sábado, 23 de novembro de 2024
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Mundo mecânico

Sei que muitos vão chamar este artigo de saudosista, antiquado, velho ou “careta”. E também vão me classificar como retrógrado, “cafona”. Mas, não tenho como deixar de analisar o quanto…

Sei que muitos vão chamar este artigo de saudosista, antiquado, velho ou “careta”. E também vão me classificar como retrógrado, “cafona”. Mas, não tenho como deixar de analisar o quanto o mundo eletrônico de hoje está chato em comparação ao mundo mecânico em que eu e minha geração se formaram. Chato, politicamente sem graça.

A ideia – e a coragem – de escrever contra a modernização das comunicações eletronizadas entre máquinas surgiu em um sábado, bem cedinho, quando o galo do vizinho cantou. Era 7h45. Achei tarde demais! Não era mais madrugada e, para mim, galos foram “treinados” para cantar antes de o Sol nascer. Teria o galo entrado no horário de Verão fixado pelo relógio da hora do mundo, atualizado via internet?

Esse pensamento aparentemente bobo me conduziu a analisar como “as coisas” estão mudando. Por exemplo, e absurdamente, hoje é preciso explicar como virar páginas de jornal impresso para ler as notícias e não apenas passar o dedo em cima de uma imagem para dar zoom ou selecionar, como se faz em celulares, tablets e telas de TV pela internet.

Parece exagero esta relação. Mas, antes, não havia tanta chatice no mundo mecânico das coisas absolutamente lógicas pelo contato físico e pessoal, das palavras inteiras, vozes e sons de seres vivos e do aprendizado pelo ensino de “coisas” reais.

O mundo eletronizado encurtou distâncias e afastou pessoas; ensinou que o vazio é vazio mesmo e que eu e você precisamos nos comunicar por regras da desconstrução das relações humanas para sermos modernos.
Esse mundo exige que tenhamos tribos e que sejamos indígenas ermitões simultaneamente; cobra que eu e você sejamos atualizados e nos enclausura à frente de uma telinha, presos pelo que os outros dizem, clicam, curtem ou postam, nos exigindo participar com opinião, avaliação e posicionamento sempre a favor da maioria. Ai de quem vai contra! Prefiro o mundo mecânico em que só o contato físico podia mudar posições.

Hoje, ouvir um galo cantar ao meio-dia parece ser normal. E logo o será. As inversões são gritantes e exigentes, estão em uma lista de regras que o mundo eletronizado impõe. As relações humanas se tornam cada vez mais singulares, calculadas em um algoritmo de números ímpares.

Estamos aplicando o Algoritmo de Euclides – aquele do máximo divisor comum entre dois números inteiros – entre pessoas. E estamos nos dividindo.
Por esse mundo da comunicação instantânea encurtamos palavras e o raciocínio. O jornalismo puro se torna imprestável diante de “jornalistas” que brotam a cada post em redes sociais. A educação, valores familiares e o bem coletivo sucumbem diante de falsos representantes de segmentos que pregam e apregoam o inverso, jogando sempre com a torcida.

Me fazem lembrar dos movimentos culturais emoldurados por defensores das drogas e da classe política que se aliou à turma do “tudo pode” em troca de interesses. O primeiro grupo agiu daquela maneira por absoluta ignorância e o segundo porque foi malandro mesmo.
Classes como estas contribuíram bastante para termos, hoje, um mundo eletronicamente moderno – você está lendo esse texto em uma tela, por meio da internet, em qualquer lugar do mundo – e cheio de pessoas vazias; avançado em conhecimento e atrasado em relações entre seres humanos. Um mundo de conversas encurtadas e de confiança ainda mais curta.

Prefiro o galo de madrugada.

VALDECIR CREMON
É jornalista, coordenador de jornalismo do Grupo RCN de Comunicação, Três Lagoas (MS)

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