nato, mesmo aos 89 anos. Com um poder de articulação raro e uma postura bastante sensata, o ex-presidente da…

Sentado em seu escritório, Fernando Henrique Cardoso se mostra um político nato, mesmo aos 89 anos. Com um poder de articulação raro e uma postura bastante sensata, o ex-presidente da República expôs suas opiniões sobre o Brasil de 2021, em meio à pandemia da covid-19, e disse que faria diferente.

Ao programa Tela Política, do Tela2, plataforma de vídeos e streaming do SBT no interior, FHC afirmou que sua gestão de pandemia seria de apoio ao uso de máscara e isolamento social, disse que governo Bolsonaro precisa falar mais e lamentou o posicionamento relacionado ao meio ambiente. Leia alguns trechos da entrevista:

O senhor acredita que é possível fazer uma frente ampla para as eleições de 2022 no Brasil?

FHC: Não creio que, diante das circunstâncias do Brasil e do mundo, a esquerda tenha possibilidade de fazer um presidente. Ela se aproximou dessa possibilidade com o Lula, mas é uma esquerda suave, digamos, a do Lula. Acho difícil também uma frente ampla porque não existe um partido que simbolize isso. São vários partidos. Não se faz política no céu, se faz na Terra, onde todos querem destaque. Eu nunca tive o sonho de ser presidente. Simplesmente aconteceu. Comecei na política para atrair a ala intelectual e jovem e na época eu tinha essa capacidade. Depois, virei ministro, mesmo sem querer, e as coisas foram acontecendo.

PSDB saiu desidratado das eleições de 2018. Como o partido chega para 2022?

FHC: O PSDB será fortalecido em 2022 dependendo de quem for o candidato. O partido mais forte sempre foi o PMDB, agora MDB. É preciso ter uma certa capacidade de se dar com os outros, inclusive quem quem pensa igual a você. Quem quer chegar lá, precisa de apoios. Tem que ter apoios. Muitos querem ser candidatos, mas é necessário apoio popular. Não adianta a pessoa querer ser. O outro tem que querer que ela seja. É preciso ter liderança, e liderança política, que é diferente da liderança individual.

Como o senhor enxerga a política internacional do Brasil hoje?

FHC: Estamos perdendo espaço no mundo. Hoje o mundo está preocupado com alguns poucos temas, e estamos andando na contramão. Meio ambiente é um tema que você precisa expressar que é a favor da defesa do meio ambiente. O Brasil tem condições de crescer economicamente e ser a favor do meio ambiente. Outra coisa é que eu acho que o Brasil perdeu a capacidade que tinha do não alinhamento. Somos um país de raças diferentes, sempre tivemos capacidade de falar com vários setores e estamos perdendo isso.

O presidente Bolsonaro demonstra um entusiasmo ilimitado para um lado. Não tem que mostrar nada. A China tem peso no mundo, a Europa tem peso no mundo, a Índia tem peso no mundo, Estados Unidos também e a América Latina existe. Estamos ficando marginalizados por termos demonstrado, antes da hora, o nosso lado.

Se essa pandemia tivesse acontecido no seu governo, qual seria a sua postura?

FHC: Bastante diferente. Eu seria a favor do uso de máscara, isolamento social, apesar do custo econômico. A vida vale mais que tudo. Um grave engano do presidente é menosprezar os riscos que o vírus causa a todos nós. Tudo andou para trás, quem tem a ilusão de achar que não? O mercado de trabalho mesmo. Hoje o Brasil tem de 20 a 25 milhões de pessoas desempregadas ou que não são empregáveis, é uma quantidade muito grande. O governo tem que dar o que pode de dinheiro, nossa dívida vai aumentar e tudo isso é negativo. Mas isso não quer dizer que o Brasil não tenha que atender em primeiro lugar a saúde das pessoas. Não adianta ter ideologia, tem que ter ação.

Falando, agora, de economia. Os índices de desempregos estão altíssimos no país e a gente sabe que é preciso uma ação mais ampla para gerar empregos. Quais pilares devem ser fortalecidos hoje para que isso aconteça?

FHC: O desemprego no Brasil é grande há muito tempo. Mas agora está muito grande. Isso não vai ser resolvido só pela regra do mercado. No início, é preciso dar dinheiro, não para sempre, mas é preciso. No geral, a economia só será recuperada quando houver um ciclo de crescimento. Nós não estamos em um ciclo de crescimento e isso não é só aqui, é no mundo. Aqui vai ter que ter apoio por mais tempo, mas não pode ser por toda a vida. É preciso uma política de investimento do governo e do setor privado. O setor privado quer garantias. O capital é medroso. Se a situação não estiver adequada, eles vão embora. Temos que criar essas condições. Não existe boa economia sem um bom governo. E não é que o governo tenha que tomar conta, mas precisa dar estabilidade. É preciso criar um clima de confiança.

Sem as reformas estruturantes isso é possível?

FHC: Não. Tem que fazer reforma. Essa questão de fazer reforma não termina nunca, tudo vai mudando e é necessário. No tempo do Plano Real, o gasto público era descoordenado. Foi difícil colocar isso em ordem, convencer o governo de que era necessário. Só se tem apoio quando se obtém resultados, mas para ter resultados era necessário isso. Quando eu era ministro, começando o Plano Real, fui chamado para dar uma entrevista no SBT e o Silvio Santos me entrevistou e deu um show, entendeu tudo, deu tudo certo. O governo tem que explicar, mostrar que vai dar a solução e por que. Se você não é capaz de se comunicar, não adianta.

Bolsonaro está sabendo fazer isso?

FHC: Ele não sabe, ele se comunica do jeito dele, que é bruto, pega um setor da população, mas ele não sabe. Alguém tem que ser capaz de falar, explicar porque pode dar certo. Está faltando isso.

O tema meio ambiente também vem sendo muito debatido no mundo. O crescimento do desmatamento na Amazônia chama a atenção, a fiscalização fraca. O que o senhor pensa sobre isso?

FHC: Essa postura é traumática e vai ser pior. Não é difícil perceber que é geracional. Os jovens de hoje se interessam sobre essa questão. Eles sentem essa questão e o nosso governo emite sinais errados nesta matéria. Não sei se fazem errado, mas passam essa impressão. A Amazônia é o símbolo do futuro no mundo. Queimar a Amazônia é queimar o futuro. Ela sempre foi queimada, mas é preciso mostrar que o governo está empenhado em combater isso.

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