quinta-feira, 19 de setembro de 2024
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Mal de renomados

Sempre leio textos do ilustre Ives Gandra da Silva Martins defendendo a democracia, o que seria louvável, não fosse sempre essa defesa dirigida a ricos e condenando os pobres. Em…

Sempre leio textos do ilustre Ives Gandra da Silva Martins defendendo a democracia, o que seria louvável, não fosse sempre essa defesa dirigida a ricos e condenando os pobres. Em artigo na Folha de São Paulo em 1º de maio deste ano (1997) defendeu o direito de ir e vir – a defesa da moda, criticando àqueles que o impedem. Trata-se de referência sempre a qualquer manifestação em rua. Todos os intelectuais e pessoas famosas modistas, de qualquer área, estão juntas nesta defesa. Alguns pontos do texto precisam ser contestados, que são defendidos pela grande maioria de pessoas famosas.

Verdade para ser útil deve ser completa. O conhecimento jurídico do constitucionalista é inquestionável. Mas o fato de nunca criticar às freqüentes emendas à Constituição caracteriza omissão e é no mínimo estranho. As mudanças constantes prejudicam o conhecimento dos princípios básicos de direito pela população, o que contribui para o desrespeito e o não cumprimento à Lei Maior.

Como tudo no Brasil, ninguém sabe quantas Constituições já existiram, mas deve ser a nona Carta Magna, se considerada a Emenda de 69 como mais uma. Não se discute quais as penas aplicáveis àqueles que não a cumprem, exatamente por que são administradores públicos. O artigo 7º, IV da atual Constituição fixa um salário mínimo suficiente para alimentação, saúde, vestuário, moradia, lazer e outras utopias mais. Sabe-se que não passa do papel. Mas não faltam omissos, conservadores disfarçados, que atribui a culpa a governos anteriores, que são os próprios presentes.

A situação miserável chegou ao limite. Este é o problema. Com a pacificidade nada foi resolvido até agora. Nada! A culpa pelos transtornos sempre é da esquerda. Agora foi o governador José Serra que seguiu essa linha, ao atribuir culpa ao PT pela greve dos policiais civis de São Paulo. Isso já passa de ingenuidade. Se algo ocorrer neste País que comprometa a democracia, o Sr. Fernando Henrique e seus compradores de votos são muito mais responsáveis do que Stedile e Lula.

Antes que os espertinhos de sempre digam que cidadania é sinônimo de digitar votos nas urnas, diria apenas que o voto é parte mínima desse processo. Milhares de brasileiros morrem “naturalmente” de fome e causa indignação a pouca gente. Morrer lutando é mais significativo por forçar uma reflexão àqueles que continuarem vivos. Para a intelectualidade dominante é normalíssimo morrer de fome, de frio, de hemodiálise, em fila de hospital. Anormal é só atrapalhar o percurso – direito de ir i vir – do rico, da nobreza!

A responsabilidade dos formadores de opinião consiste em acobertar a miséria absurda deste país com uma peneira. Pessoas famosas nunca se posicionaram contra nenhuma arbitrariedade. Pelé só aponta mazelas no futebol depois que deixou de jogar. Agora, Ives Gandra e outros vivem ensinando que greve não seria para prejudicar terceiros.

Greve deve ser decretada somente como último recurso de reivindicação. No momento, está banalizada e muitas são absurdamente mal-intencionadas. Agora, dizer que greve não é para prejudicar a terceiros chega ao extremo da ignorância. Não faz sentido empregados fazerem greve, querendo atingir o patrão, mantendo a produção suficiente para atender os compradores. Eles teriam que prejudicar o comprador que, indiretamente, cobraria do empregador e este, para atendê-los, negociaria com os empregados. Discussão anterior à decretação, se caberia ou não a greve, deveria ser exaustiva. Depois de decretada, ela tem que ser prejudicial, ou não seria greve.

É necessário ser contra a qualquer ditadura, seja militar ou da imprensa ou de pessoas famosas que usam do “status quo” para passar a todos as suas verdades incompletas e parciais. Os jornais só dão espaço aos famosos, negando a mesma chance aos que discordam, pois é preferível vender milhares de exemplares por dia pela fama de quem escreve, a prestar um serviço relevante à sociedade.

Como professor de Direito Constitucional, o ilustre Ives Gandra da Silva Martins deve ensinar o que já obtive como resposta de um professor da mesma área: “a Constituição não é para o presente e sim uma projeção para o futuro”. Um futuro a que nunca chega no Brasil.

A “intelectualidade” que faz tudo que sempre resulta em nada, usa da fama para atacar grupos que lutam por melhorias sociais, e que até podem cometer alguns atos ilegais e exageros no percurso, mas que efetivamente fazem alguma coisa.

As vias normais tão defendidas são apenas fórmulas ensinadas de manter a acomodação. Exemplo disso, há algum tempo, o jornal Folha de São Paulo reproduziu um artigo de um ministro do século passado sobre educação, que deveria ser “acatada ou abolida”. Eram passados exatos cem anos, e a reprodução se dera pela atualidade do texto. Com a reforma agrária, com a construção de moradia, com o estado das estradas ocorre mesmo.

O cidadão de carrão tem o direito de ir e vir, mas um “cidadãozinho”, antes deste direito – já que não vai a lugar nenhum, tem o direito de comer, de vestir-se, de estudar, mesmo que numa escola-lixão pública. Da mesma forma, Ives Gandra tem e deve defender a quem quiser, mas deve definir a quem está defendendo. Eu, da mesma forma que rejeito a ditadura – qualquer que seja -, também reprovo a roubalheira de democratas eleitos, de empresários avarentos, de professores defensores de democracias de grupos privilegiados, o mais recente modelo no Brasil.

Os jornais precisariam dar espaço a pessoas comuns. Sempre se lê textos apenas de pseudo-intelectuais e de pessoas renomadas, secularmente escrevendo em defesa dessa estrutura arcaica. Para não dizer nenhum renomado, raros defendem as camadas mais baixas da população com a mesma ênfase com que defende essa elite apodrecida.

Por não haver contestação e por que os espaços nos jornais são somente seus, os renomados vivem a ensinar como manter uma sociedade acomodada, com milhões de famintos, analfabetos, desdentados, doentes, mas pacificados, acima de tudo. A sociedade prefere aos que erram mas fazem, aos que ficam prostrados esperando o erro para críticas fáceis e vulgares. Para essa gente, pacífico significa escravizado, sem direito a chiar.

Deve-se respeitar a todos que defendem a não existência de greve, mas as paralisações trazem mais bem à democracia do que administradores incompetentes e de renomados como o senhor Ives Gandra e tantos outros.

*Bel. Direito – Interlagos/SP.

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