O número de homicídios decorrentes de acidentes no trânsito em São Paulo já ultrapassou, há três anos, o total de assassinatos praticados por criminosos em todo o estado. No primeiro quadrimestre deste ano, a quantidade de mortes registradas nas vias foi 50% maior do que a de homicídios comuns.
A virada ocorreu de 2021 para 2022, quando as mortes envolvendo veículos e pedestres, nas vias paulistas, ficou acima dos óbitos registrados pelo uso de armas de fogo, facas, entre outros. Os dados resultam da mais recente atualização estatística da Secretaria da Segurança Pública (SSP).
Entre janeiro e abril deste ano, foram registrados 1.272 homicídios decorrentes de acidentes de trânsito, dos quais quatro com dolo, ou seja, com intenção de matar. O número é 50% maior do que os 846 assassinatos registrados no mesmo período.
Entre os homicídios no trânsito está o do motorista de aplicativo Ornaldo da Silva Viana, de 52 anos. Ele morreu após seu carro ser atingido pelo Porsche, avaliado em mais de R$ 1 milhão, conduzido pelo empresário Fernando Sastre de Andrade Filho, 24, no dia 31 de março, na zona leste paulistana.
O empresário foi denunciado por homicídio doloso e é réu por dirigir sob efeito de bebida alcoólica, em alta velocidade. Ele permanece preso na Penitenciária 2 de Tremembé, no interior de São Paulo, conhecida como a “cadeia dos famosos”.
Os registros de homicídios no trânsito seguem uma linha ascendente no estado de São Paulo. Os quatro primeiros meses deste ano foram os mais mortais dos últimos dez anos. Já os assassinatos ocorridos fora do trânsito seguiram o caminho inverso, diminuindo paulatinamente no mesmo período.
Mudando a tipificação
A morte da cicloativista e socióloga Marina Kholer Harkot, de 28 anos, em novembro de 2020, foi um caso de homicídio culposo (sem intenção) no trânsito que teve a tipificação criminal modificada para doloso após a repercussão na mídia. Isso culminou no levantamento de provas, o que obrigou a Promotoria e a Justiça a mudarem sua interpretação sobre o caso.
O microempresário José Maria da Costa Júnior é acusado de atropelar a jovem ciclista, quando ela voltava pedalando para casa, em 8 de novembro daquele ano, em Pinheiros, zona oeste da capital paulista.
Na ocasião, o agora réu se apresentou dois dias após o crime à Polícia Civil, onde se negou a prestar depoimento. Ele foi indiciado por homicídio culposo e, desde então, segue solto, aguardando seu julgamento.
Somente cerca de 20 dias depois da morte da ativista, que repercutiu em âmbito nacional, a tipificação do crime mudou para homicídio doloso, ou seja, com intenção de matar, o que pode aumentar a pena.
O microempresário foi denunciado e se tornou réu por homicídio com dolo eventual — porque ele assumiu o risco de matar — e também pelas acusações de dirigir sob efeito de álcool e fugir do local sem prestar socorro à Marina.
A morte dela gerou comoção e protestos.
Diferentemente da maioria dos casos de homicídios no trânsito, José Maria será submetido a um júri popular, marcado para o o próximo dia 20/6, no Fórum da Barra Funda, na zona oeste de São Paulo. O réu nega as acusações. A defesa dele não foi encontrada pela reportagem. O espaço segue aberto para manifestação.