O tênis brasileiro mundial despede-se de sua “bailarina” e registra o fim da trajetória de uma de suas primeiras vanguardistas e grandes campeãs.
A paulistana Maria Esther Bueno foi onde nenhuma outra mulher sul-americana tinha ido, com muita coragem e bastante astúcia, colocou seu nome de modo eterno na história do esporte.
“Estherzinha”, como foi apelidada pela imprensa brasileira no fim dos anos de 1950, colocou-se no panteão dos maiores deste esporte, local onde apenas homens sul-americanos estiveram.
Nascida em uma família burguesa da capital paulista, Maria Esther foi nadadora e chegou a conquistar medalhas em provas nacionais em 50 metros para tristeza do pai, que sonhava ter a filha bailarina, conforme a própria contou ao jornal O Globo em 1999. O sonho da menina era mesmo o tênis, em uma época em que o esporte era amador e que sequer encontrava rivais para jogar. Por isso, aos 17 anos, pediu o apoio da família e foi jogar torneios nos Estados Unidos e posteriormente na Europa.
Ali, chegou para mudar por completo a estrutura no esporte, principalmente no feminino mesmo antes da profissionalização. Maria Esther deu uma cara diferente à técnica do jogo no feminino, apresentou mais peso e rotação à bola, seu jogo era veloz. A forma como “deslizava” pelas quadras, inclusive na grama, chamava a atenção e lhe rendeu o apelido de “Bailarina do Tênis”, com o qual é referenciada aos dias de hoje.
“Acho que era por eu só treinar com homens que a velocidade da minha bola era muito grande. As pessoas comentavam que eu não fazia esforço para golpear a bola “, analisou em entrevista ao mesmo O Globo.
Maria Esther também mexeu na tradição do visual e mais do que qualquer outra tenista anterior, incutiu uma moda moderna, confortável e com cores aos uniformes de jogos. Uma de suas grandes parcerias, neste ponto, foi com o estilista britânico Ted Tinling, que anos causou alvoroço com a introdução do “short” por baixo de saias acima do joelho.
Com Ted, Maria Esther levou para as quadras cortes modernos, distantes das saias longas e pregueadas padrão para o esporte, optou por corte mais retos, cores fortes e pela minissaia, que era a queridinha das mulheres no Brasil da década de 1960.
“As pessoas achavam diferentes as minhas roupas. Algumas eram copiadas, porque eram bonitas e confortáveis”, explicou Maria Esther em entrevista à Tennis TV em 2015.
A sensação de pertencimento ao esporte, fez com que além de mudar técnica e moda em quadra, a brasileira tirasse parte do foco o “eurocentrismo” do tênis – baseado nas tradições britânicas, na solidez elegante francesa e o sucesso das duas ex-colônias britânicas: Austrália e Estados Unidos.
Ascenção
Maria Esther Bueno não foi apenas a primeira brasileira a ganhar destaque no mundo do tênis, mas a primeira atleta sul-americana a alcançar sucesso em torneios do Grand Slam. Depois dela vieram os argentinos Guillermo Vilas, José Clerc e Fiorella Bonicelli e o brasileiro Tomas Koch na década de 1970; o equatoriano Andrés Gomez na década de 1980, e nos anos de 1990 a argentina Gabriela Sabattini, Gustavo Kuerten e os argentinos da “legião” nos anos 2000.
Seu primeiro título veio na grama sagrada de Wimbledon, em 1959, quando tinha apenas 19 anos. Maria Esther Bueno venceu na final a norte-americana Darlene Hard, com quem conquistou cinco títulos de Grand Slam nas duplas femininas, sendo dois Wimbledon (1960 e 1963), dois US Open (1960 e 1962) e um Roland Garros (1960).
Ao chegar no Brasil, Maria Esther Bueno desembarcou no Rio de Janeiro e levada ao Palácio Laranjeiras, então sede da presidência da república e foi recebida por Juscelino Kubtischek que a condecorou com a medalha de “Mérito Esportivo”. No dia seguinte, já em São Paulo, Maria Esther desfilou pelas ruas da capital paulista num caminhão do Corpo de Bombeiros.
A tenista sempre falava da grande festa feita após sua grande vitória em Wimbledon e se recordava que pelo “imediatismo” brasileiro e sem internet e imprensa esportiva consolidada, era difícil manter-se em evidência e na lembrança das pessoas.
O sucesso fora do país, permitia com que a tenista ficasse por volta de oito meses fora competindo e apresentando clínicas de tênis, que era de onde retirava seus prêmios financeiros. Dos 589 títulos conquistados entre simples, duplas e duplas mistas, nenhum rendeu-lhe premiação em dinheiro, e a brasileira ganhou presentes caros, tecidos e muitos ursinhos de pelúcia.
Segundo informações oficiais da Federação Internacional de Tênis (ITF), Maria Esther Bueno foi número 1 do mundo em 1959 e também em 1962 e 1964. Como não havia um ranking como o instituído agora e nem a profissionalização pela WTA (Associação das Tenistas Profissionais), os cálculos de liderança eram feitos com base nas performances das atletas, à época.
Vale recordar que a WTA foi fundada em 1970 por algumas de suas contemporâneas, dentre elas Billie Jean King, que a derrotou na final de Wimbledon 1966 e com quem conquistou o título de duplas na grama em 1965.
Adeus às quadras
Apesar do talento e da idade, Maria Esther Bueno teve uma carreira breve e aposentou-se do circuito em 1967, após sentir agravada uma lesão no braço direito. Na ocasião, a regra do tiebreak não existia no tênis a brasileira jogou por quase 10 horas duas partidas: duplas femininas e mistas.
A paulistana contava que chegou a disputar uma média de 21 jogos por semana.
Maria Esther Bueno acumulou sete títulos do Grand Slam em simples na carreira – Wimbledon (1959, 1960 e 1964) e US Open (1959, 1963, 1964 e 1966) e acumulou outros cinco vice-campeonatos, incluindo Roland Garros (1964) e Australian Open (1965).
Das 12 finais de simples que jogou na carreira, cinco foram contra a lenda australiana Margareth Court, que teve na brasileira uma de suas principais rivais. Maria Esther venceu Court em duas destas finais US Open (1963) e Wimbledon (1964).
A final do US Open em 1964 colocou Maria Esther Bueno no Livro dos Recordes como a vencedora da final de Grand Slam mais rápida da história diante da local Carole Graebner com parciais de 6/1 6/0 em 19 minutos.
Nas duplas femininas foram 11 títulos: Wimbledon (1959 com Althea Gibson; 1960 e 1963 com Darlene Hard; 1965 com Billie Jean King; 1966 e 1967 com Nancy Richey); Australian Open (1960 com Christine Truman Janes), Roland Garros (1960 com Hard) e US Open (1960 e 1962 com Hard, 1966 com Richey e 1967 com Court).
Nas duplas mistas, o título veio apenas uma vez, em Roland Garros 1960, ao lado do australiano Robert Howe.
Como o tênis deixou de ser esporte olímpico na década de 1930 e voltou apenas em 1996, Maria Esther Bueno tem medalhas no esporte, mas nos Jogos Panamericanos de 1963, que foram realizados em São Paulo. Maria Esther sofreu um incidente às vésperas dos Jogos, teve a mão cortada, e jogou com ataduras. Conquistou ouro em simples e prata nas duplas feminina e mistas.
Comportamento
Vanguardista desde o princípio e estrela de um esporte elitista em uma sociedade machista, Maria Esther Bueno nunca gostou de estereótipos, detestava ser chamada de “ex-tenista”. Sempre dedicou sua vida ao esporte, após a retirada da competição tentou voltar na década de 1970, se machucou e arriscou um retorno em 1980, onde caiu na chave de duplas na estreia do WTA de Toronto, ao lado da norte-americana Berth Norton.
A exemplo da época como competidora, buscou fomentar o tênis no Brasil com clínicas semelhantes as dadas fora do país. Trabalhou além das fronteiras tupiniquins graças à memória e respeito de suas glórias. Considerada umas das “Rainhas” de Wimbledon, tem uma estátua sua no tradicional museu de cera britânico Madame Tussaud.
Maria Esther Bueno foi introduzida ao Hall da Fama do Tênis em 1978.
A brasileira também foi homenageada pela grande carreira em casa, foi um dos nomes mais destacados na passagem da “Tocha Olímpica” em julho de 2016 em São Paulo e a encarregada de carregar a bandeira brasileira para ser hasteada durante a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Maria Esther Bueno também foi homenageada pela organização do Rio Open em 2014.