Livros didáticos distribuídos para alunos do Ensino Fundamental da rede estadual de São Paulo em 2021 foram impressos contendo erros de ortografia como “Ingraterra”, erros de informação, além de palavras cruzadas que não completam.
No material, quando o estudante em fase de alfabetização tenta completar as lacunas para formar as palavras, ele não consegue. O exercício foi mal formulado e é impossível completar palavras simples como “pera” e “abacaxi”.
O conteúdo foi elaborado por servidores da pasta, diagramado por uma empresa terceirizada e impresso pela Imprensa Oficial do Estado.
Erros de ortografia e informação
No livro de história, elaborado para estudantes do sétimo ano, Inglaterra aparece como “Ingraterra”.
Em outra página, o Rei Luís XIV, da França, apelidado de “o Grande” e “Rei Sol”, tem seu nome grafado ora com z ora com s. O mesmo acontece com a palavra retângulo na apostila do sexto ano: aparece com e sem acento.
No livro de Ciências da Natureza, do nono ano, calotas polares aparecem como “calotas populares”. Os erros aparecem tanto nas apostilas distribuídas aos alunos quanto nas destinas aos professores.
Governo confirma falhas
Em nota, o governo de São Paulo lamentou os erros e disse que o material está sendo corrigido.
“Em um deles, inclusive, uma errata foi enviada via comunicado para toda a rede em 5 de novembro”, disse a pasta.
Segundo a secretaria, os materiais são revisados por profissionais da área e por professores da rede contratados para tal serviço.
Já a diagramação é realizada por uma empresa terceirizada.
A pasta, no entanto, minimizou o problema e não respondeu quanto foi gasto com a formulação, impressão e distribuição das apostilas. Tampouco deu detalhes de como está sendo feita essa correção e substituição do material.
“Vale ressaltar que das mais de 44 mil páginas de material didático, poucos erros de digitação e diagramação foram encontrados”, afirma a nota.
“Desleixo”
Um dos professores que percebeu o problema e prefere não se identificar, avalia que os erros prejudicam ainda mais os alunos das escolas públicas, que já foram os mais afetados pela pandemia.
Grande parte deles, principalmente os mais pobres, não conseguiram acompanhar as aulas remotas por falta de equipamentos. A quarentena imposta pelo vírus aumentou a evasão escolar e problemas relacionados à saúde psicológica dos alunos.
“Foram os alunos que vieram me alertar dos erros. Depois eu achei outros e vários professores citaram que também haviam encontrado erros no material. Essa desatenção, esse desleixo, causa uma confusão cognitiva nos estudantes”, afirma o professor, que dá aulas de sociologia e filosofia em duas escolas, em Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo.
Ele também conta que o colégio não tem internet e, mesmo após um ano e meio sem aulas, o banheiro está em reforma. Os estudantes precisam usar a área destinada aos funcionários.
Segundo ele, a alimentação escolar também deixa a desejar nutricionalmente: todo dia se repete arroz, feijão e uma proteína, apenas.
Na avaliação da deputada estadual professora Bebel (PT), presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), erros do tipo poderiam ser evitados se houvesse autonomia dos professores para escolher o material didático ou uma maior participação deles na elaboração dos livros, que são feitos de forma centralizada pela Secretaria Estadual da Educação e distribuídos para docentes e estudantes.
Já Priscilla Tavares, professora da FGV especializada em economia da educação, pondera que o volume de materiais produzidos pela Secretaria de Educação é grande e, por essa razão, é natural que haja alguns erros ou imprecisões.
“Mas, por ser o principal material de referência pedagógica para os alunos e os professores, é importante passar por revisões antes de ser impresso e distribuído. Erros encontrados no material podem perpetuar informações equivocadas e afetar a aprendizagem”, afirmou.
Pandemia na educação
Um estudo da própria secretaria mostrou que os alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental foram os mais impactos na aprendizagem por causa da pandemia.
As maiores diferenças na escala de proficiência foram verificadas no 5º ano do Ensino Fundamental, em Matemática (em que os estudantes apresentaram 46 pontos a menos do que o resultado do SAEB 2019 –-queda de 19% na aprendizagem) e Língua Portuguesa (29 pontos a menos –-queda de 13%). Para o 9º ano do Ensino Fundamental e o 3º do Médio, a defasagem foi menor, embora com perdas no aprendizado.
No início de novembro, 3,5 milhões de alunos voltaram a comparecer presencialmente às aulas das 5.130 escolas escolas da rede estadual em São Paulo, sem esquema de rodízio, após um ano e meio de ensino remoto. O uso de máscara por parte de estudantes e funcionários permaneceu obrigatório.
Outras polêmicas com material didático
Em 2019, João Doria mandou recolher das escolas estaduais um material didático que falava em identidade de gênero. A menção estava em uma apostila de ciências dos alunos do oitavo ano do Ensino Fundamental.
Nas redes sociais, à época, Doria afirmou não tolerar a suposta propaganda de “ideologia de gênero” –a expressão é usada por grupos conservadores contrários às discussões sobre diversidade sexual e de identidade de gênero.
“Fomos alertados de um erro inaceitável no material escolar dos alunos do 8º ano da rede estadual. Solicitei ao Secretário de Educação o imediato recolhimento do material e apuração dos responsáveis. Não concordamos e nem aceitamos apologia à ideologia de gênero”, escreveu o tucano em setembro de 2019.
A apostila, no entanto, explicava os conceitos de sexo biológico, identidade de gênero e orientação sexual, além de trazer orientações sobre gravidez e doenças sexualmente transmissíveis.
Após o recolhimento, a Justiça determinou que o material fosse devolvido. Para a juíza, a retirada do material traria concreto prejuízo ao aprendizado e ao erário público.
Outro material didático da rede estadual paulista gerou imbróglio em 2019 porque reproduzia um texto de divulgação do governo Doria e pedia ao aluno, na resposta a um dos exercícios, que escrevesse o nome do governador tucano. Também tinha erros de pontuação.
O conteúdo estava na coleção “Aprender Sempre”, voltada ao reforço na aprendizagem em português e matemática, destinada aos estudantes do quinto ano.
Após ser questionada, a Secretaria da Educação afirmou na ocasião que havia suspendido a impressão da publicação. A versão digital dela, porém, chegou a ser disponibilizada para as escolas.
“O Programa Respeito à Vida – São Paulo dirigindo com responsabilidade, [sic] foi apresentado pelo Governador do Estado de São Paulo, João Doria. Ele informou no lançamento do Respeito à vida, [sic] que os alunos das escolas públicas estaduais terão um papel fundamental”, dizia o primeiro parágrafo.
Uma delas tinha como resposta certa o nome do governador: “No trecho Ele informou no lançamento do Respeito à vida a quem se refere a palavra destacada [ele]?”.
Dez anos antes, em 2009, um livro de geografia do sexto ano da rede estadual tinha dois Paraguais e excluía o Equador de um mapa da América do Sul. A gestão era de outro tucano, José Serra.
À época, a Secretaria da Educação informou que a Fundação Vanzolini, responsável pela impressão dos Cadernos do Aluno, substituiria os 500 mil livros que tinham o mapa errado.
Na ocasião, José Serra afirmou que a repetição “não é um erro grave, mas é um erro”. “Houve duas falhas: da empresa contratada e da secretaria, que deveria ter revisado o material”, afirmou o governador.