quinta, 21 de novembro de 2024
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Minha porta estilhaçada. Quem foi?

Comecinho da madrugada, fazia calor e um quase silêncio na rua Amadeu Bizelli, centro de Fernandópolis, em 1º de março de 2007. E eu dormia no primeiro andar de um…

Comecinho da madrugada, fazia calor e um quase silêncio na rua Amadeu Bizelli, centro de Fernandópolis, em 1º de março de 2007. E eu dormia no primeiro andar de um prédio meio comercial meio residencial, alugado por meu considerado Waldemar de Mathias, após mais um dia de intenso trabalho na rádio Difusora, em sites e na edição de comerciais para televisão. Na época eu também escrevia para o Jornal do Interior, ainda sob o comando do amigo jornalista Fernando Miranda, pouco tempo antes da transferência da empresa para o também amigo jornalista Cláudio Ferreira.

O quase silêncio da madrugada só era quebrado pelo apito do vigia noturno, que passava por lá a cada 45, 50 minutos.

Naquela madrugada, porém, algo diferente quebrou o silêncio e escapou aos atentos olhos do vigilante noturno das ruas. Até mesmo não foi registrado pelo atento vigia de um posto de combustíveis, na esquina da rua Rio Grande do Sul.

A porta de vidro do prédio foi estilhaçada a golpes de barra de ferro e a campainha foi destruída, certamente na sequência do ataque. O guarda diz que correu para o local em minutos e o vigilante da rua idem. Não viram nada.

O autor do ataque havia sumido, como se pudesse voar, desaparecer na escuridão ou, quem sabe, se esconder em algum outro prédio ali perto. Todos – eu acho – estavam fechados. A rua é caracteristicamente comercial, com lojas, uma clínica médica e o famoso bar do “seo” Agostinho, com quem fiz boa amizade.

Acordei com o som ensurdecedor das pancadas na porta, a campanha “disparada” e os guardas tentando entender o ocorrido, bem em frente da minha porta.

Desci e também tentei entender. Meu coração disparou e minha cabeça ferveu. Logo veio à mente outro fato, de um dia antes, em que a fechadura da porta, agora arrebentada, havia sido danificada, possivelmente com um grampo de cabelos ou um clip. Ou seja, o ataque da madrugada era o segundo e, provavelmente, cometido pelo mesmo bandido.

Chamei a Polícia Civil, que registrou tudo, inclusive em fotos pela perita e vereadora Maísa Rio, minha amiga. Dias depois procurei a delegacia para dar andamento à investigação.

Dei a notícia na rádio Difusora e o repórter Ivan Gomes, meu amigo, fez um flash da porta de casa. O site do jornal O Cidadão publicou reportagem (https://bit.ly/2RnrFjf), inclusive com declarações minhas.

O amigo Carlos Lima – o Carlão do Laboratório – havia instalado câmeras de monitoramento em um trecho da Amadeu Bizelli para reforçar a segurança de sua empresa. Ele chegou a verificar se a filmadora mais próxima da esquina havia registrado o ataque. Nada. Infelizmente.

Outros amigos estiveram por lá e não faltaram suposições sobre os motivos daquilo. Meu posicionamento político, sempre crítico e analítico, foi apontado como possível causa/reação do ataque. Eu, sem nenhuma inocência, medi a rua de ponta a ponta, incluindo sua largura, para tentar entender como o bandido conseguiu se esconder tão rapidamente sem ser visto por dois vigias nem pela câmera do Carlão.

A cidade vivia um momento político delicado, especialmente com a infeliz morte do prefeito Rui Okuma, no ano anterior. Na Câmara, o clima era pesado com a atuação controversa de presidentes que perderam o controle da situação e da oposição por mais de uma vez. Um dos assuntos da época era a renovação de contrato de saneamento básico com a Sabesp.

Nunca escondi que discordava de ações de políticos da cidade e nunca alisei nenhuma crítica por ser amigo ou ter prestado serviços a nenhum deles. Porém, com a prefeitura envolvida em um clima que mistura velório e uma inexplicável alegria de grupos que ressentiam a morte de Okuma e do que festejava a posse da ex-vice Ana Bim, além dos tropeços do Legislativo, não haveria o que se estranhar em surgirem críticas e análises mais agudas.

Entre um pitaco aqui e ali, um conselho de amigos e até piadas, fui convencido a deixar o inquérito de lado e não tocar a investigação adiante. Consertei a porta, reforcei a vigilância – inclusive não indo mais à prefeitura e à câmara com a frequência de antes – e logo me mudei de lá, grato a Waldemar de Mathias, ao “seo” Agostinho e aos vizinhos com quem podia trocar algumas conversas de vez em quando.

Mas, aquele ataque nunca saiu da minha cabeça. E talvez nunca saia. Volta e meia me lembro, recordo detalhes, penso, repenso, me arrependo de ter abandonado a investigação etc. Claro que tenho suspeitas! Até mesmo um gordo mórbido poderia cruzar a Amadeu Bizelli de um lado para outro e se entrar numa sala previamente aberta. Imagine um atleta saradão!

Hoje, pensativo em minha sala de trabalho, em Campo Grande (MS), e bisbilhotando os sites de Fernandópolis, não resisti ao desejo de escrever sobre o ataque. Resisto em não pensar no peso que o bandido da porta carrega em sua consciência, desde aquela data e, principalmente, pelo que ocorreu com a vida pessoal e pública de quem não me suportava como jornalista independente.

Não vou dar detalhes, mas sei que ele está pagando pelo que fez. É a lei da vida.

VALDECIR CREMON
Jornalista e professor universitário.

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