Uma pesquisa inédita realizada entre a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, com apoio do Fundo Canadá para Iniciativas Locais, e obtida pelo g1, revela que 67,5% dos entrevistados têm medo de serem agredidos fisicamente pela sua escolha política ou partidária.
Os dados para o estudo “Violência e Democracia: panorama brasileiro pré-eleições de 2022, percepções sobre medo de violência, autoritarismo e democracia” foram coletados pelo Instituto Datafolha.
Ao todo, 2.100 pessoas participaram da pesquisa entre os dias 3 e 13 de agosto de 2022, compondo uma amostra representativa da população brasileira com 16 anos ou mais, em cerca de 130 municípios de pequeno, médio e grande porte.
A margem de erro da pesquisa é de 2 pontos para mais ou para menos, considerando um intervalo de confiança de 95%.
O levantamento aponta também que 3,2% disseram ter sido vítimas de ameaças por conta da mesma razão apenas no último mês, que equivale a mais de 5 milhões de pessoas entre 8 de julho e 8 de agosto.
“As democracias liberais são constituídas na base de direitos, como o direito político, o de se associar, o de expressão. Quando temos uma população amedrontada é um risco para a própria democracia. As pessoas tendem a falar menos, a entrar menos nos processos políticos. Temos uma população com medo, que alega ser vítima nos últimos 30 dias. Isso coloca em risco a própria democracia”, afirma Mônica Sodré, cientista política e diretora da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade.
Renato Sérgio de Lima, sociólogo e diretor presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirma que esses dados da pesquisa reforçam a centralidade da segurança pública no debate político, em que a violência e o medo aparecem como chaves fundamentais para compreender a sociedade atual.
“Apesar da queda do número de homicídios, outros dados reforçam que vivemos em uma sociedade permeada pela violência extrema e pelo medo. E esse medo não parece descolado na realidade, sobretudo quando a pesquisa nos mostra que o equivalente a mais de 5,3 milhões de pessoas foram vítimas de ameaças por suas posições políticas somente no período que compreende os 30 dias anteriores às entrevistas do Datafolha”.
O assassinato do tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu, Marcelo Aloizio de Arruda, chocou o Brasil no dia 9 de julho. Ele foi morto a tiros na festa de aniversário dele por Jorge José da Rocha Guaranho, policial penal federal e apoiador do presidente Bolsonaro.
Guaranho está preso desde 13 de agosto no Complexo Médico Penal (CMP) em Pinhais, na região metropolitana de Curitiba, e ainda não foi ouvido pela Justiça. Ele é réu por homicídio duplamente qualificado.
No dia 7 de setembro, a campanha do candidato do PT ao governo de São Paulo, Fernando Haddad, informou que cancelou, por motivos de segurança, a agenda em Presidente Prudente, no interior do estado.
“O cancelamento se deveu ao fato de que, na manhã desta terça-feira (6), a coordenação tomou conhecimento de mensagens veiculadas em grupos de WhatsApp da região com ameaças explícitas à passagem do candidato na cidade”, diz nota da campanha.
No dia 10 de setembro, foi registrada uma confusão com a equipe do candidato à presidência, Ciro Gomes (PDT), em Porto Alegre (RS). Um homem que disse ser apoiador do presidente Jair Bolsonaro (PL) tentou agredir apoiadores de Ciro.
A equipe do pedetista ainda afirmou que o homem teria dito que estava armado, mas a Brigada Militar nega a informação.
Em audiência na Comissão de Direitos Humanos do Senado no dia 15 de junho, jornalistas e associações relataram um aumento na escalada de ameaças e agressões a profissionais de imprensa em todo o país.
Nesta quarta-feira (14), o deputado estadual bolsonarista Douglas Garcia (Republicanos) ofendeu a jornalista Vera Magalhães durante o debate da TV Cultura entre candidatos ao governo do estado de São Paulo.
Em seu perfil nas redes sociais, Douglas Garcia divulgou um vídeo no qual negou ter agredido a jornalista. Ele afirma que a abordou para questionar o contrato dela com a TV Cultura e que registrou um boletim de ocorrência contra ela por “calunia e difamação”. Ao final da gravação, ele repete as ofensas que proferiu durante o debate.
Medo da violência
A pesquisa também revela que o medo da violência cresceu desde 2017. O Brasil registra um índice de medo da violência de 0,76, (0,68 em 2017). Em um período em que as mortes violentas vêm caindo, isso não foi capaz de ser percebido pela população como indício de sociedade mais segura.
O medo de morrer assassinado, por exemplo, cresceu consideravelmente: este ano, 82,5% relataram ter medo. Em 2017, quando foi feita uma pesquisa sobre o tema pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, eram 74,9% dos entrevistados.
Já em relação ao armamento, 6 em cada 10 pessoas (66,4% dos entrevistados) não acreditam que armar a população aumentará a segurança.
Outro receio dos entrevistados foi em relação à segurança digital. Este ano, 89,1% têm medo de ter seus dados pessoais divulgados na internet. Já em 2017 eram 70,7%.
Além disso, 5,5% afirmaram terem sido vítimas de golpe ou perdido dinheiro através do celular no último mês; 5,4% declararam terem tido seu celular furtado ou roubado no mesmo período. Isso significa que aproximadamente 9,2 milhões de brasileiros sofreram golpes ou perderam dinheiro através do celular e 9,1 milhões tiveram seu celular roubado e furtado no último mês.
Também houve aumento do medo de ser vítima de violência por parte da Polícia Militar, que era de 59,5% em 2017 e chegou a 63,8% em 2022. Com relação à Polícia Civil, o medo passou de 56%, em 2017, para 53,2%, em 2022.
Ainda em 2022, considerando as duas polícias, 65,7% dos entrevistados afirmaram terem medo de sofrer violência e 1,9% declararam terem sido vítimas de pelo menos uma das polícias nos 30 dias anteriores à entrevista.
O estudo mostra que quem tem mais medo da violência tende a ser mais favorável à agenda de direitos. Entre os que têm menos medo de sofrer violência, o índice é de 7,2, abrindo uma oportunidade de ampliação das políticas públicas de segurança e do fortalecimento dos direitos e dos processos democráticos.
Contudo, a tendência a apoiar posições autoritárias em 2022, assim como em 2017, é maior entre quem têm mais medo da violência (índice 7,48) do que entre quem tem menos medo (7,16).
Direitos humanos
Apesar da queda no índice de apoio à agenda de direitos, de 7,8 em 2017 para 7,6 em 2022, houve uma melhora na percepção sobre um marcador nas violências e desigualdades brasileiras: o racismo. Em 2022, 83,4% consideram que há racismo no Brasil, enquanto esse número era de 70% em 2017.
Outro dado que surpreendeu os pesquisadores foi o apoio de 82% dos entrevistados à demarcação de terras indígenas, em meio a um cenário grave de violência na Amazônia e acirramento de conflitos socioambientais.
A pesquisa também revelou que as mulheres tendem a apoiar mais a agenda de direitos do que os homens: o índice de apoio entre mulheres é de 7,71, e entre homens é de 7,46.
Além disso, o estudo apontou que pessoas pretas são as que mais tendem a apoiar direitos: o índice é de 7,78 entre esse grupo, e de 7,56 entre pessoas brancas.