sexta-feira, 20 de setembro de 2024
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“Nataro”

Memória de infância é algo forte, tão forte quanto o Sansão na plenitude de sua cabeleira ou o Super-Homem longe da kryptonita. E uma das minhas memórias de infância é…

Memória de infância é algo forte, tão forte quanto o Sansão na plenitude de sua cabeleira ou o Super-Homem longe da kryptonita. E uma das minhas memórias de infância é o sorvete do Natal, do Nosso Bar.
Como se sabe — pelo menos para quem me conhece há mais de três décadas —, nasci e cresci dentro do Frangão, de meu pai, que a propósito fica a poucos passos da famosa sorveteria. Uma coincidência mais que importante, seja para o deleite do meu paladar, seja para a felicidade das minhas sempre ansiosas células adiposas.
Apesar do terrível ceticismo de alguns, sempre trabalhei com meus pais no Frangão aos sábados, domingos e feriados, desde os sete anos de idade. E muitas vezes o pagamento era em vaca-preta com sorvete de ameixa. Copão duplo, colherinha comprida, canudinho e uma garrafinha de Coca-Cola. O que a gente não faz por uma vaca-preta de sorvete de ameixa do Natal… Eu topava até acordar cedo na época — algo quase impensável hoje em dia.
Natal.
Esse foi o “nome brasileiro” dado a um ilustre japonês fernandopolense. Afinal, quem se refere ao bar ou sorvete “do Shiguero”?
O Natal me conhece desde bebê, conhece meu pai desde que este veio para Fernandópolis, em 1979, ainda solteiro. Viu meus irmãos correndo na calçada comigo. Viu-nos crescer, estudar. Viu-nos formados e — no que toca a mim e a meus três irmãos — barbados e barbudos.
Mas só há pouco descobri que Shiguero Uetanabara nasceu em 1941, em Nova Europa, perto de Araraquara, vindo parar nesta região por causa da lavoura de algodão.
Quem diria que sua primeira sorveteria, longe daqui, acabou não dando lucro? Golpe do destino, que para minha alegria me reservava um divino néctar das frutas e do leite: anos após sair daqui, voltou com o irmão Fernando para cá, em 1960. Para não mais sair.
Eu agradeço. Todos agradecem.
Afinal, o Natal é exceção ao ditado de que santo de casa não faz milagre: ele — com seu sorvete e salgados — é unanimidade. Entre nós, da cidade; entre quem saiu daqui, mas não se esqueceu; entre os visitantes que saem daqui já “com saudade daquele sorvete de ameixa…” Tanto que, há décadas, é considerado sacrilégio vir a Fernandópolis e não tomar o famoso sorvete.
Outra imagem indelével de infância é o Natal mexendo o sorvete com aquela baita colher de madeira. A gente tinha certeza de que era parte do segredo do sabor e da consistência insuperáveis. De ameixa, morango, de chocolate, abacaxi, de laranja, limão, passas ao rum, creme, até de melancia, melão e cajá-manga! Tudo feito da própria fruta.
Trabalhador incansável, está de pé junto com os padeiros. Lembro-me da época em que eu, recém-formado, estava estudando para o concurso do Tribunal de Justiça — em que trabalho há quase dez anos —. Para reformar o Frangão, meu pai precisou retirar os portões da frente do restaurante e, como depois da meia-noite é que eu ficava mais desperto, tornei-me vigia noturno do meu pai enquanto estudava. Pelo menos por uma semana. E todo dia, sem falta, pouco antes das 5h, o céu ainda escuro, estacionava um carro ali em frente ao Frangão, de onde saía o Natal para começar o expediente: fazer os salgados… Ah, os salgados!
Engana-se quem pensa que o Nosso Bar é famoso só pelo sorvete. Os salgados são todos feitos lá mesmo, pelo Natal e sua esposa, a dona Mitie. Pastéis de carne, de palmito, de carne com queijo. Bolinhas de carne, coxinhas com massa feita de mandioca! Putz, assim não vou conseguir terminar este texto… Deu fome.
Percebo agora, numa leitura de retrospecção, que desde minha primeira crônica neste periódico não foram poucas as menções, mesmo que inconscientes e fugazes, que fiz do Natal e seu sorvete insuperável. O que só reafirma a minha teoria acerca da força da memória de infância.
É mais que merecida a homenagem ao Natal. Instalado aqui desde 1962, exemplo sobretudo de simpatia, humildade e simplicidade, ele é mais fernandopolense que muita gente que aqui nasceu… Ele é parte indissociável da própria história de Fernandópolis.
Eis o Shiguero “Natal” Uetanabara. Ou, para mim, só “Nataro”.

O. A. SECATTO

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