O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) determinou que uma mulher deverá pagar R$ 5 mil à dona de uma loja de bijuterias de Mogi Guaçu, interior do estado, por ter acusado o comércio de racismo em posts no Facebook, juntamente com uma foto com a frase “fogo nos racistas”. Pela decisão, as publicações também precisam ser apagada.
Em 2020, Rafaela Pereira fez textos na rede social pedindo justiça após sua irmã alegar ter sido vítima de ofensas racistas ao tentar trocar um produto na loja Kawayi Bijuterias e Presentes, no centro de Mogi Guaçu.
Tudo começou quando, em 2 de setembro de 2019, a irmã de Rafaela, Rosângela, que tinha um problema capilar e por isso havia raspado a cabeça, foi até a loja comprar um acessório para o cabelo. Quando chegou em casa, porém, viu que levou para casa o produto errado – ela comprou um item no valor de R$ 100, mas recebeu um que custava R$ 70.
No dia seguinte, 3 de setembro, foi até a loja pedir a troca pelo produto que havia pago, mas a proprietária da loja teria se recusado. Segundo o boletim de ocorrência, Rosângela teria sido humilhada e alvo de ofensas raciais: a dona da loja a teria chamado de “careca negra e cadela”, e lhe agredido com tapas. Além disso, a dona ainda teria puxado a peruca da cabeça da mulher, constrangendo-a em frente aos clientes.
O boletim de ocorrência contou com o depoimento de uma funcionária da loja, que testemunhou as agressões. Foi instaurado inquérito, mas posteriormente o Ministério Público de São Paulo (MPSP) descartou a injúria racial e determinou o arquivamento, continuando a investigação apenas em relação às agressões físicas.
Foi apenas em junho de 2020 que a irmã Rafaela ficou sabendo do ocorrido. Então, resolveu contar o caso nas redes sociais a fim de pedir por justiça. Ela relatou as agressões e ofensas, e as publicações, feitas entre 10 e 14 de junho, tiveram mais de mil compartilhamentos no Facebook.
“Até um ferro ela pegou para agredir, chamando ela de negra careca cadela, dizendo ‘vaza da minha loja sua negra sua cadela sai daqui agora, eu já falei que não vou trocar bosta nenhuma, pega esse seu lixo no chão sua cadela, sai daqui agora’”, dizia o post.
Rafaela defendeu que “isso é um crime e ela tem que pagar” e disse que a delegacia da cidade “nada fez para ajudar”. “Me ajudem, não ao racismo. Vamos compartilhar para que a justiça seja feita”, escreveu ela, divulgando um abaixo-assinado.
Em outra publicação, escreveu “que justiça seja feita” junto à imagem de uma pessoa segurando um cartaz com a frase “fogo nos racistas”.
A dona da loja então acionou a Justiça, argumentando que as postagens lhe causaram “prejuízos econômicos e sociais”, porque viralizaram e incitaram a violência uma vez que, em 13 de junho, foi organizada uma manifestação contra o racismo em frente ao estabelecimento.
Na madrugada após o protesto, o comércio foi pichado com a frase “fogo nos racistas”, e algumas pessoas também atearam fogo na porta do endereço.
Razões da decisão
A 3ª Câmara de Direito Privado do TJSP julgou o caso em 12 de abril, e deu razão à dona da loja de bijuterias.
Em seu voto, o desembargador relator Schmitt Corrêa afirma que “as publicações e comentários perpetrados extrapolaram os limites do razoável e da exposição da liberdade de manifestação de pensamento e opinião da ré e ofenderam a imagem e honra objetiva da autora”.
Na visão do relator, por não concordar com a solução dada pelos órgãos competentes, a mulher acabou “imputando à autora a prática de racismo, além de incitar a prática de crime (fogo nos racistas) contra ela, trazendo, desta forma, graves consequências a sua honra e imagem, o que se verifica nos comentários existentes nas postagens”
“É direito da apelada externar sua consternação, de modo livre, entretanto, referida liberdade, manifestada publicamente, não pode ser exercida de forma irresponsável, ou seja, não se pode aceitar o exercício arbitrário da justiça com as próprias mãos, pois inaceitável em um Estado democrático de Direito”, acrescentou.
Não houve divergência. Além da indenização de R$ 5 mil e da exclusão da postagem, Rafaela ainda terá de arcar com as custas do processo. Cabe recurso da decisão ao próprio TJSP e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).