domingo, 17 de novembro de 2024
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Linguagem neutra divide opiniões; projeto proíbe uso nas escolas

Os “deputades paulistes” estão analisando projeto de lei que proíbe a adoção da chamada “linguagem neutra” em instituições de ensino público e privado no Estado de São Paulo. Você não…

Os “deputades paulistes” estão analisando projeto de lei que proíbe a adoção da chamada “linguagem neutra” em instituições de ensino público e privado no Estado de São Paulo. Você não leu errado: eu disse “deputades paulistes’. Caso seja adotada oficialmente a língua neutra ou binária, o termo “deputados estaduais” poderia ser escrito deste modo.

Este tipo de linguagem tem como objetivo transformar pronomes de gênero em uma maneira de escrita e fala neutras e únicas. Exemplos: Amigo ou amiga tornam-se apenas “amigue”. Namorada ou namorado passam a ser “namorade”. Acabam-se com a imposição do gênero masculino e feminino.

A proposta encontra-se na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia pare receber votação dos membros. Foi apresentada em 2020 pelos deputados Tenente Coimbra (PL), Douglas Garcia (Republicanos) e Carla Morando (PSDB). Depois da votação na CCJ, a proposta segue para o plenário da Alesp.

“A ‘linguagem neutra’ é toda e qualquer forma de modificação do uso da norma culta da Língua Portuguesa e seu conjunto de padrões linguísticos, de modo a serem escritos ou pronunciados com a premissa defendida pelos grupos extremistas de ‘anular as diferenças’ de pronomes de tratamento masculinos e femininos, baseando-se em infinitas possibilidades de gênero não existentes”, justificam os autores da proposta.

Para o advogado e secretário geral da Comissão da Diversidade Sexual da OAB São Paulo, Éder Serafim, o projeto que tenta acabar com a linguagem neutra parte de grupos extremamente conservadores. Ele afirma que a nova linguagem atende justamente atender uma parcela significativamente da população que não se reconhece no gênero nem masculino e nem feminino que são chamadas de pessoas não binárias não se identificam com nenhum dos gêneros ou com os dois.

“A linguagem neutra é uma questão de inclusão, de respeito e representatividade. Não é simplesmente uma alteração como algumas vertentes fundamentalistas falam. É uma adequação do Direito por um fator social e real que acontece na nossa sociedade. Se um grupo está sendo beneficiado com este termo e não esta sendo prejudicado nenhum outro grupo, não tem porque falar sobre revogação neste sentido”, afirma Éder.

Segundo o advogado todas as questões que envolvem a comunidade LGBTQIA+ sempre são tratadas pelo Judiciário, já que em todo o Poder Legislativo (Câmaras Municipais, Assembleias e Congresso) existe omissão. “Um erro do Legislativo. Sabemos que nosso Legislativo em sua maioria é extremamente conservador, ainda mais quando se trata de ano eleitoral, não querem olhar para atender uma minoria”, diz.

A professora de Português Cíntia Chagas afirma que o debate em torno da linguagem neutra é totalmente descabido. Cíntia explica que na passagem do português para o latim, o que era neutro no latim se tornou o masculino, ou seja, quando a gente diz que nós temos apenas o masculino e apenas o feminino, nós queremos dizer na verdade que o masculino já cumpre o papel do neutro, porque o neutro do latim para o português se tornou o masculino.

“De modo que quando eu digo boa noite a todos eu já incluo ai todas e dizer boa noite a todos e a todas seria uma redundância e a ‘todes’ não é a língua portuguesa”, explica a professora.

Cíntia ainda lembra que existe um risco grande caso haja convivência do dialeto não binário com a norma culta. A professora diz que a partir do momento que se coloca nas escolas essa variação linguística e que se ensina isso nas escolas, estaria se dizendo para os jovens que o gênero é uma abstração social e que esse jovem pode escolher o que ele quer ser a mercê das próprias vontades.

“Então a questão toda é a seguinte: os pais de todo Brasil eles querem que isso discutido em sala de aula? A sala de aula é o ambiente para se discutir se a criança quer ser homem ou mulher, ou ser não binária? Como que vai ser isso?”, questiona a professora.

Para ela muito além da defesa de grupos por um “falso discurso inclusivo” está a imposição de um debate sobre gênero que não cabe no ambiente escolar. “Na verdade essa imposição vai gerar uma discussão em um ambiente em que muitos pais acreditam que não é o adequado. Muitos pais gostariam de discutir este assunto dentro de casa. Vai além da simples convivência entre a norma culta e o dialeto não binário”, conclui.

Debate nacional
Em 19 estados brasileiros e no Distrito Federal, o uso de gênero neutro na língua portuguesa é tema de projetos de lei, neste momento, de acordo com um levantamento feito pela Agência Diadorim. Ao todo, 34 propostas tramitam em Assembleias Legislativas do país. Todas querem impedir a variação na norma gramatical para além do binário masculino e feminino. A primeira lei aprovada e sancionada é de Rondônia.

Perfil dos parlamentares
A discussão nas Assembleias Legislativas brasileiras em torno da linguagem neutra é liderada majoritariamente por partidos de direita do espectro político-ideológico. Dos 34 projetos, 13 são de parlamentares eleitos pelo PSL, ex-partido do presidente Jair Bolsonaro. Os dados apurados mostram ainda que 31 propostas são de autoria de homens, o que representa 88,57 % dos casos. Oito deles foram criados por deputados militares (sargentos, tenentes, capitães ou delegados). Há também um pastor e um “apóstolo”.

Para a presidenta da ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), Symmy Larrat, embora os deputados justifiquem em seus discursos a “defesa da família”, a política construída é “de morte”. “Com esse discurso de ódio, nos retiram da família, nos expulsam, nos colocam em vulnerabilidade”, diz ela. “Eles já aprenderam que quando eles contam essas mentiras, ganham voto. Esse movimento tem levado oportunistas religiosos ao poder.”

Larrat acredita que o tema da linguagem neutra deve estar presente também nas eleições de 2022. “É mais um assunto de um movimento de mentiras. Vai entrar no discurso do mesmo jeito que entraram a ‘mamadeira de piroca’ e todas as mentiras sobre a vacina”, afirma. “Mas eu espero que as pessoas tenham percebido que isso está matando gente.”
A ABGLT, diz a presidenta, tem orientado seus representantes em todos os estados brasileiros a dialogarem com deputadas e deputados para se opor aos projetos de lei.

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