O MPF (Ministério Público Federal) defendeu que o uso de cloroquina e hidroxicloroquina na prevenção e tratamento da Covid-19 não deve mais ser considerado pelo Conselho Federal de Medicina, em processo movido pela Defensoria Pública da União contra o CFM.
A manifestação defende a imediata suspensão do parecer 4/2020, “documento em que o conselho profissional ainda considera o uso de cloroquina e hidroxicloroquina em pacientes com Covid-19, apesar do posicionamento contrário da OMS [Organização Mundial de Saúde] e de órgãos públicos brasileiros especializados”.
O parecer do CFM diz que o médico tem autonomia médica para que, em comum acordo com o paciente, estabeleça qual tratamento será realizado. Esse entendimento abre brecha para que remédios ineficazes continuem a ser receitados.
“O MPF defendeu ainda que o CFM delibere sobre a possibilidade de infração ética dos médicos que vierem a prescrever tais substâncias para a prevenção e tratamento da Covid-19”, afirma o Ministério Público Federal.
Em entrevista à Folha, o presidente do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) e secretário de Saúde do Maranhão, Carlos Lula, afirma que ainda há médicos que receitam o “kit Covid” no SUS.
Trata-se de remédios como hidroxicloroquina e ivermectina, com ineficácia comprovada contra a doença.
“A autonomia médica não é isso, não quer dizer que eu posso prescrever o que eu bem entender, não é isso a autonomia médica. Ela tem limites. Se eu tenho evidência científica que determinado medicamento não é eficaz para alterar a condição clínica do paciente, o médico não pode receitar o medicamento”, diz Lula.
Na manifestação, o Ministério Público Federal afirma que CFM deve seguir as diretrizes da Organização Mundial da Saúde, “que são fortemente contrárias ao uso de hidroxicloroquina ou cloroquina contra o novo coronavírus, independentemente da severidade do quadro e da duração dos sintomas”.
“Tal recomendação é fruto de um estudo envolvendo mais de 100 países que constatou a ineficácia desses medicamentos em reduzir a mortalidade de pacientes hospitalizados com Covid-19”, diz a manifestação. “Além da OMS, órgãos nacionais como a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde [Conitec] e a Coordenação de Incorporação de Tecnologias do Ministério da Saúde também recomendam não utilizar cloroquina ou hidroxicloroquina no combate à doença”, afirma o texto.
Ao assumir o Ministério da Saúde, em março de 2020, Marcelo Queiroga anunciou que promoveria o debate na Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS) para encerrar a discussão sobre o uso do chamado kit Covid.
No entanto, o tema tem ganhado holofotes nos últimos dias após o secretário de Ciência e Tecnologia da pasta, Hélio Angotti, rejeitar diretriz que contraindica os medicamentos.
Na avaliação do Ministério Público, ao expressamente manter aberta a possibilidade de uso de tais drogas no combate à Covid-19, “o CFM dá suporte normativo a situações que colocam a vida e a saúde das pessoas em risco.”
“Além de violar a Constituição Federal, o conselho desrespeita decisão do Supremo Tribunal Federal [STF] que recomendou precaução e autocontenção se houver alguma dúvida sobre o impacto real de uma determinada substância na saúde da população”, diz trecho da manifestação.
Questionado sobre a manifestação do Ministério Público, o Conselho Federal de Medicina não respondeu até a publicação desta reportagem.