O Centro de Estudos do Genoma Humano da USP (CEGH-USP) é o maior centro de diagnóstico e pesquisa de doenças genéticas da América Latina. Criado em 2000 pela Professora Dra. Mayana Zatz, atual diretora, o CEGH-USP dedica-se ao diagnóstico, aconselhamento genético e pesquisa de doenças genéticas neurocomportamentais, neuromusculares e do desenvolvimento. Dentre elas, autismo, distrofias musculares e fissura lábio-palatina (lábio leporino) são exemplos de casos muito estudados pelo CEGH-USP. O CEGH-USP tem muito se dedicado também ao estudo de células-tronco e suas fontes de obtenção.
O CEGH-USP é composto de vários laboratórios, sendo que um deles é o Laboratório de Genética do Desenvolvimento Humano, coordenado pela Profa. Dra. Maria Rita Passos Bueno, laboratório em que atualmente trabalho e desenvolvo meu doutorado. Neste laboratório trabalhamos com doenças e malformações que acometem o desenvolvimento humano, principalmente malformações que afetam o crânio e a face e as que afetam o desenvolvimento neurológico, como fissura lábio-palatina e autismo. O laboratório é internacionalmente conhecido por ter descoberto genes que causas várias síndromes e malformações.
Apesar de trabalhar também com outras malformações craniofaciais, meu doutorado é focado no estudo de fissura lábio-palatina (também conhecida como lábio leporino). O lábio leporino é uma malformação muito frequente (1 afetado para cada 700 nascimentos no mundo) e que pode afetar desde o lábio até o céu da boca (palato). A malformação traz várias complicações para a criança e para a família, que envolvem principalmente dificuldades na alimentação e na fala. Assim o acompanhamento e tratamento de pacientes com lábio leporino necessitam de uma equipe multidisciplinar, contendo dentistas, médicos, fonoaudiólogos, geneticistas, enfermeiros e psicólogos. Sabe-se que existem causas genéticas para o lábio leporino, através dos estudos de famílias e de outras doenças de causa genética conhecida que também apresentam lábio leporino como clínica.
No entanto os fatores genéticos que causam apenas o lábio leporino e como eles se manifestam são pouco conhecidos.
Neste ponto é onde entra minha pesquisa e de outros pesquisadores do laboratório, que é a tentativa de encontrar quais genes que, quando alterados de alguma forma, podem levar a erros no desenvolvimento da face e malformações como o lábio leporino. Para isso usamos material genético de pacientes e familiares (DNA), células-tronco e modelos animais. No estudo do DNA dos pacientes tentamos procurar por alterações e variações em genes que podem se relacionar de alguma forma com o desenvolvimento da face e das estruturas afetadas pelo lábio leporino.
Uma questão muito importante quando encontramos alguma alteração é verificar se ela é relacionada à doença ou se é apenas uma variação que pode ser encontrada em várias pessoas sem nenhum efeito negativo ou relação com a doença. Para isso é muito importante verificar o DNA de pessoas sem as malformações ou doenças genéticas, que chamamos de controles. Caso eu encontre uma alteração genética no paciente e não encontre em nenhum dos indivíduos sem a doença, é muito provável que a alteração seja relacionada com a doença. Todo estudo genético só funciona adequadamente se tivermos controles para compararmos os resultados e garantir que o que foi encontrado é específico da doença e que tem um significado biológico. Assim, sem estes controles a pesquisa com doenças e malformações genéticas é praticamente inviável.
Nem sempre é fácil conseguir estes materiais controles. Como o CEGH-USP trabalha com doenças genéticas, praticamente todo material que recebemos é de pacientes e no máximo de familiares. Os controles que possuímos são geralmente de doações de material de familiares dos pesquisadores, como sangue para extração de DNA e dentes de leite para obtenção de células-tronco.
Em outros países é comum se criar um banco de DNA a partir dos hospitais, o que torna o acesso ao material para pesquisa bem mais fácil.
Foi então que tive uma ideia: em laboratórios de análises clínicas, o sangue que é usado para os exames e depois descartado poderia ser reaproveitado para a extração de DNA e usado como material controle para as pesquisas com doenças genéticas. Seria uma forma prática e não invasiva de aproveitar um material que seria jogado ao lixo e que pode muito contribuir não apenas para o entendimento da genética mas também para o desenvolvimento científico do país.
O Laboratório Paulista, em Fernandópolis (dirigido por Denise Cruz e Carlos Cruz), é o primeiro colaborador que encontramos para nos ajudar a reaproveitar o material que seria descartado, o que tem sido de extrema importância para nós. O procedimento é muito simples: a pessoa que irá ter o sangue coletado para análises clínicas apenas assina um termo de consentimento em que concorda que o material restante seja usado para extração de DNA e usado para a pesquisa de doenças genéticas como controles. Nenhum sangue a mais é coletado, só se reaproveita o que teria como destino o lixo.
Assim temos uma maneira muito simples de colaborar com a pesquisa de doenças genéticas, que não mudam apenas o conhecimento das doenças mas também o conhecimento de como nós, seres humanos, funcionamos: aqueles que forem fazer seus exames de sangue no Laboratório Paulista e tiverem interesse em colaborar informem-se com a equipe do laboratório para destinar o material restante para pesquisa no CEGH-USP. A ciência brasileira agradece!
Lucas Alvizi
Doutorando em Genética Humana
Geneticista do Centro de Estudos do Genoma Humano USP
Mais informações sobre o CEGH-USP, doenças atendidas e estudadas, acesse www.genoma.ib.usp.br