Uma menina de 2 anos morreu, segundo a polícia, torturada dentro de casa, na Zona Oeste do Rio, em uma sequência de maus-tratos. O pai e a madrasta de Quenia Gabriela Oliveira Matos de Lima foram presos em flagrante nesta quinta-feira (9). Marcos Vinicius Lino nega as agressões e diz que tudo “é um erro”. Já Patricia André Ribeiro afirma que a enteada se machucou caindo.
Segundo a delegada Márcia Helena Julião, titular da 43ª DP (Guaratiba), Quenia apresentava 59 lesões pelo corpo. Ainda de acordo com a delegada, o pai disse em depoimento que a criança não se alimentava há pelo menos três dias.
“Em 40 anos de profissão, este é o caso mais terrível e desumano com que deparei na vida”, afirmou Márcia.
“Não havia um local nessa criança que não tivesse lesão: a cabeça, a orelha, o tórax, as pernas. A criança estava toda machucada. Como alguém consegue fazer isso com um serzinho tão frágil e indefeso?”
Médica denunciou
O caso surgiu quando uma médica da Clínica da Família Hans Jurgen Fernando Dohmann, em Guaratiba, procurou a distrital ao ver o estado da criança, levada à unidade de saúde pelo pai na tarde de quinta. Segundo a profissional, Quenia tinha morrido pelo menos uma hora antes de o pai dar entrada.
A médica, no depoimento à polícia, disse que a causa da morte foi “grave agressão física e provável abuso sexual” e detalhou as lesões: 12 no rosto, 17 no abdômen, 16 no dorso, 6 nos braços e 7 nas pernas. Ela destacou uma queimadura no umbigo e uma fissura no ânus da menina.
Policiais foram até a clínica e deram voz de prisão a Marcos Vinicius Lino e a Patricia André Ribeiro, o pai e a madrasta de Quenia. Eles responderão por homicídio.
“O crime bárbaro chocou a todos os policiais desta unidade e causou grande comoção, diante dos atos cruéis de tortura”, destacou a delegada.
Criança já tinha sido atendida com ferimentos
A médica lembrou que Quenia já tinha sido atendida na clínica em novembro do ano passado com um corte de 5 cm no couro cabeludo. Na ocasião, a madrasta informou que uma louça tinha caído na cabeça da enteada.
A profissional contou ainda que dentre as 59 lesões havia recentes e antigas.
Vizinhos relatam choro
A polícia também ouviu dois vizinhos da criança que ajudaram no socorro.
Um deles disse ter percebido lesões em Quenia em outras ocasiões e que a ouvia chorar algumas vezes.
Na quinta, segundo esse vizinho, a madrasta “bateu forte” na sua porta, informando que Quenia “não estava respirando e que tinha se engasgado”.
Outro vizinho, no depoimento, contou ter levado os três de carro até a clínica da família.
Pai assumiu a guarda para não pagar pensão
Em depoimento após ser preso, Marcos Vinícius disse que cuidava de Quenia desde quando ela tinha 3 meses de vida. Ele começou a namorar Patrícia antes mesmo de a filha nascer. Segundo a madrasta de Quenia, a mãe pediu pensão, mas Marcos se negou a pagar, e os dois concordaram que a guarda da menina ficaria com o pai.
O pai da garota declarou que a filha entrou para uma creche no mês passado e que em pouco tempo a direção entrou em contato para questionar lesões na criança. Ele respondeu que Quenia tinha caído, mas não possuía mais detalhes.
Ainda segundo Marcos, a responsável da creche disse que não receberia Quenia enquanto não a levasse para um médico.
“Há três dias a criança não se alimentava e vomitava”, diz o termo de declaração do pai.
À polícia, Marcos ainda afirmou que “acredita que a lesão no ânus seja da força que fez soprando a boca da criança para tentar fazê-la voltar a respirar”.
“[Marcos] afirma que algumas vezes Patrícia ligava e dizia que Quenia tinha caído e se machucado, mas não levava a um hospital, passando uma pomada e dando uma dipirona para febre”, descreve o termo.
Patrícia também declarou à polícia que a enteada estava havia três dias sem se alimentar, fato comunicado inclusive pela creche.
“A creche chegou a questionar as lesões que a criança tinha, e [Patrícia] afirma que a criança pegou uma cadeira, colocou sobre o sofá e caiu”, descreve o termo.
“Das 59 marcas pelo corpo, [Patrícia] não sabe dizer como aconteceram, podendo ter sido queda da criança. Mesmo tendo ciência das lesões, não levaram a criança no médico”, continua o depoimento.
Delegada: ‘Repulsa’
“Quando eu vi as fotos da criança já morta, eu senti repulsa. Mais que isso. Uma dor enorme de ver um ser tão frágil e tão indefeso sofrendo aquele tipo de tortura”, disse a delegada Márcia Julião.
“As lesões demonstram que essa criança sofreu muito antes de morrer. Sem falar que ela tinha uma fissura anal e uma marca de queimadura muito grande no umbigo. Ainda não dá para dizer como fizeram aquilo”, emendou.
“A morte dessa criança não aconteceu ontem. As torturas vieram evoluindo com o tempo até causar a morte”, destacou a delegada.
Segundo Márcia, “graças à atitude da médica”, foi possível prender os dois. “A doutora veio para a delegacia, mostrou a cara e descreveu todas as lesões. Ela veio correndo, a pé, chegou esbaforida, e em seguida eu mandei a minha policial ir lá. Que em seguida, deu voz de prisão ao pai e a madrasta”, narrou.