segunda, 18 de novembro de 2024
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Nova lei prioriza investigação de assassinatos de menores

Uma nova lei em vigor no estado de São Paulo determina que a polícia passe sinalizar os inquéritos policiais físicos e virtuais de menores de 18 anos de idade vítimas…

Uma nova lei em vigor no estado de São Paulo determina que a polícia passe sinalizar os inquéritos policiais físicos e virtuais de menores de 18 anos de idade vítimas de homicídios dolosos e culposos com a frase “Prioridade – Criança e Adolescente”.

Proposta por um grupo de deputados, ela foi aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo governador João Doria (PSDB) no dia 13, logo após o Dia das Crianças.

O objetivo, segundo os autores, é exigir que a investigação de morte de crianças e adolescentes seja tratada como prioritária pela Polícia Civil.

Levantamento inédito feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Unicef aponta que 7 mil crianças são mortas em média por ano.

O mapeamento ainda mostra que o estado de São Paulo tem a maior proporção de mortes de crianças e adolescentes de 10 a 19 anos cometidas por policiais do país.

Especialistas divergem
Ricardo Silvares, Promotor de Justiça do 5º Tribunal do Júri da Capital e assessor da Procuradoria-Geral de Justiça, defende como positiva a criação da lei.

“Essa prioridade é importante. Nós temos infelizmente uma gama de crimes cometidos com o resultado morte que envolvem crianças e adolescentes. Eu acho que é uma opção válida a de dar prioridade a essas investigações”, falou Ricardo.

Entretanto, na avalição do advogado Ariel de Castro Alves, membro do Instituto Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, a proposta tem pouco efeito prático.

Ele diz ser preciso investir na criação de delegacias especializadas para crianças e adolescentes. Assim como já ocorre com as unidades policiais exclusivas para investigar casos envolvendo mulheres e idosos.

“Como São Paulo é o único estado do país sem delegacias especializadas de proteção das crianças e adolescentes, os impactos dessa lei devem ser pífios”, falou Ariel.

Debate
Ambos os especialistas questionam, porém, como que a lei será cumprida e fiscalizada, para que a os crimes contra crianças e adolescentes sejam, de fato, tratados investigações prioritárias.

“Se isso vai dar resultado, só o tempo vai dizer. As prioridades, quando são colocadas na lei, elas podem surtir efeito e o que se espera é que surtam efeito”, falou o promotor que cuida de crimes dolosos contra a vida, como assassinatos.

“As investigações, elas precisam andar rápido e ter prioridade porque quanto mais longínquo do crime, mais difícil a coleta de provas desse tipo de conduta. As investigações de homicídio são exemplos bem clássicos dessa necessidade de se dar prioridade a esse delito”, disse Ricardo.

“Isso vai depender das correições da Delegacia-Geral de Polícia e da Corregedoria [da Polícia Civil]”, defendeu Ariel.

De acordo com ele, as investigações envolvendo crianças e adolescentes como vítimas demoram, em média, dois anos para serem concluídas no Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).

“Que na maioria dos casos, nada concluem. Exceto os casos de grande visibilidade na mídia, que as apurações acabam sendo priorizadas”, falou o advogado.

Menino Ítalo
“Quem sabe casos como do menino Ítalo acabem sendo investigados e processados com mais agilidade”, disse Ariel a respeito da morte de Ítalo Ferreira de Jesus de Siqueira.

O garoto de 10 anos foi morto pela Polícia Militar (PM) em junho de 2016 durante perseguição após ele ter furtado um carro com um amigo de 11 no Morumbi, Zona Sul de São Paulo.

Ítalo tomou um tiro na cabeça. Cinco policiais militares que participaram da ocorrência são réus no processo pelo qual respondem pelos crimes de homicídio do menino e fraude processual. A Polícia Civil levou nove meses para concluir o inquérito do caso e inocentar os agentes, informando que eles agiram em legítima defesa porque Ítalo estava armado e atirou contra os policiais.

O Ministério Público (MP) discordou e denunciou os PMs à Justiça por homicídio e fraude processual. Nesta sexta-feira (15) teve início a audiência de instrução do caso, que pode preceder um eventual julgamento dos cinco agentes, que são réus no processo.

Caso Guilherme
Outro caso envolvendo menor de 18 anos de idade que teve repercussão foi o do assassinato de Guilherme Guedes.

O adolescente de 15 anos foi morto com dois tiros na cabeça em junho de 2020 em São Paulo. O caso foi investigado pelo DHPP, que apontou a participação de um PM e de um ex-policial militar no crime.

Na semana passada, o policial militar foi absolvido pela Justiça pelo homicídio de Guilherme. Outro réu, o ex-PM ainda não foi julgado. Nesse caso, entre o início da investigação e as prisões dos suspeitos se passaram 11 meses.

“Sem termos delegacias especializadas de proteção de crianças e adolescentes, com profissionais qualificados para realizarem escutas especializadas de crianças vítimas ou testemunhas, e sem centros de referência de criança e adolescentes, que façam acompanhamento social e psicológico das crianças e adolescentes vítimas e testemunhas, a eficácia dessa lei estadual deve ficar comprometida”, falou o advogado.

O projeto de lei
O projeto de lei foi proposto de forma conjunta pelas deputadas Erica Malunguinho (PSOL), Marina Helou (Rede) e Patrícia Bezerra (PSDB), e os deputados Paulo Fiorilo (PT) e Delegado Bruno Lima (PSL).

Segundo Marina Helou, apesar de existir uma lei federal de 2017 que determina que casos de crimes envolvendo crianças e adolescentes sejam prioritários, ela entende que ela é genérica e não surte efeito prático.

“Por mais que exista uma previsão genérica para a priorização das investigações dos crimes praticados contra crianças e adolescentes, faltam instrumentos para garantir essa priorização. Se um inquérito que apura a morte de uma criança fica parado, a sociedade civil ou os órgãos de controle não têm como cobrar a celeridade naquela investigação. A Lei de minha autoria, além de garantir a celeridade na investigação, busca justamente trazer essa possibilidade de cobrar sua conclusão”, falou Marina ao g1.

A parlamentar acredita que, por meio da lei, o estado conseguirá dar celeridade às investigações que envolvem menores de idade.

“Com a Lei, a minha esperança é que os procedimentos investigatórios sobre estes crimes cometidos contra nossas meninas e meninos ganhem celeridade, e que as famílias destas crianças tenham uma rápida resposta sobre o que causou a morte de seus filhos”, disse Marina.

De acordo com ela, muitos casos ainda permanecem sem um desfecho.

“O que intensifica a dor destas famílias e aumenta a sensação de impunidade em nossa sociedade. A sanção é uma vitória para o Comitê e um grande passo na consolidação de uma agenda de prevenção e redução da morte violenta de nossos meninos e meninas.”

E para os críticos da nova medida, a deputada diz que “apenas uma etiqueta em um inquérito policial já seria ótimo.”

“Porque precisamos disso. Apesar do ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente] determinar a prioridade da vida das crianças e dos adolescentes, até hoje não temos essa identificação em inquéritos policiais, denúncias do MP [Ministério Público] e processos do TJ [Tribunal de Justiça]. O que dificulta demais a consolidação do princípio do ECA. Para construir essa Lei, escutamos operadores do sistema de justiça que disseram ter dificuldades em identificar casos em que crianças e adolescentes configuram como vítimas justamente por não existir essa identificação”, falou Marina.

A deputada falou que caberá ao Ministério Público fiscalizar a implantação das etiquetas de identificação nos inquéritos, bem como cobrar que a polícia priorize as investigações com crianças e adolescentes como vítimas.

“Caberá ao MP fiscalizar a implantação dos termos desta lei. E a questão de trazer marcadores para a fiscalização da atividade policial, como é a referida Lei, amplia a capacidade da sociedade e do Ministério Público de poder cobrar da polícia celeridade e atuação na investigação”, disse Marina.

Secretaria da Segurança
Procurada para comentar o assunto, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou por meio de sua assessoria de imprensa que “desde quarta-feira (13), quando a lei citada entrou em vigor, todos os inquéritos envolvendo menores que estão em andamento estão sendo etiquetados.”

Ainda de acordo com a pasta, “vale lembrar que todos os procedimentos envolvendo crianças e adolescentes já são prioritários”.

A SSP informou ainda que a Polícia Civil conta com duas delegacias especializadas no Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), que cuidam de casos envolvendo menores de idade: a 4ª Delegacia de Repressão à Pedofilia e a 5ª Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Criança e o Adolescente.

“As 138 Delegacias de Defesa da Mulher (DDM) também atendem crianças e adolescentes vítimas de violência ou abusos, com acolhimento e atendimento especializado. Além disso, todos os distritos policiais do Estado são capacitados a acolher essas vítimas”, segundo a SSP.

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