A doméstica Cintia Ferreira Francelino, 29, chegou no Instituto Médico-Legal (IML) Oeste, na Vila Leopoldina, Zona Oeste de São Paulo, acompanhada de quatro familiares, só um deles sem calçar chinelos. Passou pela porta, foi até o balcão e disse, com lábios tremendo: “Meu filho”. O atendente pediu para ela aguardar.
Ela é mãe do menino de 10 anos morto por policiais militares enquanto tentava fugir com um carro furtado de um condomínio da Vila Andrade, na zona sul, na quinta-feira (2). Segundo o boletim de ocorrência, o menino atirou contra os policiais. Outra criança de 11 anos estava no carro e sofre ferimentos leves.
Moradora de uma favela perto da avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini, no Campo Belo (Zona Sul), a mãe questionava: “Como ele [o policial que deu um disparo na cabeça do menino] não viu que era uma criança, meu Deus? Ele não tem filho?”
A mãe contou que o filho morava com a avó paterna e que havia abandonado a escola neste ano. “Ele estava andando muito na rua, mas não tinha arma. Quero que façam exame da digital na mão dele”, afirmou, referindo-se ao exame residuográfico, capaz de detectar registros de pólvora e indicar se ele chegou a fazer disparos com revólver. Ela disse acreditar que os policiais tenham plantado a arma na criança.
Chorando muito, ela falou com jornalistas em espasmos de desabafo, enquanto aguardava a liberação do corpo. Ao ser informada de que a demora se devia ao fato de que o projétil que atingiu o garoto ainda estava sendo retirado, parou de falar, começou a derramar lágrimas e saiu para fumar.
O desespero da mãe era acompanhado da revolta dos familiares que a ajudavam. Um tio do menino, que não quis dar o nome, também falou. “A gente sabe como é as coisas onde a gente mora. Todo mundo sabe. Todo mundo ali sabe que ninguém daria uma arma para um menino de 10 anos”, disse. “Tem consequência. Então, não tinha como ele ter uma arma.”
A família contou que o menino tinha uma caixa de engraxates e que, às vezes, ia até o aeroporto ver se conseguia algum dinheiro. “Os meninos lá só querem ficar na lan house, por isso ele queria dinheiro”, afirmou o tio.
Embora tenha reconhecido que o menino não estudava e vivia na rua, a mãe negou que ele já tivesse cometido crimes. Há, entretanto, dois boletins de ocorrência registrando furtos anteriores praticados pelo filho, em janeiro e em abril deste ano.
A mãe disse ainda que o pai da criança, de quem é separada, estava viajando – sem dar detalhes, disse que a família mantinha bom relacionamento.
Até o início da tarde desta sexta-feira (3), o corpo estava no IML. A família ainda não sabia onde seria o enterro.
Outro lado
De acordo com a PM, policiais faziam patrulhamento por volta das 19h15 na altura do número 835 da rua José Ramon Urtiza quando viram um carro furtado na região. O motorista teria fugido da abordagem, e os PMs iniciaram perseguição, que só terminou após o veículo colidir duas vezes em um ônibus.
Quando os policiais cercaram o veículo, o garoto de 10 anos teria reagido, atirando. No revide, ele acabou baleado e morreu antes que o resgate fosse acionado.
O caso foi levado ao 89º Distrito Policial (Portal do Morumbi), mas é investigado pelo Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP).
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) de São Paulo afirmou que a polícia comunicou a ocorrência ao Conselho Tutelar e à Vara da Infância e da Juventude e que o DHPP instaurou inquérito de morte decorrente de oposição à intervenção policial.
A SSP informou ainda que a Corregedoria da PM abriu inquérito administrativo e acompanha as investigações, “como é de praxe em toda ocorrência envolvendo policiais”.