Ele escolheu as sedes, indicou quem construiria os estádios, mandou executar cachorros que perambulavam pelas ruas, prendeu opositores e até ensaiou firulas com a bola, em um vídeo editado pela Fifa, além de ter mostrado carinho por Pelé.
A Copa do Mundo que está prestes a ocorrer ainda não tem um vencedor em campo. Mas, fora dele, o presidente russo, Vladimir Putin, quer mostrar ao mundo que seu país, mesmo sob sanções internacionais, não vai ceder. Enquanto a bola estiver rolando, o que está em jogo para o Kremlin é sua reputação como potência e uma mensagem clara: o isolamento imposto pelo Ocidente contra Moscou não funcionará.
A partir de 2014, o Kremlin passou a ser alvo de pressão do Ocidente diante da anexação da Crimeia. Na prática, isso impediu que empresas russas pudessem manter negócios com o mercado financeiro internacional.
À reportagem, um dos principais organizadores do torneio, Alexey Sorokin, garante que tal cenário permitiu que Moscou mostrasse a dimensão de sua capacidade de autonomia. “Se algo ocorreu foi o fato de que as sanções nos levaram a trabalhar de forma mais dura e melhor. Cumprimos nossas promessas. A Rússia é um país com imensos recursos e fizemos um uso o eficiente de nossos meios e possibilidades”, comentou.
Mas, se não bastasse a Crimeia, o apoio de Putin ao presidente da Síria, Bashar Al Assad, o escândalo dos ex-espiões envenenados no Reino Unido ou mesmo as suspeitas de envolvimento russo nas eleições nos Estados Unidos criaram um profundo clima de desconfiança e crise entre o Ocidente e Moscou.
No esporte, as revelações de um “doping de Estado” organizado pelo ex-chefe do comitê da Copa do Mundo, Vitaly Mutko, tampouco ajudou. Os russos foram em parte banidos dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016, e o êxito que haviam atingido durante a Olimpíada de Inverno de 2014, em casa, provou ser uma fraude.
Diplomatas ouvidos pela reportagem apontam que, agora, há dois principais motivos para que Vladimir Putin queira fazer de tudo para que a Copa seja um sucesso. O primeiro é o doméstico. Em março, ele foi eleito para mais um mandato, com 77% dos votos. Mas observadores internacionais apontaram para falhas e seu principal concorrente, Alexei Navalny, foi impedido de concorrer ao pleito.
Outra pressão doméstica que ele sofre é a econômica. As sanções e o baixo preço do petróleo levaram o mercado russo a uma recessão e, apenas agora, o FMI destaca que a economia local poderá crescer em 1,7%. Em Moscou, não são poucos os que se queixam de que o desemprego ainda é elevado e o custo de vida não para de crescer.
Mesmo entre as empresas que organizam o Mundial, a reclamação é de que existe duas Copas do Mundo. “Uma é a oficial, onde não falta nada. Outra é a real, com atrasos de pagamentos e promessas de que o dinheiro chegará, talvez depois da Copa”, contou um empresário russo. Sob condição de anonimato por temer perder contratos, o executivo é o responsável por construir campos de treinamentos para as 32 seleções, com um custo de US$ 2 milhões (R$ 7,4 milhões) cada. “Por enquanto, estou tirando dinheiro do bolso para bancar todas as obras”, disse.
A movimentação de cerca de 500 mil turistas estrangeiros, portanto, poderia ser uma injeção importante para a economia, ainda que todas as projeções apontam que o impacto de longo prazo seria reduzido.
Uma segunda dimensão do papel da Copa do Mundo para Vladimir Putin será em sua imagem ao mundo. Um torneio impecável ajudaria a reforçar sua ideia de que a Rússia não se sente intimidada pela pressão internacional. Sob o pretexto da segurança, protestos serão absolutamente proibidos. A repressão contra a imprensa aumentou e dezenas de opositores foram presos.
O governo britânico anunciou que não enviará representantes para o jogo de abertura e as festas que Vladimir Putin promete organizar para a abertura, nesta quinta-feira. Os ingleses, porém, não estarão sozinhos no boicote. O governo polonês de Andrzej Duda confirmou que ele não pensa em viajar para Rússia. Outro que pode evitar Moscou é o governo da Islândia.
Em Moscou, as indicações de um boicote por parte dos governos foram ironizadas. Mas dados obtidos revelam que o número de torcedores europeus é relativamente pequeno. Segundo a Fifa, mais brasileiros e colombianos compraram ingressos do que franceses ou alemães.