Em meio a um plano de contingenciamento que prevê suspensão de concursos e nomeações, o Tribunal de Justiça de São Paulo aposentou uma magistrada apenas um dia após ela ter sido promovida a desembargadora, função que ganha o teto do salário do Judiciário no estado.
No último dia 17, o presidente do TJ-SP, desembargador Geraldo Pinheiro Franco, promoveu cinco juízes a desembargadores. Eles ocuparam postos de integrantes da corte que haviam se aposentado.
Entre eles, foi promovida por antiguidade a juíza Ligia Donati Cajon, que era titular na comarca de Catanduva, cidade próxima a São José do Rio Preto.
No Diário Oficial do dia seguinte, o presidente concedeu aposentadoria requerida pela agora desembargadora, “fazendo jus aos proventos mensais, com paridade, correspondentes ao subsídio desembargador”.
Como juíza, ela recebeu nos últimos meses um salário de R$ 33.689,10 em valores brutos. Já o salário dos desembargadores é de R$ 35.462,22.
Esses valores, normalmente, não representam de forma fiel as remunerações dos magistrados paulistas, já que não estão incluídos penduricalhos como pagamentos retroativos (que costumam ser equiparações salariais corrigidas pela inflação).
Levantamento da Folha de 2019 apontava que a remuneração bruta de um desembargador em São Paulo era em média de R$ 56 mil —ou R$ 44 mil líquidos.
Ao se aposentar, ela receberá o salário de desembargadora e também terá direito a extras como os retroativos. Não há irregularidade na decisão do tribunal de promover e, logo depois, aposentar uma integrante da corte.
Procurado, o Tribunal de Justiça informou apenas que “esclarece que a promoção foi por conta de direito e a aposentadoria por conta de direito”.
Ligia Donati Cajon não foi localizada pela Folha. A reportagem pediu que a assessoria do TJ intermediasse um posicionamento da desembargadora aposentada, mas não houve manifestação.
O tribunal também foi questionado sobre quais benefícios a desembargadora terá ao se aposentar após ser promovida, além do aumento remuneratório, mas o TJ também não se manifestou.
A cerimônia de posse dos cinco desembargadores aconteceu no mesmo dia da aposentadoria de Cajon, por meio de videoconferência, devido à pandemia do novo coronavírus.
“Nesse momento só duas palavras me vêm à mente: gratidão e alegria”, disse ela, em seu discurso. “Alegria por ter conseguido finalmente chegar a este honroso cargo, depois de 31 anos de magistratura, e por ter conseguido cumprir o meu dever.”
No final da cerimônia, em discurso, o presidente do TJ-SP cita que a agora desembargadora irá deixar a corte paulista. “Na impossibilidade de abraçar a todos, e a dra. Ligia Donati Cajon em especial, que nos deixa no dia a dia apenas, porque na alma da desembargadora Ligia Cajon está escrito o amor que tem nesses 31 anos que já demonstrou pela magistratura”, disse Pinheiro Franco.
“Esse é um momento difícil para sua excelência, sem dúvida nenhuma. É um momento que todos nós vamos passar, mais cedo ou mais tarde, mas é um momento que vai permitir a abertura de novos caminhos, de novas portas, de novos momentos, que a levarão a uma vida nova, com algumas novidades”, acrescentou.
Ligia Donati Cajon é magistrada desde 1989 e foi juíza em Taubaté, Osasco, Teodoro Sampaio e Caçapava.
Como a Folha publicou, o Tribunal de Justiça de São Paulo baixou em abril um plano de contingenciamento que atinge diversos setores do Judiciário, inclusive os gabinetes de magistrados.
Foram cortados concursos, combustível, viagens com carros oficiais, horas extras, material de consumo e contratos estão sendo revisados. Um estudo foi aberto para avaliar a possibilidade de extinguir comarcas. Substituição de postos devido a aposentadoria, como ocorreu com os desembargadores, são permitidos
Foram mantidos intactos pratic amente todos os auxílios, bônus e retroativos aos juízes. Foi suspenso um benefício de R$ 3.500 anuais aos gabinetes que permitia reembolso no caso de compras de livros ou softwares.
Procurado, o TJ-SP informou que já havia estabelecido, em janeiro de 2020, outro plano de contingenciamento com reflexo nas indenizações, que trará uma economia de R$ 314 milhões este ano.
Ao mesmo tempo, o tribunal passa por uma crise para diminuir as despesas com pessoal aos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal. Segundo fiscalização do Tribunal de Contas do Estado, no ano passado o TJ registrou R$ 1 bilhão em despesas com funcionários como se não fossem gastos com pessoal.